Como os apoiadores mais leais se rebelaram contra os bolcheviques

História
BORIS EGOROV
A Revolta de Kronstadt de 1921, uma insurreição de marinheiros soviéticos contra o governo dos bolcheviques, chocou e assustou a liderança soviética. Essa última grande revolta contra o regime bolchevique em território russo obrigou os comunistas a acabar com a política do “comunismo de guerra”, recuar dos princípios da economia comunista e adotar temporariamente práticas do capitalismo.

“Que o odiado jugo dos comunistas seja amaldiçoado! Viva o poder dos trabalhadores e camponeses! Vivam os sovietes livremente eleitos!” — esses lemas foram ouvidos em março de 1921 na base da Frota Soviética do Báltico, na cidade de Kronstadt. A apenas 30 quilômetros de Petrogrado (atual São Petersburgo), os marinheiros militares, considerados os combatentes revolucionários mais confiáveis e conhecidos no país como “a beleza e o orgulho da Revolução Russa”, se rebelaram contra o governo bolchevique.

O descontentamento da população crescia em todas as regiões. A situação econômica do país, devastado pela Guerra Civil, era catastrófica: a produção industrial entrou em colapso, a agricultura estava em profunda crise, logo começou a fome.

A Guerra Civil já havia praticamente acabado, os vermelhos tomaram poder em quase todo o território do antigo Império Russo, mas o governo dos sovietes prosseguia com uma política severa de “comunismo de guerra”, que incluía a proibição da propriedade privada e a chamada “prodrazverstka” (apreensão forçada de produtos alimentícios dos camponeses para atender às necessidades do Estado).

Os marinheiros, muitos deles provenientes de famílias camponesas, estavam cientes da situação no país. “Sabíamos que nossas famílias estavam sendo esmagadas pela ‘prodrazverstka’, aterrorizadas por ‘prodotriadi’ [formações armadas especiais responsáveis pela apreensão dos alimentos da população], levadas à fome, e não havia luz à frente, nenhuma esperança de melhora”, escreveu o poeta e marinheiro Ivan Ermolaev, que participou da revolta. “Muitas vezes, nas conversas sobre a situação do país, ouvi murmúrios descontentes e, nas reuniões, havia propostas de recorrer ao governo com exigências para aliviar a situação dos camponeses, abolir a ‘prodrazverstka’, acabar com ‘prodotriadi’ e permitir o livre comércio.”

Revolta

Em 28 de fevereiro de 1921, as tripulações dos navios de guerra Sevastopol e Petropavlovsk adotaram uma resolução exigindo que os bolcheviques facilitassem a vida dos camponeses, oferecendo-lhes controle ilimitado sobre suas terras e gado.

O documento também continha exigências políticas: realizar reeleições para os órgãos de poder popular chamados “soviét” (ou sovietes), garantir liberdade de expressão e de imprensa aos anarquistas e partidos socialistas de esquerda, libertar todos os prisioneiros políticos de esquerda, limitar a propaganda comunista e reduzir o número de comunistas no exército.

A resolução foi anunciada publicamente em 1º de março na praça Iákornaia, em Kronstadt, onde ocorreu uma manifestação de 15 mil pessoas sob o lema “Poder para os Sovietes, não para partidos!”. No dia seguinte, os manifestantes, em sua maioria marinheiros, soldados e moradores locais, proclamaram a criação do Comitê Revolucionário Provisório, chefiado por Stepan Petrichenko.

Na ocasião, o jornal “Izvéstia” escreveu sobre o início de uma terceira revolução russa e sobre a guerra contra a “autocracia dos comissários [ministros]” até se obter um fim vitorioso: “Em vez do livre desenvolvimento do indivíduo, de uma vida profissional livre, surgiu uma escravidão extraordinária e sem precedentes”.

O governo bolchevique percebeu a resolução dos marinheiros como uma tentativa de golpe de Estado e se recusou a entrar em negociações. Kronstadt foi bloqueada por unidades do Exército Vermelho, isolando os insurgentes de seus simpatizantes em Petrogrado.

