O governo soviético odiava pessoas “diferentonas”, caso elas não estivessem a serviço do Partido Comunista. Porfíri Ivanov nunca cooperou com os comunistas. Ele simplesmente propagava sua versão de um estilo de vida saudável e, para provar sua eficiência, não usava roupas quentes e se gabava de sua saúde excepcional.
Muitas pessoas comuns na URSS consideravam Porfíri um líder espiritual, enquanto o governo do país olhava para o “Mestre” com cautela. Para tentar interromper suas atividades, o governo o condenou a prisões e tratamento compulsório em clínicas psiquiátricas. Até hoje, algumas pessoas dizem que Ivanov era mentalmente doente, enquanto outros o consideram um gênio.
O desafio do balde de gelo na URSS
O início da vida de Ivanov é conhecido só a partir de seus próprios relatos. Porfíri nasceu em 1898 em uma aldeia na região de Lugansk, na Ucrânia (que então fazia parte do Império Russo). Porfíri tinha força e altura excepcionais e, aos 15 anos, começou a trabalhar em minas. “Trabalhávamos incansavelmente: às vezes, até 20 horas por dia”, escreveu Porfíri em suas memórias.
Ele foi convocado para o exército imperial russo, mas não participou de ações militares. Após a Revolução, Ivanov levou uma vida de malandro: jogava a dinheiro, bebia e participava de todas as brigas da aldeia.
“Eu era um bandido, roubava a natureza, matava a alegria, não pensava em nada além de uma vida boa para mim e fazia de tudo para viver bem. Mais tarde, eu me afastei de tudo isso e comecei a buscar fazer amizade com a natureza”, escreveu Ivanov.
Em 1928, Ivanov passou 11 meses na prisão por fraude fiscal. Mas, logo, sua vida tomou um caminho sem volta. Como o próprio Ivanov escreveu, em um inverno, no início dos anos 1930, ele foi diagnosticado com câncer. Os médicos disseram que ele não tinha chances.
Desesperado, ele começou a sair no frio e a jogar água gelada em si próprio para “morrer mais rápido”. Surpreendentemente, isso levou ao efeito oposto (segundo seu próprio relato): sua força, vigor e energia aumentaram. Ivanov passou a tomar banhos de água fria todos os dias.
Aos poucos, Ivanov deixou de lado todas as suas roupas, usando só cuecas samba-canção e andando descalço todo o ano. Ele parou de se barbear e de cortar o cabelo, abandonou a esposa e os dois filhos e começou a vagar pela Ucrânia e pelo sul da Rússia, propagando sua nova “Idéia”, como ele chamava, de "união com a natureza". Os princípios eram simples: banhos frios pela manhã e antes de dormir, jejum completo aos sábados, respiração profunda e regular ao ar livre. Mas como ele se tornou uma celebridade?
"Mestre" ou louco?
Com sua aparência, Ivanov obviamente não conseguia emprego no novo país que despontava, a União Soviética. Mas as pessoas se sentiam atraídas por ele, já que, em tempos de incerteza, fome e propaganda soviética antirreligiosa, ele oferecia uma ideia de estilo de vida estranho, mas aparentemente saudável. Para o Estado, na época, ele era apenas um louco nu que promovia ideias de amor à natureza.
Em 1935, Ivanov foi detido pela primeira vez e enviado a um hospital psiquiátrico na cidade de Rostov-no-Don. Os psiquiatras diagnosticaram Ivanov com esquizofrenia, estabeleceram que ele não podia ter permissão para trabalhar e o enviaram a seus parentes, na região de Rostov.
Há pouca informação confiável sobre a vida de Ivanov antes da Segunda Guerra Mundial. Mas quando os nazistas tomaram a região de Rostov, Ivanov se tornou popular entre os alemães, uma espécie de fenômeno local.
Ivanov escreve que os nazistas fizeram experimentos, testaram suas habilidades e o torturaram: eles o fizeram andar nu em uma motocicleta no frio e o enterraram na neve por horas. Mas, mesmo assim, Ivanov sobreviveu, emergindo da neve com o corpo todo vermelho.
A Segunda Guerra Mundial não mudou Ivanov ou suas práticas. Nos anos do pós-guerra, ele continuou seus ensinamentos e passou a se autointitular "Mestre".
