Os 5 mitos mais populares sobre o “monge” da família real russa, Grigóri Rasputin

História
EKATERINA SINELSCHIKOVA
Mais de 100 anos após sua morte, Rasputin continua a ser uma das figuras mais controversas da história russa. Até hoje sua vida é cheia de mitos e polêmicas. Muitos acreditam que ele previu a morte da dinastia Romanov, conseguiu tratar o herdeiro do trono de uma doença grave e era amante da imperatriz russa. Desmentimos os mitos mais populares sobre o autoproclamado santo.

No Brasil, o grupo Boney M., com sua famosíssima música “Rasputin”, de 1978, pode não ser muito conhecido, mas ao redor do mundo o grupo alemão ficou imensamente conhecido, ainda mais com seu vocalista, Bobby Farrell, se vestindo no palco como o monge místico para cantar seu suposto amor com a imperatriz russa Alexandra.

Farrell morreu em São Petersburgo, em 30 de dezembro de 2010, exatamente no 94º aniversário do assassinato de Grigóri Rasputin (1869-1916) naquela mesma cidade. O artista se apresentou em uma festa corporativa, cantou seus últimos versos “ra-ra-Rasputin” e foi encontrado morto em seu quarto de hotel na manhã seguinte. Essa enorme coincidência é apenas mais um exemplo dos muitos mistérios que envolvem a vida e, neste caso, a morte do famoso monge russo.

Mito 1. Rasputin era amante da imperatriz russa

O refrão da música do Boney M é “Ra-ra-Rasputin Lover of the Russian queen” ("Rasputin, amante da rainha russa"). Rumores de que esse monge mítico e autoproclamado santo era amante da imperatriz Alexandra Feodorovna circulam desde 1912. No início do século 20, em São Petersburgo, circulavam centenas de desenhos pornográficos, histórias e poemas sobre o suposto caso de amor, que é o principal mito sobre Rasputin.

Grigóri Rasputin vinha de uma família de camponeses da Sibéria. Quando jovem, tinha a saúde fraca e, provavelmente, para se curar e se fortalecer, começou a fazer peregrinações a diferentes mosteiros e lugares sagrados da Rússia. Em sua aldeia natal, Pokrôvskoie, localizada na província de Tobolsk, ele ficou famoso como um “homem de Deus”. Ele foi apresentado a Nicolau 2° e Alexandra por seus parentes em novembro de 1905.

No entanto, ao contrário do que se acredita, Rasputin não era um convidado frequente no palácio do imperador. Em 1906, Rasputin se encontrou com Nicolau e sua família duas vezes; em 1907, três vezes. Sydney Gibbes, que serviu como tutor inglês dos filhos de Nicolau 2° entre 1908 e 1917, escreveu: “A imperatriz acreditava em sua retidão, em sua força espiritual, acreditava que sua oração ajudava. Essa era a única relação que eles tinham. Rasputin não visitava o palácio com tanta frequência quanto se dizia. Ele era chamado quando Alexei [filho de Nicolau 2º] estava doente. Eu vi Rasputin só uma vez. Ele me pareceu um homem inteligente, astuto e gentil”.

A principal fonte de boatos sobre supostas relações sexuais entre Rasputin e a imperatriz foram as cartas de Alexandra Feodorovna para Rasputin. Elas teriam sido roubadas de Rasputin por Iliodor, um monge ortodoxo que era amigo de Rasputin até 1912, quando eles tiveram uma grande discussão. Depois disso, Iliodor escreveu o livro “O Santo Diabrete”, no qual publicou uma carta da imperatriz a Rasputin, com o intuito de macular a reputação do ex-amigo.

O boato se alastrou imediatamente pelo reino. Assim, todos passaram a pensar que Rasputin tinha tido um caso com a imperatriz, já que ela tinha escrito o seguinte: “Como estou cansada sem você. Eu só descanso minha alma quando você, o professor, está sentado ao meu lado e beijo suas mãos e apoio minha cabeça em seus ombros felizes […] desejo sempre o mesmo: dormir, dormir para sempre em seus ombros, em seus braços”.

Os historiadores são unânimes em dizer que a imperatriz realmente admirava Grigóri Rasputin, já que ele tinha sido capaz de curar seu filho e acalmá-la. Mas era impossível que a imperatriz e Rasputin pudessem ficar juntos, sozinhos, sem servos ou testemunhas no Palácio de Inverno ou em qualquer outro lugar. Rasputin raramente visitava os palácios e cada uma de suas visitas é bem documentada.

