Rússia teme que documento elaborado pela Otan legitime guerra cibernética

Pelo documento, Centro da Otan define que normas do direito internacional humanitário se aplicam às guerras cibernéticas Foto: Reuters

Pelo documento, Centro da Otan define que normas do direito internacional humanitário se aplicam às guerras cibernéticas Foto: Reuters

Especialistas da Aliança prepararam o primeiro guia mundial sobre a aplicação do direito internacional aos conflitos no ciberespaço. Na Rússia, autoridades acreditam que documento é potencialmente perigoso, pois negocia as regras para a introdução de uma guerra cibernética.

Publicado há algumas semanas, o documento de 300 páginas do Centro de Excelência da Otan em Defesa Cibernética Cooperativa já atraiu a atenção de uma série de órgãos oficiais russos, desde os ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa até o Conselho de Segurança e as agências de inteligência nacionais.

No “Guia de Tallinn para a condução das guerras cibernéticas” são apresentados, pela primeira vez, os algoritmos para a ação dos governos e das alianças militares em caso de ataques em grande escala. O objetivo do documento é provar que as normas jurídicas internacionais existentes (especialmente o direito internacional humanitário) também se aplicam ao ciberespaço. Desse modo, contrariando as posições da Rússia e de outros países, não seriam necessárias novas leis.

Origem de tudo

Não é a toa que esse documento da Otan traz o nome da capital da Estônia em seu título. É exatamente lá que está sediado o centro da Otan fundado em 2008, um ano depois do caso com o Soldado de Bronze e os ataques de hackers em massa a sites estonianos. Na época, a Estônia se declarou a primeira vítima de um conflito cibernético entre Estados e acusou a Rússia pelo ataque, embora não tenha conseguido provar o envolvimento de Moscou.

Os ataques, realizados na ausência de ações de guerra efetivas, são considerados pelos autores do guia como “ações ilegais”. Para responder a um ataque desse tipo, o país lesado pode responsabilizar judicialmente o agressor, ou fazer uso de "contramedidas proporcionais".

Os autores do guia salientam que, dependendo da escala e das consequências – perdas físicas, dano ou destruição de instalações –, o ataque poderia ser comparado ao “uso de força ou ataque armado”, o que concede ao Estado vitimado o direito de autodefesa, incluindo o uso de armas tradicionais.

A maior seção do documento é dedicada aos ataques cibernéticos que acompanham os conflitos armados tradicionais. Seguindo as normas do direito internacional humanitário, é pressuposta a identificação dos participantes e organizadores das sabotagens como combatentes, que podem ser capturados ou eliminados fisicamente.

No Ocidente, o “Guia de Tallinn” foi assimilado de maneira bastante positiva. Muitos especialistas norte-americanos destacaram que suas principais ideias coincidem com a posição de Washington, de acordo com a qual não seria necessário criar novas leis para o ciberespaço.

No entanto, as autoridades russas e especialmente os militares reagiram com bastante cautela. Moscou considerou a divulgação desse documento como um passo para legitimar o próprio conceito de guerra cibernética.

O representante do Ministério de Defesa da Rússia, Konstantin Peschanenko, declarou essa posição abertamente em abril passado e recebeu apoio do embaixador para assuntos estratégicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Andrêi Krutskikh. Segundo ele, enquanto a Rússia está tentando impedir a militarização do ciberespaço e convidando a comunidade internacional a adotar um conjunto de regras específicas de conduta nesse ambiente, os EUA e seus aliados já estão negociando as regras para a introdução da guerra cibernética.

Definições complementares

Apesar das autoridades russas discordarem do documento, uma série de observadores russos acredita que o surgimento do “Guia de Tallinn” também tem pontos positivos. O especialista do Instituto de Estudos Estratégicos da Rússia (RISS, na sigla em russo), Aleksandr Bedritski, comenta que Moscou havia iniciado um amplo debate internacional sobre questões relacionadas à introdução de medidas de segurança no ciberespaço, mas se deparou com a relutância de Washington. “Agora a situação começa a mudar”, diz Bedritski.

