Por que os russos colocavam cruzes ‘com telhados’ nas sepulturas?

História
ANNA SORÔKINA
Esses tipos de cruzes, chamados de “golubets”, ainda podem ser encontrados em antigos cemitérios em aldeias remotas, principalmente no norte da Rússia.

Na tradição ortodoxa, é obrigatório colocar cruzes sobre os túmulos. Geralmente, trata-se de uma cruz alta, com oito ou seis pontas, e uma parte  atravessada. As cruzes de quatro pontas, por sua vez, são usadas pelos católicos.

O que é um “golubets”?

A “cruz-golubets” é um monumento colocado em túmulos em forma de “cabana” ou "teto". A palavra “golubets” geralmente tem dois significados em arquitetura. Em primeiro lugar, é um telhado que protege afrescos e ícones da fachada da igreja das intempéries.

Em segundo, a palavra “golubets” vem de “golbets”, que, nas izbás, ou seja, casas de madeira russas, significa uma extensão feita de madeira para o fogão, de onde se pode descer para um porão, armário ou poço.

As pessoas acreditavam que um espírito que guardava a casa morava ali. Em um sentido filosófico, o “golbets” era uma espécie de portal para a vida após a morte.

Essas estruturas eram típicas da região de Carélia e Arkhânguelsk e podem ser encontradas em museus de arquitetura em madeira.

Assim, essas cruzes simbolizavam a casa da pessoa falecida. Eram feitas exclusivamente de madeira e, às vezes, tanto o telhado quanto o pilar eram esculpidos, enquanto outras, um ícone era anexado e o nome e os anos de nascimento e morte eram gravados.

Como surgiu a ‘cruz-golubets’?

A história destas cruzes remonta aos rituais funerários pagãos dos povos eslavos.

Quando o morto era enterrado, uma “izbá da morte” ou “domovina” era 

colocada sobre o túmulo e recheada de suprimentos para a vida após a morte.

Isso também tinha um sentido prático. Em primeiro lugar, era difícil cavar no solo congelado. E, em segundo, esta estrutura protegia a sepultura de animais selvagens. Além disso, ela também podia ser usada como esconderijo.

Nos contos folclóricos russos, muitas vezes existe a imagem de uma “izbá com pernas de galinha” (em russo, izbá na kurikh nojkakh), onde vive Bába Iagá. Trata-se de um símbolo da transição do mundo dos vivos para o mundo dos mortos. A palavra “kuri”, neste caso, vem da palavra ‘kurni’ e não ‘kurini’ (“galinha”) e significa “defumado”, processo que impede a decomposição da madeira. Izbás semelhantes também existem na Escandinávia.

Já a “cruz-golubets” é uma réplica menor de izbá colocada tanto na própria sepultura quanto na rua, indicando o caminho para o cemitério. Como observou o arquiteto Lev Dahl, que estudou o fenômeno dos “golubets”: “Os moradores locais acreditavam que essas construções protegiam a vila de espíritos malignos”.

Além dos enterros, alguns povos eslavos (por exemplo, os viatitchi, os krivitchi e outros setentrionais) cremavam os mortos e colocavam vasos com cinzas sob as "cruzes-golubets". O telhado protegia o conteúdo da neve e da chuva. Mais tarde, a cremação caiu em desuso, mas os símbolos permaneceram.

Proibido pela Igreja

Após o batismo da Rússia, no ano de 988, a Igreja proibiu rituais pagãos, embora alguns deles tenham permanecido até hoje (como a Maslenitsa ou o Dia da Colina Vermelha).

Assim, as pessoas passaram a colocar apenas ícones ortodoxos ou orações escritas sobre as tradicionais cruzes pagãs ou a anexar os tais “telhados” sobre as cruzes ortodoxas. Hoje, essas lápides são associadas exclusivamente aos Velhos Crentes, ou seja, as pessoas que não aceitaram as reformas da igreja do século 17 e foram perseguidas por isso.

Eles fugiram para os rincões da Rússia e passaram a viver em aldeias remotas. Lá, colocavam essas cruzes, como faziam havia séculos. 

É por isso que as "cruzes-golubets" são mais preservadas nas aldeias do norte da Rússia, longe das grandes cidades. Há também algumas delas no Volga, nos Urais e na Sibéria.

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