Por que os ortodoxos russos veneram a sua imagem própria da Mãe de Deus?

Museus do Kremlin de Moscou
O ícone da Nossa Senhora de Vladimir é um dos mais venerados na Rússia. Suas cópias e interpretações se espalharam por todo o país, milhões de fiéis ortodoxos oram diante delas. Mas o que há de especial na imagem ortodoxa da Mãe de Deus?

Em quase todas as igrejas russas pode-se encontrar uma imagem reconhecível: a Mãe de Deus segurando nos braços o Menino Jesus, aninhado sob seu rosto, encostando o nariz em sua bochecha. Esta representação iconográfica é chamada de eleusa (eleousa).

Embora existam milhares de ícones desse tipo nas igrejas ortodoxas russas, todos têm uma mesma fonte primária: o Nossa Senhora de Vladimir, ou Teótoco de Vladimir. Segundo a lenda, foi o evangelista Lucas quem pintou este ícone. Isso, porém, no sentido eclesiástico, não significa que o ícone tenha sido pintado pelo próprio Lucas, mas sim que ele é uma cópia pintada do original criado pelo apóstolo.

Como o ícone acabou na Rússia?

Por volta de 1130, uma cópia do ícone do evangelista Lucas foi trazida de Bizâncio para a Rússia Antiga como um presente ao príncipe de Kiev, Mstislav, o Grande. O ícone acabou no mosteiro da cidade de Vichgorod, perto de Kiev. Existem lendas sobre os muitos milagres que começaram com seu aparecimento.

Ícone da Nossa Senhora de Vladimir do século 12.

Em 1149, o fundador de Moscou, Iúri Dolgorúki, se tornou príncipe de Kiev. Seu filho, o príncipe Andrei, ficou encarregado de Vichgorod. Em 1155, contra a vontade de seu pai, Andrei foi reinar nas terras do Nordeste, chamadas de Vladimir-Suzdália, e levou consigo o ícone milagroso, provavelmente sem permissão.

Reza a lenda que, durante a longa viagem, o ícone curou enfermos e realizou milagres. E quando faltavam apenas 10 km para a cidade de Vladimir, os cavalos se recusaram a seguir adiante. O príncipe Andrei teve que passar a noite naquele lugar, e à noite a Mãe de Deus apareceu para eles. Em homenagem a este acontecimento, no qual alguns fiéis acreditam até hoje, ali foram fundados um mosteiro e a aldeia de Bogoliúbovo.

Catedral da Assunção, em Vladimir.

Já em Vladimir, Andrei construiu a Catedral da Assunção, onde colocou o ícone milagroso no lugar de maior honra. Foi assim que lhe foi atribuído o nome de Nossa Senhora de Vladimir. O príncipe encomendou uma moldura preciosa para o ícone, rezava diante dele em dias especialmente importantes e até o levou consigo em campanhas militares.

Protetora da Rússia

Durante a invasão dos tártaros-mongóis, a Catedral da Assunção em Vladimir foi saqueada, porém o ícone não foi danificado, convencendo ainda mais os admiradores de quão sagrado era. Em 1395, o grão-príncipe Vassíli 1º ordenou que a imagem fosse transportada para Moscou para proteger a cidade da invasão do líder mongol, Tamerlão (também conhecido como Timur, o Coxo). Depois de a imagem sagrada chegar à cidade, as tropas do invencível Tamerlão pararam repentinamente perto da cidade e retrocederam. Os historiadores discutem até hoje os motivos da decisão de Tamerlão.

No entanto, os moscovitas da época, que eram muito religiosos, não tinham dúvidas sobre o acontecimento: para eles, foi o ícone sagrado que havia salvado Moscou. Neste ponto de encontro do ícone foi fundado o Mosteiro Srétenski. Mais tarde, ele foi devolvido a Vladimir.

Catedral da Assunção do Kremlin de Moscou.

O primeiro tsar de Toda a Rússia, Ivan, o Terrível, orou diante desse ícone, e a maioria dos monarcas russos foram coroados em frente dele. Embora tenha ocasionalmente viajado a mando dos tsares, o ícone permaneceu na Catedral da Assunção até a Revolução de 1917, após a qual foi levado para restauração e depois transferido. Desde 1930, está guardado na Galeria Tretiakov.

Divulgação de imagem

Quando a relíquia foi transferida para Moscou, uma cópia foi pintada para a Catedral da Assunção em Vladimir. Esta primeira cópia, criada por volta de 1408, foi supostamente pintada pelo famoso Andrei Rubliov, que também pintou o interior da catedral.

Com o tempo, um culto se desenvolveu em torno do ícone Nossa Senhora de Vladimir. Como sinal de gratidão pela intercessão, o ícone foi presenteado com novas molduras preciosas. A mais antiga que existe até hoje foi criada em 1410-1411 por artesãos gregos e representa 12 feriados evangélicos.

Moldura dourada de 1410-1411 com feriados evangélicos nas margens.

Em 1514, o grão-príncipe Vassíli 3º encomendou mais uma cópia do ícone milagroso. A nova imagem reproduz com precisão o tamanho e o desenho da imagem original do século 12; a moldura é uma cópia da do início do século 15. Este ícone substituía o original durante as procissões religiosas ao redor da Catedral da Assunção em condições climáticas adversas.

Quando, nos tempos soviéticos, o original foi parar no museu, foi este ícone que ocupou o seu lugar na Catedral do Kremlin.

Nossa Senhora de Vladimir com feriados evangélicos nas margens, 1514.

Com o tempo, o ícone Nossa Senhora de Vladimir adquiriu um significado histórico especial e se tornou objeto não apenas de cópias, mas um objeto independente de iconografia. Em outras palavras, o próprio ícone começou a aparecer em outras imagens.

Um dos exemplos mais marcantes é um ícone do século 17, em cujas margens está escrito “O Conto do Ícone de Nossa Senhora de Vladimir”, que relata a história da própria imagem ao modo da vida do santo. O pintor reproduziu como o apóstolo Lucas pintou o ícone, como a Mãe de Deus abençoou a imagem, como o ícone foi trazido de Bizâncio para a Rússia, retrata vários milagres produzidos pela imagem, a construção da Catedral da Assunção e como o ícone salvou Moscou de Tamerlão.

Nossa Senhora de Vladimir em cujas margens está escrito “O Conto do Ícone de Nossa Senhora de Vladimir”. Meados do século 17.

Muito provavelmente, foi o patriarca Ióssif que encomendou um ícone tão incomum em 1642, como um sinal de gratidão por ter sido, diante da imagem da Nossa Senhora de Vladimir, eleito patriarca pela primeira vez por sorteio.

Fragmentos do ícone com proteção contra a invasão de Tamerlão.

Assim, esse ícone incomum une simbolicamente não apenas a história do ícone Nossa Senhora de Vladimir, mas também a história milenar de toda a Rússia Antiga.

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