Como era a esposa de Stálin, Nadejda Alliluyeva?

História
SÓFIA POLIAKOVA
A mulher do ditador russo cometeu suicídio em circunstâncias misteriosas quando tinha apenas 31 anos. Mas qual o motivo: a infidelidade do marido ou o horror das repressões em massa?

Quando a jovem estudante Nadejda Alliluyeva (também grafada como Allilúeva em português) se casou com Ióssif Stálin, que então já tinha 40 anos, ela não suspeitava que seu marido logo se tornaria o "pai das nações". Os conhecidos da moça descreviam Nadejda como uma moça modesta, mas orgulhosa e determinada. Ela não buscava poder e nunca quis ser primeira-dama.

Família de amigos de Lênin

Os pais de Nadejda Alliluyeva eram membros conhecidos do movimento social-democrata. Eles conheciam bem Lênin, que se escondeu por algum tempo da perseguição no apartamento da família.

Além disso, a família tinha relações muito próximas e amigáveis com Stálin, que costumava visitar sua casa em Baku. Reza a lenda que Stálin salvou a vida de Nadejda quando ela tinha dois anos, em 1903, enquanto ela brincava à beira da água e caiu no mar.

Em 1917, Stálin voltou de seu exílio na Sibéria para Petrogrado (como se chamava então São Petersburgo). Lá, ele encontrou Nadejda já adulta, pois a família dela havia se mudado para lá.

Naquela época, Stálin já era um conhecido membro do partido, enquanto Nadejda estudava no ginásio. Mas ela não se formou e sempre teve vergonha de cometer erros em russo ao trabalhar como secretária.

Svetlana Alliluyeva, filha de Stálin e Nadejda, descrevia sua mãe assim: "Devido a sua aparência sulista, às vezes pensavam que ela era georgiana. É que búlgaros, gregos, ucranianos são todos assim: têm rosto oval, sobrancelhas pretas, nariz ligeiramente arrebitado, pele morena e olhos castanhos, suaves, com longos cílios pretos. É verdade que minha mãe tinha algo de cigana, uma espécie de langor oriental, olhos tristes e dedos longos e secos."

Foi então que, aos 38 anos de idade, Stálin iniciou um relacionamento com Nadejda, que tinha apenas 15.

Irina Gogua, uma amiga próxima da família Alliluyev escreveu: “Uma vez, [o pai de Nadejda Alliluyeva] Serguêi Iákovlevitch entrou correndo, assustadíssimo, dizendo que ele [Stálin] tinha levado a Nadejda embora. Ela, se não me engano, não tinha nem 16 anos. Isso aconteceu logo após a Revolução de Outubro. Ele a levou para a frente [da Guerra Civil Russa]".

Stálin e Alliluyeva se casaram oficialmente em 1919, quando ela tinha 17 anos, e ele, 40.

Mãe rigorosa e pai carinhoso

Depois de se mudar para Moscou, Nadejda começou a trabalhar no escritório de Lênin. Mas ela logo teve que deixar o trabalho, em 1921, quando o casal teve um filho, Vassíli.

Além disso, no mesmo ano, o filho do primeiro casamento de Stálin, Iákov, se mudou para a casa de Stálin também. Nadejda aceitou o menino, que era muito retraído, mas o relacionamento dele com o pai não deu certo.

Nadejda não gostava do papel de dona de casa. Pouco antes do nascimento de sua filha, Svetlana, em 1926, ela escreveu a uma amiga: “Arrependo-me muito ter me amarrado de novo com novas responsabilidades familiares. Nesta nossa época, não é fácil, porque existem muitos preconceitos, e, se você não trabalha, então, é considerada uma baranga de terceira idade. [...] É preciso ter uma profissão que lhe dê a possibilidade não só de cumprir as ordem de outra pessoa, como acontece com as secretárias, mas de fazer tudo o que esteja relacionado com sua especialidade."

Quando seus filhos cresceram, Nadejda voltou ao trabalho, entrou na academia industrial, começou a estudar francês, música e fotografia.

