A palavra "opritch", em russo antigo, significava "além de". Até a época de Ivan, o Terrível, essa palavra era usada para se referir ao restante da propriedade que era transferida para a viúva de um príncipe que tivesse morrido. Todos os bens do príncipe passavam para seus filhos, exceto a "opríchnina" (também grafada como "oprítchnina" em português), ou seja, a parte que restava para a viúva.
A mesma palavra foi usada por Ivan, o Terrível, ao escolher um nome para sua guarda pessoal. Os opríchniks (ou oprítchniks) eram os mais leais guerreiros, que eram separados de todos os outros servos do monarca russo.
Com a ajuda da opríchnina, Ivan, o Terrível, lutava contra os "oligarcas" de seu tempo. Os grandes proprietários de terras — que eram principalmente príncipes nobres da antiga dinastia ruríquida — controlavam as receitas e a população de vastos territórios russos.
Eles resistiam à introdução de impostos pelo governo do tsar e ficaram extremamente irritados quando Ivan enviou seus funcionários para coletar os impostos nos seus territórios. Esses príncipes nobres queriam continuar a administrar seus territórios e dinheiro por conta própria, como faziam havia séculos.
As antigas famílias principescas eram fortes o suficiente para resistir ao poder de Ivan, que era, afinal, apenas o primeiro tsar de Toda a Rússia na história. Seu bisavô, Basílio 2º, o Cego, foi o primeiro governante soberano de Moscou. Nessa época, o país estava cheio de gente que esperava restaurar a ordem dos ducados combatentes e até se tornar tsares.
Após mais de 15 anos de luta entre o tsar e as elites, em 1565 Ivan, o Terrível, tomou uma decisão muito rigorosa: dividir o território de seu reino em duas partes desiguais – a opríchnina e a zémschina (da palavra "zemliá", ou seja, "terra", significando, portanto, "pertencente à terra", em tradução livre).
O tsar convidou para viver na opríchnina apenas os nobres que juraram lealdade pessoal a ele. Todos os outros pertenciam automaticamente à zémschina.
Como funcionava a opríchnina?
O principal problema era que a nobreza não prestava o serviço militar como deveria. Os príncipes e boiardos organizaram seu próprio exército, mas não queriam participar das missões militares por ordem de tsar como uma organização unida.
Segundo Aleksandr Zimin, um historiador especializado na história dos boiardos russos, os líderes militares da nobreza discutiam constantemente sobre quem era mais nobre e quem obedeceria a quem.
Essa questão foi muito perceptível durante a campanha de Kazan. Os príncipes discutiam constantemente quem era mais nobre e passaram meses divagando em vez de realizar tarefas militares. O tsar teve grande dificuldade em resolver essas disputas, e era quase impossível comandar racionalmente tal exército.
Assim, para resolver o problema, Ivan criou seu próprio exército de opríchniks, convidando nobres e príncipes — mas não de Moscou. Eles vinham de antigas cidades russas: Súzdal, Viázma, Mojaisk e outras.
Ivan ordenou que os soldados o procurassem pessoalmente, e os interrogou pessoalmente sobre parentes, serviço e conexões. Outras pessoas das mesmas regiões deveriam confirmar seus depoimentos.
Houve até interrogatórios de governantas, guarda-chaves, padeiros, açougueiros, cavalariços, todos os criados de serviço das residências, fortalezas e cidades da opríchnina. Ninguém da zémschina podia ser incluído.
Como resultado, todos os guardas da opríchnina eram muito leais e se submeteram pessoalmente ao tsar. Os boiardos e príncipes de Moscou não podiam, portanto, comandá-los.
O que esse exército da guarda tsarista fez para subsistir? O tsar simplesmente tirou as melhores terras dos principais príncipes e boiardos e os expulsou dali junto com suas famílias. Em seguida, eles receberam terras em outros pontos do país, muitas vezes longe da propriedade original.
Isso foi feito para enfraquecer sua base de poder. Os nobres não tiveram tempo para fazer as malas e podiam pegar apenas aquilo que podiam carregar. Esse período é chamado de terror da opríchnina, e seu objetivo era destruir a elite de Moscou.
Quem era aceito nas fileiras da opríchnina tinha que prestar um juramento de lealdade: "Eu também juro não comer nem beber com ninguém da zémschina e não tenho nada em comum com eles", dizia-se no juramento, segundo podemos ler nas memórias dos livonianos Johann Taube e Elert Kruse, que serviram em Moscou.
Outro alemão a serviço do tsar russo, Heinrich Staden, que também serviu como guarda na opríchnina, escreveu: "De acordo com o juramento, os opríchniks não podiam falar com as pessoas da zémschina, nem se casar com eles. Se um oprichnik tivesse pai e mãe na zémshchina, ele não podia visitá-los em nenhum momento”.
O cumprimento dessas proibições era monitorado pelos próprios opríchniks. Staden escreveu que se um opríchnik fosse pego conversando com alguém da zémschina, outros opríchniks matavam os dois na hora.
