Em seu romance “Nas montanhas”, que retrata a vida dos moradores de assentamentos do Volga, na província de Níjni Nôvgorod, Pável Mêlnikov-Petchêrski relatou o comércio que existia no distrito de Sergatch desde o século 16. Nada menos que 30 aldeias ganhavam a vida treinando ursos. Eles ensinavam truques aos filhotes e iam com eles às feiras. Reza a lenda que ursos teriam até mesmo recebido os convidados do casamento de Ivan, o Terrível, com Marfa Sobakina.
“Skomorokhs em uma aldeia”, de Franz Riess, 1857.
Franz RiessPrisioneiros franceses que permaneceram em Sergatch durante a guerra de 1812 viram com os próprios olhos os ursos adestrados. A princípio, não acreditaram que tal coisa fosse possível. Tudo começou quando surgiu a notícia de que Napoleão enviaria novas tropas — e os russos, supostamente, não seriam capazes de derrotá-las. O capitão local afirmou que, se necessário, enviariam regimentos de ursos. Foi então que ele convocou um batalhão especial para desfilar na cidade e chamou os franceses para assistir ao evento.
Regimentos de Ursos (caricatura francesa).
Domínio públicoMêlnikov-Petchêrski descreveu este dia: “Os adestradores de ursos só viajavam de um lugar para outro no verão e, no inverno, estavam todos em casa. O chefe de polícia lhes enviou uma mensagem dizendo que deveriam trazer seus ursos para a cidade até uma determinada data. Cerca de mil animais apareceram e foram colocados em filas ordenadas e obrigados a segurar um pedaço de pau contra seus ombros e a demonstrar como crianças pequenas roubavam ervilhas. E o chefe de polícia disse aos franceses: ‘Eles estão aprendendo exercícios de tiro e como rastejar no chão como caçadores’. Os franceses ficaram assombrados e escreveram para casa que tinham visto um batalhão de ursos com seus próprios olhos. Parece que, a partir daquele momento, os franceses começaram a se referir a nós, russos, como ursos”.
Grupo escultórico “Um Urso está sendo levado”. Fábrica Gardner dos anos 1880-1890, coleção do Museu Histórico do Estado.
Museu Histórico do EstadoOs ursos treinados eram verdadeiros astros em feiras e festividades diversas. Eles podiam não apenas andar sobre as patas traseiras, mas também reconstituir várias cenas. Em sua antologia “Imagens Folclóricas Russas”, o historiador e arqueógrafo Dmítri Rovinski publicou descrições dessas “comédias” de ursos, como eram chamadas. Por exemplo, uma das cenas retratava uma garota se arrumando: “O urso senta-se no chão, esfrega o focinho com uma pata e, com a outra, gira uma garra em frente ao rosto – o que representaria uma donzela olhando para si mesma no espelho”.
Bandeira e brasão da cidade de Sergatch
Domínio públicoOs ursos podiam realizar até 50 esquetes desse tipo: “Eles usam uma vara para esticar para trás e atirar imitando um arco e flecha, ‘roubam’ ervilhas como crianças pequenas e rastejam de barriga onde está seco e de joelhos onde está molhado (…) Eles se deitam e descansam no chão e representam uma esposa mimando seu marido querido. Eles então pegam um chapéu e circulam pelos espectadores pedindo um trocado pela apresentação.”
“A canção de skomorokhs”, 1910
Legion MediaOs ursos de Sergatch eram tão populares que Catarina 2º ordenou que um ‘toptíguin’ (literalmente, ‘vadio’ – nome russo para um urso que deriva do andar acelerado do animal) fosse colocado no brasão da cidade. Os próprios adestradores de ursos de Sergatch chamavam respeitosamente seus pupilos de “Escudeiro Mikhailo Potápitch de Sergatch”.
As ‘comédias’ de ursos foram proibidas em 1866, mas as histórias dos superursos que impressionaram o público com suas habilidades perduram até hoje.
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