Nadejda era exigente e até rigorosa com os filhos. Sua filha Svetlana escreveu: “Ela raramente me dava carinho, enquanto meu pai sempre me carregava nos braços, adorava me beijar, me chamava de palavras afetuosas como 'passarinho’ e 'mosquinha’. Uma vez, cortei uma toalha de mesa nova com a tesoura. Meu Deus, minha mãe me bateu tão forte nas mãos! Chorei tanto que o meu pai veio, me pegou nos braços, me confortou, me beijou e conseguiu me tranquilizar.”

Levando em consideração a correspondência dos cônjuges, o relacionamento deles parecia ideal: Stálin chamava a esposa pelo apelido afetuoso “Tatka”, se interessava pelos sucessos acadêmicos dela, perguntava sobre filhos. Nadejda respondia da mesma forma, perguntando sobre sua saúde e os negócios.

No entanto, na verdade, Nadejda era atormentada pelo ciúme: “Não recebo notícias suas […] Provavelmente, a caça às codornas está durando mais que o esperado […] Ouvi uma jovem interessante falar de você, e ela disse que você está ótimo […], alegre e mexe com todo o mundo. [...] Estou muito feliz”, escreveu Nadejda a Stálin em uma das cartas.

Ele respondeu: “Você está insinuando algumas viagens. Informo que não fui a lugar nenhum (absolutamente a lugar nenhum!) e não vou”.

Segundo a irmã de Nadejda, ela queria até mesmo se separar de Stálin e, em 1926, levou os filhos para Leningrado, com a intenção de nunca mais voltar para o marido. Mas a briga terminou em uma reconciliação.

Morte misteriosa

Segundo Irina Gogua, Nadejda não suportava mais a grosseria e o temperamento do marido.

“Na presença de Ióssif, Nadejda parecia um faquir que se apresenta descalço sobre cacos de vidro no circo, com um sorriso para o público e uma terrível tensão nos olhos. Ela nunca sabia o que aconteceria a seguir, quando [Stálin] podia explodir. Ele era um baita grosseirão."

A briga fatal ocorreu em 8 de novembro de 1932, durante a comemoração do aniversário da Revolução de Outubro. Durante a festa, Stálin gritou para a esposa: “Ei, você, beba!”.

Nadejda respondeu "Meu nome não é ‘Ei’!". Há diferentes versões sobre o que aconteceu depois. Um dos participantes da festa escreveu que Stálin jogou um pão na esposa, após o que Nadejda fugiu da festa. Segundo outra fonte, Nadejda permaneceu na festa e foi Stálin quem saiu e foi encontrar sua amante.

Depois de voltar ao seu apartamento no Kremlin à noite, Nadejda Alliluyeva se suicidou com uma pistola. Ninguém ouviu o tiro e o corpo foi encontrado só pela manhã, quando a governanta chegou para acordar Nadejda.

Svetlana Alliluyeva escreveu em suas memórias que Nadejda havia deixado uma nota para Stálin que incluía inúmeros reproches, inclusive políticos. Essa afirmação da filha de Stálin, porém, não pode ser comprovada.

Segundo pessoas próximas ao ditador, Stálin ficou chocado ao saber sobre o suicídio e disse que não queria mais viver. Dois anos e meio depois da morte da esposa, Stálin disse a seus parentes: “Ela fez muito mal, ela me aleijou. […] Me aleijou para o resto da vida”.

Svetlana escreveu que Stálin tinha muita raiva da esposa mesmo após a morte, que considerava o suicídio dela uma traição e, durante o funeral, até empurrou o caixão.

Viatcheslav Molotov, comissário para Negócios Estrangeiros da URSS (equivalente a ministro das Relações Exteriores) e amigo próximo de Stálin, negou isso e escreveu que Stálin se culpava pela morte da esposa.

“Stálin se aproximou do caixão no momento da despedida, antes do funeral, com lágrimas nos olhos. Ele disse com muita tristeza: ´Não consegui salvar!´ Eu ouvi", escreveu Molotov em suas memórias. Segundo ele, esta foi a primeira e única vez que viu Stálin chorar.

Apesar de tudo, os jornais soviéticos anunciaram que Nadejda Alliluyeva havia morrido de apendicite. Essa mentira deu origem ao boato de que Nadejda foi morta por ordem do sanguinário marido.

Mas quase todos os conhecidos de Stálin e historiadores afirmam que Nadejda realmente cometeu suicídio.

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