Desde os tempos antigos, o cabelo da mulher russa era considerado uma parte sagrada do corpo. Na Rússia antiga (séculos 13 a 18), uma senhora casada que mostrasse acidentalmente o cabelo ou perdesse o cocar via-se diante de um “infortúnio terrível”. Ainda hoje, existe na língua russa o vocábulo antigo “oprostovolósitsia”, que pode ser traduzido literalmente para o português como “permanecer com a cabeça descoberta”; porém, atualmente é usado apenas no sentido figurado, com o sentido de “cometer um erro”. As jovens, porém, nunca foram proibidas de exibir longas tranças.
A era do “volosnik”
Na Rússia antiga acreditava-se que quanto mais longa e grossa fosse a trança de uma moça, mais invejável ela seria como noiva. O cabelo era trançado em três fios e tinha que ser estritamente vertical ao longo da linha da coluna vertebral. As meninas solteiras podiam também usar cocares abertos. Cabelos longos e grossos, presos em uma trança grossa, eram considerados não apenas um sinal de saúde, mas também um símbolo da sabedoria feminina.
Quando uma menina começava a se preparar para o casamento, uma fita colorida era tecida em sua trança. Se houvesse duas fitas e elas fossem tecidas a partir do centro da trança, isso significava que os preparativos do casamento já estavam em andamento.
Antes do casamento, as meninas costumavam realizar a cerimônia do “luto pela trança”, que fazia parte da despedida de solteira. As amigas desfaziam a trança da noiva e, ao cantar canções rituais, penteavam seus cabelos em duas tranças contornando a cabeça e colocavam em cima um “volosnik”, um cocar especial posto diretamente no cabelo. “Volosnik” é um pequeno quepe de seda fina com uma fita de tecido amarrada na nuca. Na frente, costumava-se bordar os “amuletos”, imagens de plantas que simbolizavam a árvore da vida.
“Volosnik” significava muito para uma mulher: a partir do momento em que seu cabelo era colocado sob esse cocar, ela já era considerada casada, mesmo que depois disso o casamento fosse cancelado.
Pelo contrário, as mulheres já não tão jovens e ainda solteiras eram proibidas de desfazer as tranças e vestir os “volosnik”. Elas deviam cobrir a cabeça com um xale e eram proibidas de usar cocares de mulheres casadas, chamados de “soroka” e “povóinik”. Se uma mulher cortasse a trança, isso era sinal de luto pelo namorado falecido ou pela relutância em se casar.
Depois do casamento, o penteado ficava para sempre escondido dos olhares indiscretos, até do marido — que podia ver o cabelo da esposa apenas na cama. Os cabelos eram sempre arrumados em duas tranças que simbolizavam a unidade de marido e mulher, e nem um único fio de cabelo deveria escapar debaixo do “volosnik”, sobre a qual era colocado um lenço e, se necessário, um cocar. As têmporas sempre eram raspadas.
De olho em Paris
No início do século 18, a sociedade russa começou a se dividir. Entre os camponeses e a classe mercantil, as antigas tradições ainda eram relevantes, inclusive os penteados tradicionais para homens e mulheres. A nobreza das grandes cidades passou a viver à moda europeia e se esqueceu das tranças.
Desde a época de Pedro, o Grande (final do século 17 - início do século 18), as regras dos penteados das mulheres russas foram ditadas por fashionistas franceses, por exemplo, pela favorita do rei Luís 14º da França, Angelique de Roussil-Fontange. Durante uma caçada, ela amarrou o cabelo desgrenhado com uma tira de renda. O rei admirado pediu-lhe para conservar os cabelos desta forma o tempo todo. No dia seguinte, quase todas as damas da corte apareceram no palácio com "fontanges". Com o tempo, as fontanges ficaram mais altas e complicadas: tanto os cabelos quanto as rendas foram fixados com pó e amido. Na Rússia, as fontanges surgiram na década de 1690 e eram usadas pelas esposas e filhas de estrangeiros.
Já na década de 1710, a moda de fontanges na Europa desapareceu repentinamente. Em 1713, a duquesa inglesa de Shrewsbury apareceu diante do idoso Luís 14º com o penteado mais simples: cabelos lisos e cachos esvoaçantes. A partir de então, penteados simples, às vezes com flores ou fitas trançadas no cabelo, se tornaram comuns entre os aristocratas europeus. Na Rússia, porém, algumas senhoras da alta sociedade continuaram a usar fontanges até a década de 1720.
De volta do simples ao complexo
Na segunda metade do século 18, penteados e perucas altos e complexos voltaram à moda. Isso aconteceu graças à Condessa du Barry, favorita de Luís 15º, e Maria Antonieta, esposa de Luís 16º. Na Rússia, a imperatriz Catarina 2ª, a Grande, que governou a partir da década de 1760, era uma mulher com cerca de 160 centímetros de altura, em quem penteados altos ficariam cômicos. Assim, durante o seu reinado, as nobres não usavam perucas, penteados ou adornos altos. Depois da Revolução Francesa, essa moda também desapareceu.
O eco da revolução foi ouvido na popularidade do penteado “vítima” (imitação dos penteados dos condenados à guilhotina): os cabelos da nuca eram curtos e os cachos eram penteados para a frente. Esses penteados eram usados tanto por mulheres quanto por homens.
A moda voltou a ser sofisticada na década de 1830, com os cabelos enrolados nas têmporas e presos em coques no topo ou na nuca. No penteado “nó de Apollo”, o cabelo era arrumado em uma “cesta” alta, que era reforçada com arame.
Em 1837, foi coroada a rainha Vitória que tinha cabelos pretos e lisos. Para a coroação, ela escolheu um penteado “a la Clotilde”: duas tranças nas orelhas e cabelo penteado para trás. Este penteado se tornou popular entre as nobres russas nas décadas de 1830 e 1840.
Em meados do século 19, cachos exuberantes nas têmporas e ao redor das orelhas, coques na nuca ainda estavam na moda, mas penteados tão complexos só podiam ser usados por senhoras nobres que tinham tempo e dinheiro para cabeleireiros. As mulheres europeias, e com elas a nobreza russa, seguiram o exemplo da rainha Vitória, que usava penteados simples e lisos. A era vitoriana cultivou o ideal de uma mulher modesta e sábia, um “anjo doméstico”, para quem um penteado alto e complexo pareceria estranho. Era permitido enfeitar os cabelos com um colar de pérolas ou um enfeite de cabeça, chamado de ferronnière.
Os penteados com cachos falsos voltaram à moda apenas na década de 1870. Na frente e acima das têmporas o cabelo era penteado para cima para dar volume, no topo da cabeça era arrumado em tranças, e na parte de trás o cabelo caía em longos cachos. Mas, em geral, no início do século 20, os penteados femininos já eram bem variados e inspirados em modas de diferentes épocas.
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