Primeiro ataque

Os bolcheviques tentaram resolver a questão em Kronstadt o mais rápido possível, enquanto ainda era possível acessar a cidade pelo gelo. Além disso, a revolta começou a atrair cada vez mais atenção no exterior.

Em 4 de março, os bolcheviques exigiram a “rendição imediata e incondicional”. Após a recusa, a cidade foi bombardeada e as tropas começaram a se preparar para o ataque.

O comandante do 7º Exército dos bolcheviques, Mikhail Tukhatchévski, contou com mais de 17 mil soldados na operação — contra 13 mil marinheiros e soldados da fortaleza, além de 2 mil cidadãos armados.

O ataque de 7 de março terminou em completo fracasso devido à pressa na sua organização, a falta de forças e o baixo moral dos soldados. Muitos soldados do Exército Vermelho se recusaram a lutar contra os “irmãos de Kronstadt” e alguns debandaram para o lado deles.

Segundo ataque

A segunda tentativa foi mais bem preparada. O agrupamento de tropas vermelhas cresceu para 45 mil pessoas e contou com a participação de soldados experientes e comunistas convictos. As forças de defesa aumentaram para 18 mil devido a desertores e voluntários da população local.

O segundo ataque começou em 17 de março com um bombardeio de artilharia. Depois, diversos destacamentos de soldados do Exército Vermelho correram para perpetrar um ataque a partir do gelo do Golfo da Finlândia.

“Enfrentamos uma fileira de fortificações de concreto, de vários andares com janelas para metralhadoras, conectadas entre si com com cabos elétricos e arame farpado”, disse a participante do ataque Elizaveta Drábkina sobre as posições defensivas dos marinheiros. “Quanto mais perto de Kronstadt, mais mortos e feridos havia no gelo. A cerca de 200 metros do muro, os mortos fuzilados estavam dispostos no gelo em três fileiras, em intervalos iguais”.

Os soldados do Exército Vermelho tomaram uma fortificação após a outra. A aviação soviética começou a bombardear os navios de guerra Petropavlovsk e Sevastopol, enquanto o comandante Tukhatchévski ordenou um ataque com “gases asfixiantes e projéteis venenosos”.

No final, os vermelhos conseguiram entrar na cidade. A resistência dos defensores permitiu que cerca de 8.000 pessoas, entre marinheiros, soldados e moradores locais, juntamente com o comandante Stepan Petrichenko, fugissem para a Finlândia.

Ao meio-dia de 18 de março, a cidade foi completamente capturada. Como resultado do ataque, morreram 2.000 soldados do Exército Vermelho e cerca de mil habitantes de Kronstadt.

Repressões

Os bolcheviques não poderiam deixar de punir os “traidores”. Em uma conversa com o socialista francês Jacques Sadoul sobre a rebelião, Lênin disse: “Isto é o Termidor [golpe de Estado que ocorreu em 27 de julho de 1794 na França e encerrou a Revolução Francesa]. Mas não nos permitiremos ser guilhotinados. Nós faremos o Termidor”.

Mais de 2.000 insurgentes foram executados e 6.500, condenados à prisão. Por decreto do presidente russo Boris Iéltsin, em 10 de janeiro de 1994, todos os participantes da revolta de Kronstadt foram reabilitados postumamente.

No entanto, a revolta teve consequências políticas. O apoio que os rebeldes receberam da população e de outras unidades militares assustaram a liderança soviética, que decidiu abandonar a política de “comunismo de guerra” o mais rapidamente possível.

Já em 21 de março de 1921, o sistema de apropriação de alimentos foi substituído por um imposto sobre os alimentos, o que diminuiu significativamente a pressão sobre os camponeses. Para reanimar a economia, o governo decidiu abdicar temporariamente dos princípios comunistas e realizar uma “restauração limitada do capitalismo”, com a privatização parcial da indústria e a introdução da liberdade de comércio.

Essa Nova Política Econômica foi realizada pelo governo da URSS até ao final da década de 1920, quando foi substituída pela coletivização e industrialização.

LEIA TAMBÉM: Por que Lênin chamava Tolstói de “espelho da revolução russa”?

O Russia Beyond está também no Telegram! Para conferir todas as novidades, siga-nos em https://t.me/russiabeyond_br