Como os mongóis derrotaram os russos pela primeira vez

Batalha de Kalka.

Batalha de Kalka.

Pável Rijenko
Há exatos 800 anos, a Rússia medieval sofreu a mais pesada derrota de sua história, quando seus principados se encontraram pela primeira vez com o exército mongol no campo de batalha. Naquela época, pouco se sabia sobre os nômades do Oriente, e os russos não viam neles uma grande ameaça. Subestimá-los teve um preço enorme para os russos.

A invasão dos tártaros-mongóis se tornou um enorme desastre para a Rússia Antiga. Derrotados pelos nômades, os principados russos caíram na dependência política e econômica do poderoso império oriental por quase três séculos.

A devastadora invasão ocorreu entre os anos de 1237 e 1241, mas os adversários já tinham se encontrado no campo de batalha pela primeira vez 14 anos antes. Como isso aconteceu?

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Batalha de Kalka e o banquete mongol sobre ossos.

“Por causa de nossos pecados, chegaram povos desconhecidos, moabitas sem Deus, que ninguém sabe exatamente quem são, de onde vieram, que língua falam, de que tribo são e qual fé seguem”, escreveu um cronista desconhecido sobre a primeira aparição das tropas mongóis nas fronteiras russas, entre os anos de 1222 e 1223.

Os melhores líderes militares de Genghis Kahn, Subedei e Jebe, chegaram ao Mar Cáspio, passando pela Ásia Central, cruzaram as montanhas do Cáucaso e invadiram as terras dos nômades turcomanos, conhecidos como cumanos ou polovetsianos. Essas tribos tinham mostrado hospitalidade à tribo Merkit, que tinha sido derrotada pelos mongóis. Assim, os mongóis queriam punir os polovetsianos também.

Separadas, as tribos polovetsianas não puderam resistir aos melhores guerreiros da Eurásia da época e foram forçadas a buscar ajuda de seus vizinhos do norte, os russos, com quem eles às vezes lutavam ferozmente e, em outras, faziam casamentos dinásticos e alianças político-militares.

No início de 1223, o chefe da união tribal ocidental dos polovetsianos, Khan Kotián, chegou à corte do príncipe russo Mstislav, o Ousado, que era seu genro. Em um congresso de príncipes organizado às pressas em Kiev, ele começou a persuadi-los persistentemente a se oporem aos mongóis.

“Ele trouxe muitos presentes: cavalos, camelos, búfalos e escravas e, curvando-se a todos os príncipes russos, disse: 'Hoje os tártaros tomaram nossa terra e amanhã virão e levarão a sua; portanto, ajude-nos”, lê-se nas crônicas russas.

Batalha de Kalka, em 1224.

Temendo que, no caso de uma derrota final, os polovetsianos se juntassem aos mongóis, os governantes de várias terras russas concordaram em repelir os invasores.

Caminho para o desastre

Os destacamentos dos principados de Kiev, Galícia-Volinsk, Turov-Pinsk, Tchernigov e Smolensk, liderados por duas dezenas de príncipes, lançaram a campanha militar. No início de abril de 1223, eles desceram o rio Dnieper até as estepes do sul e, em meados de maio, se juntaram aos polovetsianos na área da ilha de Khortitsa.

O número exato de forças aliadas é desconhecido. Segundo fontes diversas, os russos e polovetsianos tinham entre 40 e 100 mil pessoas. Subedei e Jebe, por sua vez, tinham de 20 a 30 mil soldados.

Lidando com um inimigo numericamente superior, os mongóis tentaram resolver a questão pela paz. Os embaixadores mongóis que chegaram ao acampamento principesco declararam estar lutando apenas com os polovetsianos e não querer guerra com os russos. Por razões desconhecidas, os embaixadores foram mortos, o que, obviamente, foi recebido pelos nômades como um insulto terrível. A guerra se tornou inevitável.

Príncipe Mstislav.

Os mongóis — que, como escreveram os historiadores árabes da época, tinham “a coragem de um leão, a paciência de um cachorro, a clarividência de um grou, a astúcia de uma raposa, a previsão de um corvo, a natureza predatória de um lobo” —não se envolveram imediatamente em uma batalha aberta. Eles preferiram recuar do Dnieper para a estepe, atraindo os russos para lá.

As opiniões dos príncipes sobre como proceder na campanha estavam divididas. Alguns apoiavam Mstislav, o Ousado, que, não acreditando nas qualidades de luta dos mongóis, estava ansioso para combatê-los. Outros, liderados pelo príncipe Mstislav Románovitch de Kiev, pediram mais cautela.

Subedei, em retirada, “alimentava” os russos com os pequenos destacamentos dos mongóis, permitindo obter vitórias inspiradoras. No final, o exército russo-polovetsiano foi completamente seduzido para a perseguição.

Fiasco

Tártaros celebram a Batalha de Kalka (pintura de N. Kochelev).

Após uma semana de marcha, os aliados se aproximaram do pequeno rio Kalka (hoje, presumivelmente, na região de Donetsk), onde, em 31 de maio (segundo outras fontes em 16 de junho ou em 16 de julho), ocorreu a batalha principal.

Uma parte dos russos cruzou o rio e correu atrás dos mongóis, enquanto a outra decidiu não atravessar o rio. Quando a distância entre as unidades russas já ultrapassava dezenas de quilômetros, Subedei decidiu atacar.

Simulando uma retirada, a cavalaria pesada dos mongóis virou bruscamente e atingiu os polovetsianos. Eles foram instantaneamente esmagados e começaram a fugir, trazendo o caos para as fileiras dos destacamentos russos.

 “Os regimentos russos ficaram confusos e a batalha foi desastrosa por causa de nossos pecados. Os príncipes russos foram derrotados, algo que nunca acontecera desde o início da história das terras russas”, lê-se na crônica russa.

O príncipe Mstislav de Kiev, que estava do outro lado do rio, decidiu não se envolver na batalha. Ele mandou construir um acampamento que logo foi sitiado pelas tropas mongóis. Outros destacamentos de nômades continuaram a perseguir os russos restantes.

Poucos dias depois, os mongóis ofereceram a rendição aos sitiados, que já começavam a sentir sede, prometendo libertá-los. Mstislav concordou, mas parte dos soldados rendidos foram mortos, outra parte, aprisionada.

Mstislav Románovitch e vários príncipes e comandantes foram colocados debaixo de tábuas de madeira sobre as quais os vencedores fizeram um banquete. Os vencidos logo morreram sufocados com o peso.

Lições não aprendidas

O primeiro confronto armado entre os mongóis e os russos terminou em uma terrível catástrofe. Foram mortos muitos boiardos e 12 príncipes russos.

As perdas exatas das tropas russas são desconhecidas, mas os historiadores sabem com certeza que elas foram enormes. De acordo com as crônicas russas, 9 de cada 10 guerreiros foram mortos.

“Havia choro e lamento em todas as cidades e aldeias”, lê-se no “Conto da Batalha de Kalka”, do século 13. O desdém pelos nômades foi substituído por um terrível medo.

A falta de um comando unificado e de coerência nas ações dos destacamentos, bem como a incapacidade dos príncipes de chegarem a um acordo diante de uma ameaça comum foram os principais motivos da pesada derrota.

Mas os russos não aprenderam nada desses tristes eventos, e, depois de 14 anos, quando começou uma invasão mongol em grande escala, eles repetiram os mesmos erros.

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