Antes de 1917, o Império Russo tinha uma enorme variedade de lingeries requintadas. Grande parte era feita sob encomenda — o que era considerado de bom tom entre a nobreza e as famílias mercantes. As vitrines das cidades eram recheadas de rendas finas e seda e a roupa íntima só era feita em linhas de produção para o exército, a marinha e os prisioneiros.
Mas tudo isso começou a mudar após a Revolução, quando a ideologia comunista penetrou profundamente em cada vida pessoal. Em meados dos anos 1920, as empresas de fabricação de lingerie foram nacionalizadas pelo Estado, que também se tornou o principal "estilista" dessa indústria para as mulheres soviéticas.
Fisioculturistas, Moscou, 1924.
Domínio públicoA elegância passou a ser considerada um excesso burguês. Em 1926, o país assistiu à publicação do panfleto “A questão sexual na sociedade soviética” do psicólogo Aron Zalkind, que estabelecia uma abordagem clara em relação às mulheres e sua sexualidade: passou-se a cultuar a imagem de uma nova mulher, forte e equiparável ao homem. Já a predileção por lingerie refinada passou a ser considerada uma perversão sexual.
Em 1926, uma nova organização chamada Glavodejda foi criada por decisão governamental. Seu principal objetivo era a produção de uniformes militares, mas, ao mesmo tempo, ela também fazia roupa de baixo para as massas. Esses produtos, fabricados em série, não variavam e eram propositalmente feios. Durante muito tempo as cidadãs da União Soviética só podiam comprar 2 ou 3 tipos de calcinhas e de “pantalona” (uma espécie de bermudinha que se usava como roupa de baixo à época), e apenas um modelo de sutiã.
Qualquer conversa sobre a "moda” acabava sendo apenas uma discussão sobre cores. Mas ainda assim, por um tempo, houve uma tendência: a das roupas íntimas femininas e "ideologicamente corretas" com estampas de tratores, aviões, foices, martelos e estrelas vermelhas.
A fabricação da lingerie exemplar agora passou a ser concentrada em apenas um lugar: o ateliê “Moskvochveia”, em Moscou, que produzia sob encomenda. Mas somente as mulheres de funcionários da hierarquia do Partido e os líderes militares tinham acesso a essa produção. Havia também costureiras que trabalhavam secretamente em casa, mas podiam ser presas a qualquer momento pela Inspetoria Financeira por trabalho doméstico proibido.
Suplemento da revista "Krasnaia Panorama" intitulado "A arte de se verstir", 1923.
Biblioteca Nacional da República da Tchuváchia"A roupa íntima feminina durante a época soviética não era destinada à beleza e à sedução. Não havia erotismo. O principal era ser higiênico, prático e aquecer. Com esse tipo de roupa íntima a mulher estava pronta para trabalhar, para realizar os planos quinquenais em quatro anos", diz Irina Svetonosova, diretora do Museu da Vida Cotidiana Soviética. Resumindo, a roupa íntima feminina era uma peça inteligente que servia à sua dona. Como dizia o artista de vanguarda soviético Aleksandr Rodtchenko, os objetos se tornaram “camaradas”.
Mas a noção de conforto de quem criava essas peças também era relativa, e muitas mulheres achavam essas roupas íntimas muito constrangedoras e desconfortáveis. Por exemplo, um sutiã que foi apelidado de "torpedos", era se sobressaía escandalosamente por baixo de qualquer vestido e criava um relevo muito estranho no corpo — a indústria soviética se debateu por muito tempo com tentativas de dominar a tecnologia de fabricação de bojos.
À beira-mar em 1933.
Ivan Cháguin/МАММ/MDFNo final dos anos 1940, surgiu um padrão de lingerie que exigia apenas três tamanhos de peito: o 1, o 2 e o 3. O modelo do sutiã ainda era um só, sem sustentação por arame.
Demonstração de peças entre 1955 e 1965.
Vsevolod Tarassêvitch/МАММ/МDFAs “pantalonas” eram mais comuns que as calcinhas. Além das tradicionais feitas de algodão, as soviéticas também usavam “pantalonas” de lã e calcinha flanela (para o inverno). O conforto e a proteção contra o frio ainda estavam acima da estética.
"Pantalona" da URSS.
AvitoO ponto de viragem veio em 1957. Após o Festival Mundial da Juventude, que deixou 35.000 estrangeiros visitarem o país vindo de detrás da Cortina de Ferro, a Ministra da Cultura soviética Ekaterina Furtseva proclamava: "Toda mulher soviética tem direito a um belo busto". Por sugestão dela, passaram a ser construídas fábricas de lingerie em Moscou e Leningrado — embora ainda houvesse um déficit de materiais e acessórios.
Vendedora mostra peça para clientes .
I, Voronov/União de Museus de TcherepovetsEntretanto, uma linha de sutiãs chamada “Angelica” foi comprada da Alemanha Oriental, e havia filas de espera para adquirir seus modelos na principal loja de departamentos de Moscou, o GUM. Como ali não se podia provar os modelos, as soviéticas simplesmente compravam qualquer peça e depois trocavam entre si os tamanhos. Nesse ponto, a tabela de medidas se expandiu, chegando a seis tamanhos — após os anos 1970, eles já seriam nove.
Peça da marca "Angelica".
AvitoParece que à medida que a gama de tamanhos se expande, o mesmo acontece com as imagens que são censuradas e chegam ao mercado. Nos anos 1970 e 1980, surgem nas prateleiras peças da Alemanha Oriental, Polônia, Hungria e Iugoslávia que não tinham nada a ver com o que as mulheres soviéticas usavam até 20 anos antes.
Vitrine de loja.
Valéri Stigneev/МАММ/MDFNa época do colapso da URSS, o mercado estava cheio de lingeries de tecidos sintéticos baratos e pinicantes da China, que mudaram para sempre a imagem de "camarada" da roupa íntima.
Larisa Udovitchenko e Leonid Iarmolnik rodando o filme "Rua Bolotnaia, ou A Cura Contra o Sexo" (1991).
ígor Gnevachev/МАММ/MDFLEIA TAMBÉM: Por que diabos as mulheres russas não tiravam o chapéu nem dentro de casa?
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