A história dos penteados femininos na Rússia

Russia Beyond (Foto: Domínio público; Piotr Belétski/Arquivo de Mikhail Zaikov)
As nobres deixaram de usar tranças no início do século 18 e passaram a imitar os penteados das fashionistas francesas e inglesas.

Desde os tempos antigos, o cabelo da mulher russa era considerado uma parte sagrada do corpo. Na Rússia antiga (séculos 13 a 18), uma senhora casada que mostrasse acidentalmente o cabelo ou perdesse o cocar via-se diante de um “infortúnio terrível”. Ainda hoje, existe na língua russa o vocábulo antigo “oprostovolósitsia”, que pode ser traduzido literalmente para o português como “permanecer com a cabeça descoberta”; porém, atualmente é usado apenas no sentido figurado, com o sentido de “cometer um erro”. As jovens, porém, nunca foram proibidas de exibir longas tranças.

A era do “volosnik”

“Menina diante do Espelho”, de Filipp Budkin, 1848. Pode-se ver que, por ter uma única trança e um cocar aberto na cabeça, esta jovem ainda não é casada. Mas, como uma fita em sua trança e seu vestido vermelho sugerem, ela está pronta para o noivado

Na Rússia antiga acreditava-se que quanto mais longa e grossa fosse a trança de uma moça, mais invejável ela seria como noiva. O cabelo era trançado em três fios e tinha que ser estritamente vertical ao longo da linha da coluna vertebral. As meninas solteiras podiam também usar cocares abertos. Cabelos longos e grossos, presos em uma trança grossa, eram considerados não apenas um sinal de saúde, mas também um símbolo da sabedoria feminina.

Quando uma menina começava a se preparar para o casamento, uma fita colorida era tecida em sua trança. Se houvesse duas fitas e elas fossem tecidas a partir do centro da trança, isso significava que os preparativos do casamento já estavam em andamento.

 “Jovem moscovita no século 17”, de Andrey Ryabushkin, 1903. Esta é uma jovem rica, como seu chapéu de pele sugere. Ela já está noiva – embora use uma única trança, há uma fita dupla em sua trança, começando do meio

Antes do casamento, as meninas costumavam realizar a cerimônia do “luto pela trança”, que fazia parte da despedida de solteira. As amigas desfaziam a trança da noiva e, ao cantar canções rituais, penteavam seus cabelos em duas tranças contornando a cabeça e colocavam em cima um “volosnik”, um cocar especial posto diretamente no cabelo. “Volosnik” é um pequeno quepe de seda fina com uma fita de tecido amarrada na nuca. Na frente, costumava-se bordar os “amuletos”, imagens de plantas que simbolizavam a árvore da vida.

“Preparação da noiva para o casamento”, de V. E. Feklistov, 1848

“Volosnik” significava muito para uma mulher: a partir do momento em que seu cabelo era colocado sob esse cocar, ela já era considerada casada, mesmo que depois disso o casamento fosse cancelado.

Um “volosnik” que pertenceu à tsarina Agáfia Gruchetskaia, a primeira esposa de Teodoro 3º da Rússia

Pelo contrário, as mulheres já não tão jovens e ainda solteiras eram proibidas de desfazer as tranças e vestir os “volosnik”. Elas deviam cobrir a cabeça com um xale e eram proibidas de usar cocares de mulheres casadas, chamados de “soroka” e “povóinik”. Se uma mulher cortasse a trança, isso era sinal de luto pelo namorado falecido ou pela relutância em se casar.

“Boiarinia”, de Konstantin Makovski, década de 1890. A menina está usando um povoinik — isso significa que ela já é casada

Depois do casamento, o penteado ficava para sempre escondido dos olhares indiscretos, até do marido — que podia ver o cabelo da esposa apenas na cama. Os cabelos eram sempre arrumados em duas tranças que simbolizavam a unidade de marido e mulher, e nem um único fio de cabelo deveria escapar debaixo do “volosnik”, sobre a qual era colocado um lenço e, se necessário, um cocar. As têmporas sempre eram raspadas.

De olho em Paris

Presumível retrato da Duquesa de Fontanges (Maria Angélica de Scorailles), virada do século 17/18, estúdio de Pierre Mignard

No início do século 18, a sociedade russa começou a se dividir. Entre os camponeses e a classe mercantil, as antigas tradições ainda eram relevantes, inclusive os penteados tradicionais para homens e mulheres. A nobreza das grandes cidades passou a viver à moda europeia e se esqueceu das tranças.