Apesar disso, o especialista do RISS acredita que “as partes dificilmente chegarão a um acordo em um futuro próximo”.  

O especialista do Centro de Estudos Políticos da Rússia, Oleg Demidov, discorda dessa opinião e defende que o compromisso é possível. “Se a Rússia e seus aliados têm como objetivo evitar os conflitos cibernéticos entre países e estipular os limites das ações aceitáveis na arena internacional, é mais provável que o  Guia de Tallinn esteja respondendo à questão”, argumento. “Essas abordagens podem ser complementares.”

Para Demidov, sua incorporação no sistema de relações internacionais do século 21 é válida como um meio para solucionar os problemas políticos externos e assegurar os interesses nacionais. “Mas é preciso estabelecer restrições legais no âmbito internacional, justamente o ponto em que a Rússia está insistindo”, acrescenta.

Mesmo com as divergências em torno do documento, existe certa convergência entre as parte. Em junho, é esperada a assinatura de vários acordos intergovernamentais sobre medidas de confiança no ciberespaço durante uma reunião entre os presidentes da Rússia e dos EUA, Vladímir Pútin e Barack Obama.

 

Publicado originalmente pelo Kommersant  

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Cronologia dos ataques cibernéticos mais intensos da última década

Em abril de 2007, tendo como pano de fundo os tumultos em Tallinn, causados pela transferência do monumento Soldado de Bronze, começaram os ataques cibernéticos aos sites do governo da Estônia. O Ministro dos Negócios Estrangeiros estoniano, Urmas Paet, culpou a Rússia pelos ataques e sugeriu à UE que impusesse sanções. No entanto, não foi possível provar o envolvimento dos russos nos ataques.

No início de 2009, hackers do Paquistão atacaram sites importantes da infraestrutura indiana e instituições financeiras, incluindo o Banco do Estado da Índia. O ataque ocorreu em resposta às exigências das autoridades da Índia de que fossem destruídas todas as bases terroristas no território do Paquistão e entregues os suspeitos de organizar uma série de atos terroristas em Mumbai.

Em setembro de 2010, o Irã anunciou que cerca de 30 mil computadores do sistema central de informática da indústria foram atacados pelo vírus Stuxnet. Também foi invadida a rede local da usina nuclear Busher. De acordo com os dados do lado iraniano, o vírus foi espalhado a partir de computadores de Israel e do estado norte-americano do Texas.

Em janeiro e setembro de 2012, alguns dos maiores bancos dos EUA, incluindo o Bank of América, BB & T, Capital One, Citi e o JPMorgan Chase, se tornaram alvos dos hackers. As autoridades dos EUA suspeitaram de hackers iranianos, supostamente ligados ao governo do Irã. O Irã negou o fato e condenou publicamente os hackers. 

Em janeiro de 2013, o jornal “New York Times” relatou que estava sendo submetido, ao longo de quatro meses, a ataques de hackers da China. De acordo com o jornal, os ataques poderiam ter sido provocados pela publicação de um artigo sobre os “tesouros escondidos” dos parentes do primeiro-ministro Wen Jiabao. Em fevereiro, o “The Wall Street Journal”, as redes sociais Twitter e Facebook, o Ministério da Energia dos EUA e as companhias Apple e Microsoft também sofreram ataques. Depois disso, as autoridades dos EUA acusaram abertamente a China de tentar invadir as redes de computadores.

Em março de 2013, os hackers paralisaram por alguns dias o sistema bancário da Coreia do Sul. Inicialmente, as autoridades depositaram as suspeitas do ataque sobre a China mas, pouco depois, endereçaram as acusações ao RPDC (República Popular Democrática da Coreia). Em maio de 2013, o Pentágono elaborou um relatório para o Congresso dos EUA, que continha a afirmação de que Pyongyang estava usando os ataques cibernéticos para ganhar vantagem psicológica nas relações diplomáticas. De acordo com a inteligência sul-coreana, os hackers norte-coreanos são treinados em escolas militares especializadas, mas as autoridades locais negam.

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