Taube e Kruse escreveram: "Quando um opríchnik e uma pessoa da zémshchina precisam se encontrar, o opríchnik agarra o outro pelo pescoço, leva-o ao tribunal e, embora nunca o tenha visto antes ou falado com ele, reclama que ele desonrou a ele e à opríchnina em geral; e, embora o tsar saiba que isso não aconteceu, o queixoso é proclamado um homem leal e recebe todos os bens da pessoa da zémschina, que é espancada nas ruas e depois decapitada ou lançada à prisão perpétua."
Como eram os opríchniks e onde eles moravam?
"Os opríchniks têm uma distinção notável ao cavalgar: uma cabeça de cachorro no pescoço do cavalo e uma vassoura no chicote. Isso significa que eles primeiro mordem como cachorros e depois varrem todos os excessos do país. Todos os soldados de infantaria devem andar com roupas grosseiras de mendigo ou de monge com pele de ovelha, mas devem usar roupas íntimas de tecido bordado a ouro em pele de zibelina ou marta", escreveram Taube e Kruse.
Os cavalos dos opríchniks eram ferozes, e nem todo cavalo podia ignorar a cabeça cortada de um cachorro em seu pescoço.
"Todos os irmãos devem usar longos bastões monásticos pretos com pontas afiadas, com os quais se pode derrubar um camponês, e também facas longas sob suas vestes exteriores para torturas e execuções imediatas", lê-se nas memórias de Taube e Kruse.
Ao contrário dos boiardos e nobres de Moscou do século 16, que se vestiam com muito brilho, ouro, em roupas brancas e laranjas, os opríchniks em suas túnicas negras pareciam monges.
Eles patrulhavam as ruas de Moscou e de outras grandes cidades em grupos de 10 a 20 homens. "Cada grupo buscava boiardos, funcionários públicos, príncipes e nobres comerciantes. Nenhuma das vítimas estava ciente de sua culpa, da hora de sua morte e de que, em geral, já haviam sido condenada", foi como Taube e Kruse descreveram o terror da opríchnina.
A elite dos opríchniks, com 100 a 300 pessoas, morava junto com o tsar na em sua residência bem fortificada de Aleksandrovskaia Sloboda (hoje, localizada na cidade de Aleksandrov, 120 km a Norte de Moscou), como verdadeiros monges. Ivan assumiu o papel de seu abade, ou hegúmeno.
Todas as manhãs, às 4 horas, Ivan, o Terrível, tocava os sinos junto com o sacristão, Maliuta Skuratov, o opríchnik mais próximo ao tsar, mais famoso e mais cruel. Toda a "corte dos opríchniks" imediatamente se reunia na igreja.
Os que não comparecessem eram punidos com oito dias de penitência, independentemente do seu grau de nobreza. Das quatro às sete horas da manhã, o tsar (título também grafado como czar em português) e os “irmãos” cantavam na igreja, depois faziam uma pausa de uma hora e das oito às dez continuavam a cantar e a rezar.
Depois disso, seguia-se uma refeição: "Ele próprio, como abade, permanece de pé enquanto os outros comem", escreveram Taube e Kruse. "Cada irmão deve trazer à mesa copos, vasilhas e pratos, e a todos é servida comida e bebidas muito caras, vinho e mel. Aquilo que não se consegue comer e beber deve ser levado em vasilhas e pratos e distribuir aos pobres. No entanto, na maioria das vezes, essa comida era levada para casa. Terminada a refeição, o próprio abade se dirige à mesa. Depois de terminar sua refeição, quase todos os dias, ele vai à prisão, na qual há constantemente muitas centenas de pessoas."
Terminados os afazeres do dia, que muitas vezes consistiam em interrogatórios e investigações com torturas, o tsar partia para o jantar, ao qual se misturavam as orações, durando até as nove horas.
"Depois disso, ele ia dormir no quarto, onde havia três velhos cegos", escreveram Taube e Kruse. "Os cegos cantavam orações e hinos ao tsar, enquanto ele caía no sono." Assim terminavam os dias do cruel monarca na cidadela da opríchnina.
Como terminou a opríchnina?
A opríchnina não atingiu os objetivos que declarara. O tsar não conseguiu minar a base da nobreza de Moscou e subjugar os grandes proprietários de terras. Em vez disso, Ivan criou uma força indisciplinada de bandidos nobres que roubavam a população russa.
De acordo com uma pesquisa do historiador Stepan Veselóvski, para cada nobre boiardo ou príncipe que os opríchniks matavam, eles também matavam de três a quatro proprietários de terras; e para cada militar que eles prendiam, pelo menos 10 soldados simples eram mortos. Assim, os guardas da opríchnina assassinavam principalmente os mais fracos.
Em 1571, o cã Devlet Giray, da Crimeia, atacou Moscou. A opríchnina, que já havia se desintegrado quase completamente, se assustou e não foi defender a cidade. Havia opríchniks suficientes para apenas um regimento, enquanto a zémschina conseguiu reunir cinco regimentos de soldados. Isso, porém, não ajudou, e Moscou foi totalmente incendiada.
Logo Ivan decidiu abolir a opríchnina. Ele tinha problemas mais sérios: a Comunidade Polaco-Lituana tinha vencido a Guerra da Livônia contra Moscou, e os suecos tinham tomado alguns castelos russos, recusando-se a devolvê-los. O reino de Ivan, o Terrível, um dos mais cruéis governantes da Rússia, caminhava para seu fim.
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