No Brasil, uma Rússia ´sem meias palavras`

Presidente Dilma Rouseff se reuniu com Pútin em Moscou no final do ano passado Foto: AP

Presidente Dilma Rouseff se reuniu com Pútin em Moscou no final do ano passado Foto: AP

Observadores brasileiros debatem ideia de que Ocidente buscaria desconstruir imagem do país.

Vista do Ocidente, a Rússia seria em geral vítima de preconceito sobre a sua realidade, sobretudo no plano político interno e externo, por influência negativa de alguns governos e formadores de opinião com reflexos na mídia. Se de fato é real essa percepção, como defendida no artigo Por uma Rússia sem meias palavras, publicado por Gazeta Russa, um ponto de observação longe ser decisivo no establishment global, não há uma opinião cristalizada sobre o tema, de acordo com alguns analistas privilegiados por dever de ofício.

Sob o ângulo da diplomacia, do pensamento acadêmico e da imprensa, os embaixadores José Botafogo Gonçalves e Rubens Barbosa, o coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia da USP Angelo Segrillo, e os jornalistas Carlos Eduardo Lins e Silva e Fábio Zanini comentam alguns vieses dessa possível visão tendenciosa, que segundo seus autores, o cientista político Tom Genole e a consultora em comunicação Katerina Rijakova, poderia ser combatido com uma campanha internacional consistente por parte do governo russo.

Imagem e estereótipos

Independentemente dos ´preconceitos` emitidos pelos think tanks europeus e americanos, o Brasil em geral é desinformado sobre a Rússia, o que favorece o enraizamento de clichês que nem sempre correspondem aos fatos. “Visões sistemáticas”, na opinião de Gonçalves, veterano da diplomacia brasileira e cujo primeiro posto no exterior foi na extinta URSS  de 1962 a 1964, que acabam ressaltando os “aspectos negativos do país”, complementa Lins da Silva.

Mas isso, explica o jornalista e doutor em Comunicação, um dos coordenadores do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), pode ser reputado às informações que “nos chegam, geralmente de fontes secundárias e muito raramente de fontes primárias”, no que pode ser entendido também como a ausência de correspondentes brasileiros que acompanhem o cotidiano local diretamente. Ou seja, a vida russa chega, portanto, ´trabalhada`.

Ambos fazem um paralelo, em certa medida, com a imagem mediana do Brasil no exterior, carregada igualmente de estereótipos. Samba, Carnaval, praias, futebol, violência, corrupção e indisciplina social seriam as imagens brasileiras mais comuns, como se na Rússia também não houvesse mais nada além um povo frio, alcoolismo, produção armamentística, Estado autoritário e prevaricação, entre outros.

 Mas entre a simplificação e realidade, a “imagem que se projeta de um país é o que afinal acontece”, entende, por sua vez, o embaixador Rubens Barbosa, atualmente consultor em relações econômicas e políticas internacionais.

Democracia russa e Pútin

Para o editor da seção internacional da Folha de S. Paulo, Fábio Zanini, não há duvida que na Rússia “há restrições ao trabalho da mídia independente, cerceamento das manifestações contrárias e tentativa de calar os opositores”, isto é, um conjunto de atentados aos Direitos Humanos. Em paralelo, havendo eleições diretas, aqueles fatos demonstram que o país vive uma “democracia imperfeita”, argumenta o jornalista do diário parceiro de Gazeta Russa.

Expressão igualmente entendida pelo embaixador José Botafogo Gonçalves - hoje vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) - mas que para o professor Angelo Segrillo é melhor traduzida por “democracia jovem e com bastante espaço para amadurecimento”.

Bastante experiente em Rússia, onde fez parte seus estudos de pós-gradução e sobre a qual já escreveu diversos livros, Segrillo não concorda que o presidente Vladímir Pútin seja um ditador, como defendem algumas vozes no Ocidente. “Ele tem mecanismos informais ou recursos administrativos que podem ser usados para maximizar seu poder de uma forma que em outras democracias mais antigas e mais maduras talvez não pudessem ser usados”, argumenta.

Uma espécie de onipresença que acarreta ônus. “Pútin é identificado com tudo o que acontece na Rússia”, explica Barbosa, que enquanto serviu nos principais postos brasileiros no Ocidente, entre eles a chefia da Embaixada do Brasil em Londres, diz que conseguia filtrar o que era tentativa de manipulação da imagem do Executivo russo.

Muito embora não seja a democracia dos sonhos de Barbosa, como também não do jornalista Carlos Eduardo Lins e Silva, há que se relativizar. Há detalhes dos bastidores políticos, dizem ambos, que não se conhecem demasiadamente no exterior e, em especial, no Brasil, de modo que o que pode ser visto como autoritarismo acaba não sendo a expressão da verdade. Seria, entre outros, o caso da prisão por crime econômico do candidato oposicionista à prefeitura de Moscou, Aleksêi Naválni, depois solto por determinação judicial, contrariando o Kremlin.

Snowden e uma possível campanha de marketing internacional

O asilo temporário ao ex-colaborador das agências de espionagem americanas, Edward Snowden, concedido antes de o artigo de Genole e Rijakova ser escrito, foi um bom input às pretensões do governo em atrair a simpatia da comunidade internacional.

Quase uma unanimidade mundial a oposição à  política de espionagem de Barack Obama, nenhum dos observadores discorda do direito à asilo que tem Snowden para escapar da prisão perpétua. “Expondo a verdadeira cara dos Estados Unidos e sua hipocrisia”, segundo Segrillo. Ainda que para Fábio Zanini também tenha sido “oportunismo político, já que o Kremlin dá pouca importância à liberdade de imprensa”.

Junto ao caso Snowden, poderia ser desenvolvido um trabalho externo de disseminação regular e transparente sobre a realidade e as particularidades do país, dentro de parâmetros não ´marketeiros` “porque isso raramente dá certo”, finaliza Lins da Silva.

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