Os diários e a correspondência da família real não contêm provas de um relacionamento íntimo entre Rasputin e a imperatriz. A Comissão Extraordinária de Investigação do Governo Provisório, criada em 1917, imediatamente após a revolução bolchevique, se interessou pelas relações entre a imperatriz e o monge, mas os investigadores também não encontraram quaisquer provas.

Mito 2. Rasputin influenciava a política da Rússia

Outra acusação apresentada muitas vezes, inclusive por deputados da Duma de Estado, a câmara baixa do parlamento russo, é que Rasputin teve uma enorme influência sobre o imperador Nicolau 2º e suas políticas. Essas acusações podem ser encontradas em muitos livros e memórias.

Em diversas cartas pessoais, Alexandra Feodorovna escreveu ao imperador o que Rasputin pensava sobre a guerra, sobre nomeações e outras decisões políticas. Na correspondência, ela o chamava de “nosso amigo”, depois de listar os conselhos de Rasputin. Sua influência cresceu consideravelmente depois de 1905, quando ocorreu a primeira revolução e o poder dos Romanov estava sob ameaça.

No entanto, segundo historiadores, os conselhos de Rasputin foram raramente levados em consideração pelo monarca. O historiador Serguêi Oldenburg estudou todas as cartas da imperatriz a Nicolau e seu efeito sobre a política. A análise mostrou que, em questões mais importantes, Nicolau quase nunca seguiu as sugestões do “amigo", mesmo o imperador tendo sido conhecido por sua suavidade.

Mito 3. Rasputin organizava orgias na corte e bebia até ficar inconsciente

Nos últimos dois anos da vida de Grigóri Rasputin, a polícia secreta tentou encontrar qualquer coisa que pudesse realmente comprometê-lo. “Estabeleci um duplo controle sobre Rasputin, contratei [como agentes] todos os seus empregados domésticos em seu apartamento em São Petersburgo, montei um posto de guarda na rua, comprei um carro especial com motoristas espiões para Rasputin e uma carruagem especial de alta velocidade com um cocheiro espião”, escreveu mais tarde Stepan Belétski, vice-ministro do Interior. “Todas as pessoas que se aproximaram de Rasputin estavam sob vigilância", escreveu.

A polícia conseguiu provar visitas de Rasputin a prostitutas e a organização de grandes festas. No entanto, os rumores de que ele organizava orgias diretamente na corte com a participação de mulheres do círculo próximo da família real nunca foram confirmados.

O investigador da Comissão Extraordinária de Investigação do Governo Provisório, Vladímir Rudnev, escreveu sobre isso depois de analisar todas as evidências em 1917. “(...) Descobriu-se que as aventuras amorosas de Rasputin são limitadas a orgias noturnas com damas da noite e cantoras, e também às vezes com algumas de suas pretendentes. Quanto à sua proximidade com as damas da alta sociedade, a este respeito nenhum material positivo foi obtido através de observação e investigação.”

Algumas senhoras da alta sociedade chegaram a admitir em seus depoimentos relações íntimas com Rasputin, mas negaram os rumores de orgias.

Nicolau 2º recebeu todas essas informações comprometedoras, mas as considerou uma interferência em sua vida familiar, já que Rasputin era considerado quase um membro da família real. Já a imperatriz não acreditava nessas histórias, considerando Rasputin um santo.

Mito 4. Rasputin tinha o poder de curar as pessoas

Este é o mito mais difícil de desmentir, pois ainda não há um consenso sobre o fato de Rasputin ter ou não habilidades de hipnose terapêutica.

No início do século 20, havia mais rumores sobre as práticas de cura de Rasputin do que sobre suas orgias. Foi graças à sua reputação de curandeiro que ele conseguiu se aproximar da família real e logo se tornar indispensável na corte.

Naquele momento, já estava claro que a medicina não era capaz de curar a hemofilia, doença do único filho de Nicolau 2º, Alexei. Qualquer hematoma lhe causava uma hemorragia interna, que podia durar vários dias e gerar um sofrimento insuportável. Mas há diversas evidências de que, após o contato com Rasputin, o herdeiro do trono se sentiu melhor.

