“Tempo de Dificuldades” russo, uma época de impostores e guerras

"Mínin e Pojárski". 1850. Mikhaíl Ivánovitch Skotti.

"Mínin e Pojárski". 1850. Mikhaíl Ivánovitch Skotti.

Museu Estatal da Arte de Níjni Novgorod
Na história da Rússia houve muitos períodos difíceis e perigosos, mas o mais famoso e estudado foi o "Tempo de Dificuldades", quando o país enfrentou diversas crises graves simultaneamente, os poloneses tomaram o poder e pelo menos 18 impostores reivindicaram o trono real.

O "Tempo de Dificuldades" foi um período bastante curto na história russa que começou em 1605 e acabou em 1612. Durante esses sete anos, a Rússia passou por uma enorme quantidade de cataclismos e problemas, enquanto o Estado estava à beira do colapso.

Por que se iniciou o "Tempo de Dificuldades"?

Um dos principais motivos foi a crise de poder. O primeiro tsar de toda a Rússia, Ivan, o Terrível, fazia de tudo para criar e garantir seu poder ilimitado e exclusivo como monarca. Ele governou com ajuda dos "oprichniks", ou seja, sua guarda pessoal, que ficou conhecida por execuções em massa, perseguição dos inimigos da monarquia e confisco de propriedades.

Inflexíveis, implacáveis e eternamente leais ao tsar, eles aterrorizavam o país inteiro e tinham a palavra final nos tribunais (leia mais sobre quem eram os "oprichniks" aqui). O controle sobre o país com ajuda dos "oprichniks" levou a uma profunda divisão social, e o sistema político e a elite eram odiados por quase toda a população, de camponeses a militares.

Nikolai Nevrev.

A luta política interna que eclodiu após a morte de Ivan, o Terrível, também afetou a estabilidade política, já que o tsar não tinha criado um mecanismo claro para a transferência de poder na ausência de herdeiros masculinos.

Seu filho mais velho, Fiódor, morreu aos 40 anos, em 1598, sem deixar herdeiros. Os outros filhos de Ivan também morreram antes do pai — entre eles, seu filho homônimo, Ivan, que teria sido assassinado pelo próprio genitor (leia mais sobre isso aqui).

A economia russa, além de tudo, passava por enormes problemas. As novas terras conquistadas por Ivan, o Terrível, e a Guerra da Livônia — um longo conflito militar de 25 anos entre Rússia, Comunidade Polaco-Lituana, Suécia e Dinamarca — esgotaram o orçamento do país.

Além disso, no ano de 1600 iniciou-se a Grande Fome, que durou três anos e levou à falência milhares de grandes e pequenas fazendas em toda a Rússia, deixando quase 500 mil pessoas sem comida.

As pessoas que ficaram sem meios de subsistência recorreram ao roubo, aumentando o caos geral.

Impostores

Serguêi Ivanov. Tempo de Dificuldades. O exército do impostor. 1908.

Durante o "Tempo de Dificuldades" surgiram dezenas de pessoas prontas a fazer de tudo para assumir o trono real russo. Os historiadores conhecem pelo menos 18 impostores que tentaram se tornar tsares —mas nenhum deles conseguiu permanecer no poder por muito tempo.

O mais bem-sucedido deles foi o primeiro impostor, que entrou para a história como “Falso Demétrio 1º”. Em 1603, um nobre polonês chamado Adam Wiśniowiecki descobriu que um de seus militares era, na verdade, o príncipe Demétrio, milagrosamente sobrevivente. 

A hipótese mais aceita é que esse "Falso Demétrio" fosse um monge chamado Grigóri Otrépiev, proveniente do mosteiro Tchudov, em Moscou.

Wiśniowiecki apresentou o jovem ao rei polonês Sigismundo 3° Vasa, que reconheceu a reivindicação do Falso Demétrio ao trono russo e ofereceu ajuda em troca da concessão de terras da Rússia Ocidental à Polônia.

Nikolai Nevrev.

Apoiado pelo exército de mercenários e cossacos poloneses, o Falso Demétrio atravessou a fronteira da Rússia e venceu diversas batalhas. Muitas cidades se renderam sem sequer lutar.

A elite política e militar do país o reconheceram como o governante legítimo. Como resultado, em 1605, o Falso Demétrio entrou no Kremlin de Moscou, recebido pelo sino festivo das igrejas.

