Egito à beira de uma guerra civil

De com os dados atuais, a repressão às manifestações antigovernamentais no Cairo e em outras cidades já deixou mais de 800 mortos Foto: Reuters

De com os dados atuais, a repressão às manifestações antigovernamentais no Cairo e em outras cidades já deixou mais de 800 mortos Foto: Reuters

A dimensão dos confrontos no Cairo oferecem motivos para temer o início de uma guerra civil no Egito. Três especialistas dos principais centros de pesquisa da Rússia concordam que o risco de conflito é grande, no entanto, confiam na sabedoria das elites egípcias e em sua capacidade de chegar a um acordo no último momento.

Devido ao rápido agravamento da situação no Egito, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo se apressou em recomendar aos seus cidadãos que evitem visitar o país. Paralelamente, o Ministério de Situações de Emergência informou já estar preparado para evacuar os russos que estiverem no Egito caso haja um conflito maior.

De com os dados atuais, a repressão às manifestações antigovernamentais no Cairo e em outras cidades já deixou mais de 800 mortos. Desde quarta-feira passada (14), foi decretado estado de emergência por um mês em todo o país, com toque de recolher em 11 províncias.

Tudo como antes
Marina Sapronova, professora do Departamento de Estudos Orientais do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO)

“A situação é muito complexa, o país é grande e a sociedade está dividida”, diz Sapronova, acrescentando que, por tal motivo, os acontecimentos recentes não sugerem uma estabilização rápida da situação local. Mesmo assim, está certa de que não haverá guerra civil no Egito.

“O cenário líbio ou sírio não se repetirá no Egito. O potencial revolucionário não é tão grande e, acima de tudo, não há apoio externo. Os atores regionais não estão interessados ​na desestabilização”, completa.

Sapronova acredita que no final o mundo verá o Egito regressar ao antigo sistema, uma vez que o país tem apenas três forças políticas reais: os islamitas, os representantes do antigo regime e o Exército. “É o consenso entre estas três forças que vai resolver tudo, uma vez que não existem outras forças capazes de influenciar a situação”, diz.

“Em um futuro próximo, deverá surgir um plano para uma solução política, uma espécie de roteiro de ação desenhado pelos militares. A Constituição vai sofrer alterações que irão limitar o poder do presidente, enquanto o peso do Exército será maior. A nova Constituição terá como base a reinicialização do sistema político, por meio de eleições e da criação de um novo governo”, completa a professora.

A situação no Egito dependerá da rapidez com que o governo conseguir resolver os problemas econômicos. “A ajuda de agentes econômicos, como a Arábia Saudita, tem grande importância nesse contexto”, finaliza Sapronova.

O último ato
Grigóri Kossatch, professor da Universidade Estatal de Ciências Humanas da Rússia (RGGU)

Kossatch considera que os atuais acontecimentos no Egito fazem parte do segundo e último ato do golpe. “Havia no país dois centros de poder e um deles, mais cedo ou mais tarde, tentaria destruir o outro”, diz.

O professor adverte que no Egito existem pré-requisitos muito sérios para o desenvolvimento de uma guerra civil. “Agora foi feita uma tentativa para excluir a Irmandade Muçulmana do processo político. O resultado será uma radicalização do movimento. Eles vão para a clandestinidade com todas as consequências. Vai haver luta entre a clandestinidade islâmica e as autoridades.”

A atual onda de violência poderia, segundo Kossatch, provocar uma ruptura nas forças armadas, fazendo com que parte delas passe para o lado da Irmandade Muçulmana. Afinal, existem células islâmicas tanto no Exército, como nos serviços policiais e de segurança.

A crise também pode ser agravada pelo fato de as autoridades egípcias atuais serem extremamente instáveis. “O governo não conseguiu encontrar um consenso sobre a forma como lidar com os manifestantes. A renúncia de Elbaradei foi um indicador disso. Outras figuras políticas poderão segui-lo”, afirma o professor.

Quanto ao futuro político do Egito, Kossatch ressalta que, diante da fraqueza militar da administração civil, os militares podem partir para o estabelecimento de uma ditadura rígida. “Mas esse período não vai durar muito tempo, já que os atores externos reagem negativamente a esse tipo de ação e os generais não querem perder a ajuda deles. Por isso, terão que restabelecer a atividade parlamentar e elaborar uma nova Constituição”, pressupõe.

Sabedoria da paz
Vassili Kuznetsov, professor na faculdade de Política Mundial da Universidade Estatal de Moscou (MGU)

O mais provável é que o Egito entre em um “longo período de violência política”, a exemplo do que aconteceu na Argélia nos anos 1990, em vez de caminhar para uma guerra civil, como acontece na Síria.

Kuznetsov aponta uma série de fatores que desestabilizam a situação: a divisão da sociedade; a existência de graves problemas econômicos; um grande número de armas nas mãos da população e um afluxo de combatentes da Líbia e da Síria.

“Existem dois cenários possíveis de desenvolvimento da situação. No primeiro, as elites políticas conseguirão ser mais sábias que a população, chegando a um compromisso e acalmando as massas. Mas isso só é possível quando o povo não está armado. O segundo cenário é a luta armada”, diz.

Para superar a crise, os militares devem, antes de mais nada, desarmar a população e entrar em acordo com a Irmandade Muçulmana. “Deveria se formar um governo tecnocrata. E, claro, não há lugar para nenhuma democracia parlamentar nos próximos dois anos. As autoridades não podem dançar ao som das ruas. Porém, podem criar um órgão consultivo com os islâmicos”, sublinha o especialista.

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