Para a maior parte das pessoas, a história do forte Por-Bajin (da língua tuvana, “casa de argila”) se iniciou 131 anos atrás, quando, em uma pitoresca ilha no Lago Tere-Khol, em uma das áreas mais inacessíveis da República Tuva, perto da fronteira com a Mongólia, o etnógrafo Dmítri Klements descobriu uma antiga fortaleza. O que ele viu foi, em muitos aspectos, sensacional.
As ruínas eram um retângulo claramente alinhado com um labirinto de ruas no interior. Aquilo parecia uma mandola budista ou hindu e era muito diferente de qualquer coisa já encontrada na república.
A área em frente ao muro do lado direito parecia uma praça em frente a um palácio onde eram realizadas cerimônias rituais. Na parte de trás da praça teria havido um magnífico palácio com colunas. Paredes de até dez metros de altura, assim como as fundações e bases sob as colunas foram preservados.
A fortaleza certamente era muito antiga, mas o que tinha acontecido com os habitantes de Por-Bajin, quem a construiu e até mesmo o fato de ela ter sido mesmo uma fortaleza eram dúvidas sem respostas.
Castelo de contos de fadas
Várias histórias folclóricas tuvanas têm a imagem de uma misteriosa fortaleza com um lago, como "O Khan com Orelhas de Burro". Os habitantes locais consideram sagrados a fortaleza e o lago, em cujas águas habitaria o touro azul Maender,que vem à terra à noite e se alimenta dos medos das pessoas.
Outra lenda diz que a tumba de Genghis Khan está escondida nesta ilha. Alguns acreditavam que ela era a entrada para Shambhala, uma terra mítica no Tibete, que os soviéticos buscavam a sério.
Em 1957, uma expedição arqueológica do professor Sevian Weinstein foi à ilha. "Participei das escavações de 1957 a 1963. Só era possível chegar ali com um pequeno avião ou a cavalo. [...] Nós, três arqueólogos e 15 trabalhadores, vivíamos na ilha do lago, em barracas, trabalhando, pescando e lutando contra os borrachudo ", lembrou Weinstein.
Eles contaram 27 casas com pátios na ilha atrás das muralhas e, quando escavaram uma das colinas, encontraram as ruínas de um palácio. O telhado era de telhas de barro e apoiado em 36 colunas de madeira. Lá também encontraram afrescos ornamentais de formas geométricas pintadas em cores surpreendentemente brilhantes e quentes de vermelho, laranja e amarelo. Em certo ponto, havia vestígios de um chão de tábuas.
"Tínhamos em nossas mãos os restos de armas, vasos, um arsenal objetos de ferro, barras, uma figura antropomórfica feita de barro. Não houve muitos achados porque o palácio se perdeu em um incêndio que aconteceu há mais de mil anos. Não se sabe o que aconteceu com os habitantes de Por-Bajin - não encontramos nenhum resquício humano. Muito provavelmente, eles fugiram", disse Weinstein.
Hipóteses
Depois daquela expedição entre os anos 1950 e 1960, surgiram ainda mais perguntas. Os pesquisadores da Por-Bajin não conseguiam descobrir que tipo de estrutura era aquela, e surgiram várias hipóteses.
Weinstein acreditava que a fortaleza e o palácio tinham sido construídos por Uigur Kagan Bayan-Chor (o Khan do antigo estado túrquico, que viveu de 713 a 759 d.C.).
Também aventou-se a possibilidade de que a fortaleza fosse um ponto de checagem na Grande Rota da Seda da China para a Europa (isso, porém, ignorava o fato de que a fortaleza estava isolada em uma ilha no meio de um lago).
Outra hipótese era a de que era ali ladrões roubavam comerciantes e escondiam seus tesouros nas masmorras da fortaleza.
Mas a hipótese mais convincente é a de que o local abrigava um mosteiro. A história do budismo está intimamente ligada à Ásia Central, ligando o espaço com a Índia, o berço do budismo, e a China, onde o budismo era popular no início da Idade Média.
"O que vi nas fotos de Por-Bajin é muito semelhante ao desenho dos mosteiros budistas, que provavelmente foram construídos na Ásia Central entre os séculos 7 e 8 d.C. e de lá se espalharam", diz Tigran Mkrtitchev, vice-diretor de pesquisas do Museu Estatal do Oriente.
Por outro lado, Mkrtitchev considera que aquele mosteiro poderia ser de outra religião oriental antiga, o Maniqueísmo. Esta religião, que surgiu no século 3 na Mesopotâmia, penetrou no Cagato Uigur por vários séculos. "Se os mosteiros budistas são bem conhecidos por nós, os mosteiros maniqueístas são muito menos estudados", observa Mkrtitchev.
“Evento Miyake” e uma descoberta surpreendente
Os mistérios da fortaleza de Por-Bajin foram revisitados entre 2007 e 2008, quando uma nova expedição foi enviada para a ilha para realizar extensas escavações. Os arqueólogos revelaram um fato interessante: a fortaleza nunca foi utilizada após construída.
Isto explica porque os detalhes culturais dentro da fortaleza eram muito pobres. Mas ainda não há pistas sobre o que era exatamente Por-Bajin, quando foi construída e por que a fortaleza foi abandonada.
Depois disso, veio a metodologia científica: a datação por radiocarbono e o “evento Miyake”. Em 2012, a renomada revista científica Nature publicou um artigo de cientistas japoneses que conseguiram especificar a data de anéis de um cedro de 1.800 anos e encontraram em um salpico do conteúdo de radiocarbono na atmosfera do ano de 775.
Este salpico estava ligado a uma erupção solar anômala e se refletiu em nível celular. O fenômeno ficou conhecido como "Evento Miyake" (em homenagem ao primeiro autor do artigo) e é usado até hoje em escavações.
Os cientistas russos decidiram aplicar esse conhecimento em seus estudos e, em 2018, entraram em contato com um dos principais laboratórios de análise de radiocarbono do mundo, localizado na Universidade de Groningen, na Holanda.
"Enviamos três toras de lariço das paredes de Por-Bajin para Groningen. Foi escolhida para o estudo uma com a casca da árvore bem conservada e, nela, no terceiro anel da casca, foi encontrado o ‘evento Miyake’. Um estudo do anel mais jovem, em nível celular, permitiu aos dendrocronologistas de Groningen determinar que a árvore tinha sido derrubada no verão. Isto estabeleceu não apenas o ano, mas também a estação do início da construção: o verão do ano de 777", disse Andrêi Panin, vice-diretor do Instituto de Geografia da Academia de Ciências da Rússia.
De acordo com os arqueólogos, a construção durou dois verões. Naquela época, o governante que estava no poder levou a cabo uma reforma religiosa que impunha a adoção do Maniqueísmo. Em 779, houve um golpe de Estado anti-Maniqueísmo no Caganato: o governante foi morto e suas inovações foram abolidas. Isso revela muito do mistério da fortaleza.
"Segundo o conjunto de dados coletados, sugeriu-se que o objetivo da construção não era defensivo, como se pensava anteriormente, mas de culto: era um mosteiro maniqueísta. Se o mosteiro foi construído antes do golpe, os governantes de antes do golpe simplesmente não tiveram tempo de usá-lo, e os novos não precisavam mais dele: isto explica o principal mistério do Por-Bajin, a ausência de traços de uso do local", diz Andrêi Panin.
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