O engenheiro Eduard Protopopov descreve um encontro com Ivanov em 1949 em Moscou assim: “O ‘Mestre’ lavava os pés de todos com água fria em uma bacia. Ele deitava os doentes graves no sofá e colocava as mãos sobre eles: uma mão na cabeça e a outra nos dedos dos pés. Com outros doentes, ele apenas falava sobre a vida e a saúde. Ele deu conselhos: doe aos necessitados, cumprimente todas as pessoas, não cuspa no chão, não beba, não fume, fique sem comida e água aos sábados, lave os pés duas vezes por dia com água fria para acordar, ande descalço e respire ar puro."
Quando a prática de Ivanov começou a se tornar mais popular, ele, obviamente, atraiu a atenção da KGB. Ivanov foi acusado de propaganda antissoviética e cumpriu pena nas mais severas instituições psiquiátricas da URSS.
Entre 1951 e 1954, ele ficou em hospitais psiquiátricos prisionais. Os pacientes-prisioneiros quase não recebiam comida, e só não passava fome quem recebia comida de parentes. O único método de tratamento era a "sonoterapia", ou seja, os prisioneiros recebiam grandes doses de pílulas para dormir o tempo todo.
Eles acordavam apenas para comer. Foi somente a saúde verdadeiramente excepcional de Ivanov que o ajudou a sobreviver a esse "tratamento". Em 1964, ele foi novamente preso por fraude, mas considerado doente mental. Ele passou mais 4 anos em instituições psiquiátricas.
No final dos anos 1960, a fama de Ivanov já era considerável. Ele viajava de sua aldeia, na região de Rostov, para Moscou para "curar" as pessoas.
Um de seus discípulos relembrou: “O Mestre costumava vir a Moscou a convite de pessoas doentes. Pessoas de toda a cidade iam à estação de trem para encontrar o Mestre. E quando ele saía do vagão, todos corriam para beijá-lo [...] Quando eu entrei na sala, tinha gente sentada para todo lado o esperando. O Mestre saiu, grande, com seus olhos azuis e cabelos brancos. Cruzou as mãos sobre o peito e disse com carinho: 'Meus queridos amigos, vim aqui para mantê-los saudáveis’.”
Últimos anos e consequências
Na década de 1970, Porfíri Ivanov se tornou uma celebridade por toda a URSS. Ele vivia na aldeia Vérkhni Kondrutchi, na região de Lugansk, na Ucrânia, onde recebia visitantes e discípulos. Entre novembro de 1975 e março de 1976, ele foi internado novamente em uma instituição mental, dessa vez simplesmente porque quis participar do 25º Congresso do Partido Comunista da União Soviética.
Entre os 77 e 78 anos de idade, Ivanov já não estava muito forte e, no hospital, foi “tratado” quase até a morte. Quando seu estado de saúde já era considerado irreversível, Ivanov foi enviado para casa, para passar seus últimos tempos com a discípula e amiga Valentina Sukharevskaia.
Mas, quando um psiquiatra visitou sua casa, três dias depois, para verificar se o velho encrenqueiro já estava morto, Porfíri abriu a porta pessoalmente, vestido com suas já famosas cuecas.
Em 1979, muitos de discípulos e seguidores se reuniram na aldeia dele para comemorar outro aniversário do início de seus ensinamentos. Após essa reunião, Ivanov foi detido novamente e condenado a prisão domiciliar.
Essa prisão domiciliar terminou apenas em 1982, quando um artigo sobre Ivanov e seu estilo de vida saudável surgiu na "Ogoniok", uma das revistas mais populares da URSS. Só nos últimos anos de sua vida o reconhecimento público finalmente chegou a Ivanov. No total, ele passou mais de 12 anos entre prisões, hospitais e clínicas psiquiátricas.
Porfíri Ivanov morreu em 1983, aos 85 anos. Mas, para seus seguidores, a morte foi apenas o começo das atividades dele. Encorajados pelo reconhecimento oficial dos ensinamentos de Ivanov, os seguidores passaram a organizar reuniões, conferências e publicar os escritos de Ivanov.
Em 1992, quase 10 mil pessoas se reuniram perto da antiga casa de Ivanov para uma celebração. Até hoje, há na Rússia milhares de seguidores de Ivanov que corroboram a utilidade de seu sistema. No entanto, não há nenhuma prova científica da eficácia do sistema de Porfíri Ivanov.
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