O que aconteceu com Aleksandra, a filha predileta de Lev Tolstói?

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Caçula do conde escritor herdou sua determinação e força. Foi enfermeira, soldada, guardiã científica de Iásnaia Poliana e presidiária. Depois do estabelecimento da URSS, mudou-se para os EUA. Seu principal objetivo na vida era ajudar os desafortunados - mesmo que isso significasse pedir ajuda a Stálin...

Quando Lev Tolstói fugiu de sua casa em Iásnaia Poliana, logo antes morrer, só a filha mais nova, Aleksandra, sabia dos planos dele - era nela que seu pai mais confiava no final da vida. Mas, durante os primeiros anos de vida, ela foi a filha menos desejada da família Tolstói...

‘Não quero dar à luz’

Quando Sofia Tolstáia soube que estava grávida de seu 12º filho, gritou :“Lev, eu não quero dar à luz!” Desesperada pela desconfiança constante de que o marido seria infiel, a condessa tentou estimular um aborto, tomava banhos fumegantes e até pulou de um móvel alto, mas Aleksandra nasceu mesmo assim. A mãe a rejeitou desde cedo, confiando sua educação à babá e a uma das filhas mais velhas, Tatiana.

Aleksandra recebeu uma edução rigorosa. “Aprendi inglês, alemão, francês, música e desenho a partir dos dez anos de idade”, escreveu ela no livro “A Life Of My Father” (sem tradução para o português).

“Eu estudava todos os dias das 9h às 12h, depois tinha intervalo para café da manhã e caminhada e, depois, continuava a estudar das 14h às 18h. À noite, depois do almoço, preparava-me para as aulas. Não conseguia absorver tanto conhecimento e aprendi pouco… Meus maiores interesses eram cavalos, jogos e esportes”, escreveu Aleksandra, cujos interesses eram iguais aos do pai.

Quando adolescente, ela detestava coisas femininas, como perfumes e acessórios de moda, escolhendo facas, furadeiras e limas como brinquedos. Ela tinha certa virilidade e fazia muitas coisas “masculinas” com perfeição.

Através da Revolução

Quando Aleksandra completou 16 anos, Lev de repente tornou-se afetuoso com a filha. Ele a levava para longas caminhadas e ela também escrevia o diário que ele lhe ditava.

Quando Tolstói decidiu deixar Iásnaia Poliana, logo antes de sua morte, Aleksandra era a única que sabia de seu plano e colocou-se a seu lado. Ela o acompanhou quando ele saiu secretamente da propriedade à noite e, dois dias depois, foi ao mosteiro na aldeia de Chamordino – ali, Tolstói visitou sua irmã Maria.

Aleksandra ficou com o pai até os últimos minutos de vida. Seguindo o testamento do conde, após sua morte, Aleksandra recebeu os direitos sobre seu legado literário.

Depois da morte do pai

Com o início da Primeira Guerra Mundial, Aleksandra se voluntariou como enfermeira. Numa entrevista de 1965, ela dizia que tinha comandado um esquadrão de resgate “que contava com 6 médicos, enfermeiras e um esquadrão de soldados” que transportava os feridos para os hospitais.

“No começo eu tinha medo de ver as cirurgias, mas agora estou me acostumando”, escreveu ela à irmã. Na linha de frente, não foram as explosões, balas e cenas sangrentas que mais a afetaram, mas a falta de água limpa. Criada em uma casa abastada, ela era obcecada por higiene – mas acabou pegando tifo e intoxicação.

Para a nobre Aleksandra, era perigoso estar entre os soldados, que, incentivados pela propaganda bolchevique, detestavam a nobreza. Por isso, Aleksandra, que recebeu duas medalhas de São Jorge por sua bravura e trabalho árduo, teve de partir.

Aleksandra dizia, em uma entrevista de 1965: “os soldados sabiam muito pouco sobre Lev Tolstói. Muito poucas pessoas ouviram esse nome. Entre os que conheciam, claro, havia muito respeito. Mas me salvei não por ser uma pessoa especial, mas precisamente porque meu pai me ensinou a amar as pessoas comuns, a entender sua psicologia. E eles sentiram esse amor. Foi a única maneira de me salvar.”

Ajuda de Stálin, silêncio de Lênin

Filha de um nobre oficial do exército russo, Aleksandra passou a estar em perigo após a Revolução. Mas Anatóli Lunatchárski, primeiro Comissário do Povo para a Educação, salvou-a ao nomeá-la comissária de Iásnaia Poliana.

Durante os três anos seguintes, Aleksandra abriu uma casa-museu dedicada ao pai e um museu sobre sua obra literária. Ela também abriu uma escola para crianças camponesas e, para isso, pediu ajuda a Stálin.

“Encontramos um antigo estábulo que reformamos para abrigar as aulas. Depois começamos a construir a escola por conta própria. Vi Stálin pessoalmente uma vez, quando pedi dinheiro para construir uma escola. Não vi nada de humano nele, exceto essa polidez georgiana”, disse Aleksandra em a entrevista.

“Quando nos encontramos, ele caminhou até mim do lado oposto de uma sala enorme e me seguiu até quando saí, colocou uma cadeira para mim, foi incrivelmente cortês e atendeu a todos os meus pedidos. Não posso dizer mais nada sobre ele.”

Prisão

Em 1920, Aleksandra foi presa porque, um ano antes, permitiu que uma comunidade antibolchevique se reunisse em seu apartamento. Ela foi condenada a três anos em um campo de trabalhos forçados.

Ao chegar lá, ela ficou enojada com as péssimas condições e até escreveu uma carta a Lênin, implorando para executá-la em vez de mantê-la ali. Lênin não respondeu.

No entanto, 6 meses depois, Aleksandra foi libertada – provavelmente graças à escola que abriu para os camponeses de Iásnaia Poliana. As autoridades pensaram que ela poderia ser mais útil como professora e guardiã do museu de seu pai.

Emigração aos EUA

Na época soviética, havia uma campanha de propaganda antirreligiosa. Como era bastante dedicada à religião, Aleksandra não aguentou e até tentou defender a educação religiosa em Iásnaia Poliana.

Com a piora de sua situação no país, Aleksandra mudou-se para o Japão e, depois, para os EUA. Depois disso, na URSS, suas fotos e seu nome foram removidos de livros e filmes soviéticos, em uma verdadeira campanha de apagamento da existência de Aleksandra Tolstáia.

Mas nos EUA, Aleksandra não parou de fazer o que amava: ajudar as pessoas. Ela comprou uma fazenda abandonada e aprendeu a dirigir caminhão e trator.

Aleksandra era independente e, quando precisava de dinheiro, tomava empréstimos e sempre os devolvia, nunca pedindo ajuda aos americanos abastados.

Em 1939, Aleksandra organizou a Fundação Tolstói, destinada a ajudar os refugiados russos da Europa e da União Soviética. Ela se naturalizou cidadã norte-americana em 1941, abandonando seu título russo de condessa.

Em 1978, aos 94 anos de idade, Aleksandra, recebeu um convite para visitar a URSS –150 anos depois do nascimento de seu pai. Já muito fraca e acamada, ela enviou uma carta dizendo que não poderia comparecer devido a problemas de saúde.

“É difícil para mim não estar com o meu povo em solo russo… No meu coração, nunca deixei a Rússia”, escreveu. Ela morreu em Valley Cottage, Nova York, em 26 de setembro de 1979, aos 95 anos.

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