O navio a vapor Tcheliuskin partiu de Murmansk em direção à Ilha de Wrangel em 10 de agosto de 1933, para inspecionar a transitabilidade de navios regulares pelo gelo ártico. O navio deveria entregar uma carga na ilha, o que comprovaria a adequação da Rota Marítima do Norte para transportes desse tipo. Anteriormente, essa perigosa rota só era percorrida por navios quebra-gelo pesados e ninguém se atrevia a enviar um navio comum para lá. O Tcheliuskin, portanto, seria um pioneiro.
O navio tinha 104 pessoas a bordo, incluindo os membros da expedição e suas famílias, além dos invernadores da Ilha de Wrangel, que se deslocavam para passar o inverno. Com eles, havia um suprimento de alimentos para os passageiros equivalente a um ano e meio de abastecimento, e provisões para a Ilha de Wrangel o bastante para 3 anos.
Os participantes tinham certeza de que tudo correria conforme o planejado: no comando da expedição estava o experiente explorador Otto Schmidt, que mostrou seu valor muitas vezes no Oceano Ártico. No início da viagem, o Tcheliuskin tinha condições muito mais confortáveis do que as oferecidas nas primeiras incursões nessas águas perigosas: havia aviões de reconhecimento estacionados na costa e as transmissões de rádio tinham sido estabelecidas. A probabilidade de fracasso da expedição era próxima de zero mas, mesmo assim, tudo deu errado...
A rota através do gelo
No começo, tudo ia bem; mas, quando entrou no Mar de Kara em 15 de agosto, o navio sofreu uma ruptura e, três dias depois, foi descoberto um vazamento. Em seguida, por conta do gelo pesado, o Tcheliuskin também sofreu dois amassados em seu casco. Mas, apesar do perigo, decidiu-se continuar com a expedição. Todo o trajeto deveria levar aproximadamente um mês e, em setembro, o navio já estava no Mar da Sibéria Oriental, seguindo a programação do navio.
No Mar da Sibéria Oriental, porém, eles se depararam com um perigo de outra natureza: a neblina espessa e as fortes nevascas impediam o reconhecimento aéreo do gelo, o que fazia com que o navio atravessasse o incessante gelo ártico praticamente às cegas.
No final de setembro, o navio foi pego em uma armadilha de gelo no Mar de Tchuktchi: com 6 metros de espessura, o gelo bloqueou o navio completamente.
Prisão de gelo
O navio a vapor ficou preso no meio do mar, sem poder se mexer. A princípio, a tripulação tentou explodir o gelo, mas nem mesmo as bombas de amônia, normalmente utilizadas durante a perfuração de minas e pedreiras, conseguiam penetrar num gelo tão espesso. O "Tcheliuskin" não teve outra opção senão ficar à deriva no gelo, esperando por condições mais favoráveis para seguir viagem.
"O gelo está calmo hoje. Nossa deriva atingiu a velocidade de sete metros por minuto. Não sei o que nos espera esta noite. Vivemos como em um vulcão ou em posições abertas", escreveu em seu diário Ibrahim Fakidov, um dos engenheiros da tripulação.
O navio passou cinco meses inteiros nessa situação. Apesar das condições relativamente calmas, o capitão Schmidt sabia que os blocos de gelo que cercavam o navio por todos os lados poderiam se mover a qualquer momento e simplesmente afundar todos eles. Uma parede de gelo gigante também estava se aproximando do navio, então a tripulação tomou a decisão de descarregar todos os passageiros e as provisões no gelo.
O instinto do capitão estava certo. O dia 13 de fevereiro de 1934 foi o último dia do "Tcheliuskin": o gelo esmagou o casco do navio como se fosse um pedaço de papel. Em apenas duas horas, ele afundou e as pessoas ficaram à deriva em um bloco de gelo perdido no mar do norte.
Isolamento severo
Não era fácil viver dessa forma: a temperatura frequentemente caía abaixo de 30°C negativos; o suprimento de alimentos também não era eterno, então eles tinham que racioná-lo. Eles estavam a 130 quilômetros de distância da costa, mas era impossível chegar lá contando apenas com a força da natureza.
Para aliviar a carga ao menos um pouco, os membros da expedição construíram uma espécie de cabana no gelo, com os materiais que estavam levando para a Ilha de Wrangel e também com o que restou do "Tcheliuskin". Uma pista de pouso foi construída a cinco quilômetros de distância do acampamento improvisado para os aviões que poderiam chegar mais cedo ou mais tarde. Eis como um dos sobreviventes se lembra das primeiras noites: "Eles falavam sobre como as barracas eram apertadas. Falavam sobre o naufrágio do 'Tcheliuskin'. Diziam que se tratava de uma catástrofe global, que a visão da morte do navio era aterrorizante. Todos estavam muito cansados".
Quanto mais o tempo passava, mais estabelecida parecia a vida no "acampamento de gelo": os náufragos criaram até uma improvisada redação de um jornal chamado "We won't give up!" (Não desistiremos!), para apoiar o moral dos viajantes presos no gelo. À noite, o capitão Otto Schmidt lia palestras de filosofia para seu pessoal.
Desde os primeiros dias no bloco de gelo, os esforços científicos nunca cessaram, e hidrólogos e geodesistas determinavam a localização exata do acampamento. Isso tinha de ser feito todos os dias, pois o gelo continuava a se deslocar, o que fazia com que o acampamento ficasse em constante movimento.
Libertação
Quando o acampamento foi montado no gelo, as autoridades já sabiam que o "Tcheliuskin" havia afundado. Os preparativos para uma operação de resgate estavam em andamento: eles planejavam procurar a tripulação perdida pelo ar com a ajuda de até 17 aviões. No entanto, mesmo do ponto de vista aéreo, era difícil localizar o acampamento: a forte nevasca restringia muito a visibilidade. Além disso, o gelo sempre se deslocava e era muito mais complicado determinar a localização exata dos membros da expedição.
O primeiro avião tocou o gelo limpo do acampamento somente em 5 de março: era um ANT-4 pesado. Mulheres e crianças foram evacuadas primeiro; no entanto, a próxima aeronave conseguiu chegar à "ilha" apenas um mês depois. No total, os pilotos fizeram mais de vinte voos na operação de resgate; o último grupo de sobreviventes chegou ao continente em 13 de abril de 1934. No total, os "tcheliuskinitas" passaram dois meses inteiros no bloco de gelo esperando pela libertação.
No continente, os integrantes do navio foram recebidos como heróis. O país inteiro acompanhou seu resgate com tensão. Sete pilotos que participaram da operação de salvamento receberam, pela primeira vez na história, o título de "Heróis da União Soviética".
Mikhail Vodopianov, Ivan Doronin, Nikolai Kamanin, Sigizmund Levanevski, Anatoli Liapidevski, Vasili Molokov e Mavriki Slepniov foram os agraciados. Os membros da expedição, por sua vez, receberam a "Ordem da Estrela Vermelha" por sua resiliência diante da natureza.
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