“Não há dúvidas de que Rasputin dominava a técnica da hipnose terapêutica, embora seja impossível definir exatamente como isso funcionava”, escreve o historiador russo Ígor Zímin.

A grã-duquesa Olga Alexandrovna, irmã de Nicolau 2º, escreveu que, em 1907, quando Alexei tinha apenas três anos, ele machucou a perna enquanto brincava em Tsarskoe Selo, a residência de verão do imperador. “Havia círculos escuros ao redor de seus olhos [...] sua perna estava horrivelmente inchada. Os médicos não podiam fazer absolutamente nada”, escreveu a grã-duquesa.

“Então Alix [como era chamada carinhosamente a imperatriz Alexandra Feodorovna] enviou um telegrama para Rasputin, que estava em São Petersburgo. Ele chegou por volta da meia-noite. A essa altura, eu já estava no meu apartamento e, pela manhã, Alix me chamou para ir ao quarto de Alexei. Eu não podia acreditar em meus olhos: a criança estava viva e absolutamente saudável. Ele estava sentado na cama, a febre parecia ter passado, não havia vestígios do tumor na perna, seus olhos estavam claros, brilhantes. Mais tarde, Alix me relatou que Rasputin nem tocou na criança, apenas ficou ao pé da cama e rezou”.

Mikhaíl Rodzianko, presidente da Duma do Estado, escreveu: “Rasputin tinha um enorme hipnotismo. Acho que ele era de um interesse científico excepcional”. Outros três membros da família imperial, a grã-duquesa Xenia Alexandrovna, irmã de Nicolau; seu marido, o grão-duque Alexander Mikhailovich; e o grão-duque Kirill Vladimirovich, todos reconheceram as habilidades terapêuticas de Rasputin em suas memórias.

Mas também existe outra opinião sobre os supostos poderes de cura de Rasputin: muitos contemporâneos o chamavam de um mero charlatão, que conseguiu enganar as pessoas para ingressar no círculo interno da família real.

O Metropolita da Igreja Ortodoxa Russa Veniamin (1880-1961) escreveu que Rasputin “não era nenhum hipnotizador ou charlatão, mas simplesmente controlava as pessoas com seu poder”. Os contemporâneos notaram que o monge era muito persuasivo, tinha uma aparência peculiar e um olhar "pesado e hipnótico”.

Aparentemente, Rasputin realmente influenciava a família imperial e o herdeiro, os acalmando com orações e conversas, mas, obviamente, nunca curou Alexei da hemofilia. O último caso de agravamento de sua doença aconteceu após a revolução, em Tobolsk, em 1918, poucos meses antes de sua trágica morte.

Mito 5. Rasputin previa o futuro e soube antes sobre colapso do Império

Durante sua vida, Rasputin teve a reputação de curandeiro, mas se tornou conhecido como um vidente apenas após sua morte. Ele é reconhecido por prever a revolução, a morte da família real Romanov e até uma eventual Terceira Guerra Mundial. Provavelmente, essa última previsão foi inventada e atribuída a ele muito tempo depois, já que não há qualquer indício de que Rasputin poderia prever algo dessa natureza.

A maioria das publicações sobre as profecias de Rasputin se referem ao caderno da imperatriz Alexandra Feodorovna, que anotou os pensamentos de seu “mentor espiritual”, e ao livro de Rasputin “Reflexões Piedosas”, publicado em 1912. No entanto, nesses materiais não há quaisquer previsões sobre o futuro.

A profecia mais famosa do “monge real” de que sua morte significaria o fim da dinastia Romanov está no testemunho de sua filha Matriona. “Quando eu morrer, não haverá mais corte real”, disse Rasputin, segundo sua filha. Os historiadores acreditam que tal afirmação era, na verdade, apenas uma manipulação que ajudou Rasputin a permanecer no círculo próximo da família real durante as tentativas de várias forças de expulsá-lo.

Além disso, muitas previsões de Rasputin simplesmente nunca se tornaram realidade. Ele prometeu uma vitória rápida na Primeira Guerra Mundial, por exemplo, e a ascensão de Alexei Romanov ao trono.

LEIA TAMBÉM: Espiritualistas, curandeiros e médiuns que enganavam os tsares russos
O Russia Beyond está também no Telegram! Para conferir todas as novidades, siga-nos em https://t.me/russiabeyond_br