Atalho para estrangeiros, caminho tortuoso para brasileiros

Médicos estrangeiros e brasileiros formados no exterior não terão de se submeter ao Revalida para se candidatar ao programa Foto: ITAR-TASS

Médicos estrangeiros e brasileiros formados no exterior não terão de se submeter ao Revalida para se candidatar ao programa Foto: ITAR-TASS

Programa que facilitará entrada de médicos estrangeiros no país também permitirá que brasileiros graduados em universidades fora do Brasil exerçam a profissão sem revalidar diploma, mas apenas por três anos, o tempo de duração do projeto. Na Rússia, destino de centenas de estudantes de medicina brasileiros, universitários comentam as medidas.

Para muitos dos brasileiros que se mudam para a Rússia para cursar medicina em universidades do país, a formatura e o retorno para casa podem significar o começo de um processo quase tão desgastante quanto os vários anos de estudo: a revalidação do diploma no Brasil.

Em 2009, o goiano Anatole de Carvalho retornou ao Brasil com seu diploma da Universidade Russa da Amizade dos Povos, de Moscou. Foram dois anos até conseguir revalidá-lo por meio de um exame aplicado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no final de 2011.

Em 2012, Carvalho iniciou residência médica em ortopedia e traumatologia em um hospital de Itajaí, em Santa Catarina.

“Naquela época, o processo não tinha um tempo determinado, e as taxas [cobradas pelas instituições federais que aplicavam as provas] variavam bastante. Levava muito tempo e nunca sabíamos quando o resultado ia sair. Fiquei bastante decepcionado”, conta Anatole. “Com o Revalida, melhorou bastante.”   

Criado em 2011 e aplicado em 37 instituições federais de ensino, o Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos) unificou o processo. Agora, uma prova anual é realizada em duas etapas: a primeira com questões objetivas e discursivas e a segunda com uma avaliação de habilidades clínicas.

Porém, as altas taxas de reprovação do exame, que chegam a 90%, colocaram-no no centro do debate após o lançamento pelo governo federal do programa “Mais Médicos”, no último dia 8. A iniciativa busca levar profissionais para a rede pública de saúde de áreas distantes dos grandes centros urbanos brasileiros, onde há carência de mão de obra.

Sem Revalida

Médicos estrangeiros e brasileiros formados no exterior não terão de se submeter ao Revalida para se candidatar ao programa. O primeiros terão de provar proficiência na língua portuguesa. Segundo o governo, será dada preferência a médicos formados no Brasil.  

Mas sem o exame de revalidação um brasileiro graduado em uma universidade estrangeira e aprovado no “Mais Médicos” não terá o direito de exercer atividades fora do projeto, que dura três anos. De acordo com o governo, os aprovados receberão inscrições provisórias nos Conselhos Regionais de Medicina para trabalhar.

Associações médicas brasileiras se posicionaram contra a medida. Para o primeiro-secretário do Conselho Federal de Medicina, Desiré Callegari, trata-se de uma “gambiarra” que prejudicará tanto os brasileiros formados no exterior quanto os estrangeiros.

“Com o término do contrato, o que esse médico vai fazer? O Revalida é um exame sério. Em qualquer lugar do mundo se faz uma prova do tipo”, diz Callegari.

Uma resolução do Conselho Regional de Medicina de São Paulo do dia 2 de julho estabelece que médicos graduados no exterior deverão apresentar o diploma revalidado para obter seu registro profissional no Estado de São Paulo.

Damasio Figueiredo, que estudou medicina na Rússia de 2007 a 2011, quando se transferiu para uma universidade na Itália, acredita que estrangeiros e brasileiros devessem ser submetidos ao exame.

“Deveria ser feito um exame igual para todo mundo, seja para quem é formado no país ou para quem vem de fora, assim como nos Estados Unidos, na Espanha e na França”, diz Figueiredo. “Existem bons e maus alunos em todos os lugares”, completa.

Ressalvas

Mesmo com a possibilidade de trabalhar no Brasil sem ter de fazer uma prova considerada difícil, o universitário Arthur Mota, também da Universidade Russa da Amizade dos Povos, vê a iniciativa com ressalvas. Ainda em Moscou, ele deve se formar em julho do ano que vem. Mas diz querer voltar à terra natal –o custo de vida elevado e a remuneração dos profissionais russos estão entre os motivos.

“Não acho que vai mudar muita coisa. Creio que isso vai criar um racha entre os médicos brasileiros formados no país e os que vêm de fora. Com isso, quem perde é a população que depende desses médicos. Boa parte das pessoas que eu conheço que estuda fora do país, não importa onde, é a favor do Revalida, desde que sejam feitas as devidas revisões na prova”, diz Mota.

Mota também considera que alguns pontos do projeto não ficaram claros.

“O que vai acontecer se o estudante brasileiro formado em outro país e aprovado no programa passar na prova do Revalida durante a validade do contrato? Creio que o governo deveria manter um diálogo com os brasileiros que estudam fora”, completa.

Para os estudantes brasileiros que estudam em faculdades russas e não querem perder tempo e dinheiro até a revalidação do diploma, Anatole dá uma dica: deve-se começar a estudar ainda no quarto ano da faculdade para chegar bem preparado para a prova.   

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