Mas o Falso Demétrio governou a Rússia por menos de um ano. Apesar de liberal e pró-europeu, boatos sobre suas verdadeiras origens se espalhavam por Moscou. Afinal, a própria mãe do verdadeiro Demétrio admitiu que ele era um impostor. Depois disso, o boiardo Vassíli Chúiski planejou uma conspiração e assassinou o Falso Demétrio (leia mais sobre o Falso Demétrio 1º aqui).

Parte dos boiardos, dos mercadores e do exército juntaram-se a Chúiski e o declararam o novo tsar. Mas a luta pelo poder não terminou aí.

Primeira guerra civil

O poder de Chúiski era muito instável. Muitos na elite estavam insatisfeitos com o novo governante e ainda havia quem acreditasse que o Falso Demétrio 1º estava vivo.

Eles começaram a preparar uma revolta para remover o novo tsar do trono. Iniciou-se um cerco de Moscou que durou quatro meses e terminou em 1607, com o aparecimento de um novo impostor: o Falso Demétrio 2º.

O segundo impostor dizia ser o tsar, que teria sobrevivido milagrosamente a uma tentativa de assassinato em Moscou. Sua verdadeira personalidade estava ainda mais envolta em mistério do que a do primeiro Falso Demétrio. Muito provavelmente, o impostor era manipulado por opositores de Chúiski.

Juramento de Chúiski ao rei polonês em Varsóvia, 1611. Tommaso Dolabella.

O Falso Demétrio 2º também recebeu apoio do rei polonês e de seu exército, tomando diversas cidades e assumindo o controle sobre uma grande parte da Rússia. Ele construiu um acampamento gigante e uma torre de madeira perto de Moscou.

No entanto, todas suas tentativas de tomar Moscou foram fracassadas e, em 1610, o Falso Demétrio 2º foi morto durante uma caçada.

Golpe de Estado e guerra

Durante a guerra civil, Chúiski concordou em fornecer assistência militar à Suécia. O rei polaco Sigismundo 3º considerou este acordo voltado contra os interesses da Polônia e o usou como pretexto para atacar a Rússia.

No meio da nova guerra contra a Polônia, ocorreu um golpe de Estado, os boiardos removeram Chúiski, e o filho de Sigismundo 3º, Vladislav, prestou juramento ao governo de Moscou e aos residentes de Moscou em Vilnius — mas não foi até Moscou e não tomou o trono.

Assim começou um período em que a Rússia ficou sem governantes legítimos, com a economia arruinada e uma guerra em seu território. Foi sob essas condições que nasceu a ideia de unir e montar um exército de libertação que pudesse acabar com a invasão polaca.

Resolução

Em 1611, o governador da região de Riazán, Prokópi Liapunov reuniu a primeira milícia contra invasores estrangeiros. Mas, dentro do exército, iniciaram-se conflitos. Os polacos se aproveitaram disso e eliminaram Liapunov e outros líderes da milícia.

A segunda milícia revelou-se mais bem-sucedida. No mesmo ano, os residentes da cidade de Níjni Nôvgorod, sob a liderança de Kuzmá Mínin, coletaram dinheiro para reunir um novo exército. Junto com o experiente comandante Dmítri Pojárski, em agosto de 1612, o exército derrotou os poloneses perto de Moscou e, em outubro, libertou a capital da ocupação. Os poloneses assinaram um pacto de rendição.

Konstantin Makóvski.

Após a libertação da capital, os boiardos organizaram a eleição de um novo tsar legítimo. A escolha recaiu sobre o representante de uma nobre família aristocrática, Mikhaíl Fedorovitch Românov (Miguel 1° da Rússia), que tinha laços familiares com a dinastia ruríquida, reinante antes do "Tempo de Dificuldades". Aos 16 anos de idade, Miguel 1° se tornou uma figura conciliadora que convinha a todos os clãs.

Consequências

O "Tempo de Dificuldades" terminou com perdas territoriais colossais para a Rússia: a cidade de Smolensk permaneceu sob o domínio da Comunidade Polaco-Lituana, enquanto uma parte significativa da Carélia, bem como o acesso ao Mar Báltico através do Golfo da Finlândia, foram perdidos para os suecos.

Reunião do Zêmski Sobor de 1613.

O país acabou em uma profunda crise econômica e alimentar, a área de terras adequadas para a agricultura diminuiu 94% e o número de camponeses caiu 75%.

Foi necessário um período longo e doloroso para a Rússia se recuperar do "Tempo de Dificuldades". O novo tsar, porém, conseguiu acabar com a crise sistêmica, estabelecendo gradualmente a economia, as relações internacionais e a ordem nas regiões.

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