Desde a época de Pedro, o Grande (final do século 17 - início do século 18), as regras dos penteados das mulheres russas foram ditadas por fashionistas franceses, por exemplo, pela favorita do rei Luís 14º da França, Angelique de Roussil-Fontange. Durante uma caçada, ela amarrou o cabelo desgrenhado com uma tira de renda. O rei admirado pediu-lhe para conservar os cabelos desta forma o tempo todo. No dia seguinte, quase todas as damas da corte apareceram no palácio com "fontanges". Com o tempo, as fontanges ficaram mais altas e complicadas: tanto os cabelos quanto as rendas foram fixados com pó e amido. Na Rússia, as fontanges surgiram na década de 1690 e eram usadas pelas esposas e filhas de estrangeiros.

“Retrato de uma mulher”, de Jean-Marc Nattier, 1738. Um penteado simples popularizado pela Duquesa de Shrewsbury

Já na década de 1710, a moda de fontanges na Europa desapareceu repentinamente. Em 1713, a duquesa inglesa de Shrewsbury apareceu diante do idoso Luís 14º com o penteado mais simples: cabelos lisos e cachos esvoaçantes. A partir de então, penteados simples, às vezes com flores ou fitas trançadas no cabelo, se tornaram comuns entre os aristocratas europeus. Na Rússia, porém, algumas senhoras da alta sociedade continuaram a usar fontanges até a década de 1720.

De volta do simples ao complexo

Imperatriz russa Isabel Petrovna, 1742, de artista desconhecida. Isabel Petrovna também está usando um penteado simples decorado com pérolas e uma pena

Na segunda metade do século 18, penteados e perucas altos e complexos voltaram à moda. Isso aconteceu graças à Condessa du Barry, favorita de Luís 15º, e Maria Antonieta, esposa de Luís 16º. Na Rússia, a imperatriz Catarina 2ª, a Grande, que governou a partir da década de 1760, era uma mulher com cerca de 160 centímetros de altura, em quem penteados altos ficariam cômicos. Assim, durante o seu reinado, as nobres não usavam perucas, penteados ou adornos altos. Depois da Revolução Francesa, essa moda também desapareceu.

Retrato de uma jovem (1807-10), de Gioacchino Giuseppe Serangeli. Penteado de “vítima”

O eco da revolução foi ouvido na popularidade do penteado “vítima” (imitação dos penteados dos condenados à guilhotina): os cabelos da nuca eram curtos e os cachos eram penteados para a frente. Esses penteados eram usados tanto por mulheres quanto por homens.

Imperatriz Aleksandra Fiodorovna, esposa de Nicolau 1º, usando um “nó de Apollo”, década de 1830, Aleksandr Briullov

A moda voltou a ser sofisticada na década de 1830, com os cabelos enrolados nas têmporas e presos em coques no topo ou na nuca. No penteado “nó de Apollo”, o cabelo era arrumado em uma “cesta” alta, que era reforçada com arame.

Retrato de Estado da Rainha Vitória, de George Hayter (detalhe), 1838

Em 1837, foi coroada a rainha Vitória que tinha cabelos pretos e lisos. Para a coroação, ela escolheu um penteado “a la Clotilde”: duas tranças nas orelhas e cabelo penteado para trás. Este penteado se tornou popular entre as nobres russas nas décadas de 1830 e 1840.

“Uma família na hora do chá” por Timofei Myagkov, 1844. Pode-se ver as jovens usando penteados vitorianos

Em meados do século 19, cachos exuberantes nas têmporas e ao redor das orelhas, coques na nuca ainda estavam na moda, mas penteados tão complexos só podiam ser usados por senhoras nobres que tinham tempo e dinheiro para cabeleireiros. As mulheres europeias, e com elas a nobreza russa, seguiram o exemplo da rainha Vitória, que usava penteados simples e lisos. A era vitoriana cultivou o ideal de uma mulher modesta e sábia, um “anjo doméstico”, para quem um penteado alto e complexo pareceria estranho. Era permitido enfeitar os cabelos com um colar de pérolas ou um enfeite de cabeça, chamado de ferronnière.

Maria Ana da Baviera, Rainha da Saxônia, de Joseph Karl Stieler, 1842. Maria Ana está usando um ferronnière

Os penteados com cachos falsos voltaram à moda apenas na década de 1870. Na frente e acima das têmporas o cabelo era penteado para cima para dar volume, no topo da cabeça era arrumado em tranças, e na parte de trás o cabelo caía em longos cachos. Mas, em geral, no início do século 20, os penteados femininos já eram bem variados e inspirados em modas de diferentes épocas.

Uma mulher em um vestido, década de 1870. O penteado é novamente grande, como em meados de 1700

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