Como os antigos eslavos explicavam os assuntos do universo?

História
ALEKSANDRA GÚZEVA
Os ancestrais dos russos não entendiam os complexos textos da Igreja e tentavam explicar todos os fenômenos da natureza por meio de contos e folclores mais simples.

A mitologia pagã eslava tinha suas próprias explicações sobre importantes questões cosmogônicas e antropológicas: como o mundo e vários fenômenos naturais se originaram, de onde veio o humano e por que ele é assim. A mitologia eslava era parecida com a da Escandinávia e a da antiga Índia.

Na Rússia Antiga (também chamada de Rus Antiga) o deus principal era Perun, deus do raio e da tempestade, patrono, padroeiro e protetor dos príncipes. Perun trazia a chuva, que tornava o solo fértil, mas também podia destruir uma árvore com um relâmpago.

Perun vivia no céu e tinha um conflito com Veles, que vivia na terra e cuidava da agricultura e da pecuária, patrocinava as relações monetárias e comerciais. Acredita-se que, após a adoção do cristianismo, as "funções" de Veles teriam sido assumidas por São Nicolau de Mira, que se tornou um dos santos mais queridos da Rus Antiga e o santo padroeiro da Rússia.

Na Rússia, apareceram variações puramente russas da imagem de Nicolau, e muitos se esqueceram que ele foi um dos primeiros santos cristãos de Bizâncio, que não tinha nenhuma relação com os eslavos.

Khors era o deus do sol, Dajbog era o deus da fertilidade, Stribog era o deus do vento e do ar. Havia também uma divindade feminina, Mokoсh, a padroeira das mulheres, principalmente das mães. Mokoch também era a deusa da tecelagem e do artesanato.

Cristianismo e uma nova visão do mundo

No final do século 10, a Rus Antiga adotou o cristianismo. No entanto, os complexos textos sagrados eram inacessíveis à maioria das pessoas. Os sacerdotes explicavam os textos gregos durante os cultos, mas, na maioria dos casos, apenas as partes que eles entendiam e conseguiam traduzir para o russo.

Depois de perder seus deuses e ídolos pagãos, muitos ainda precisavam de respostas para as questões mais importantes da vida e explicações de fenômenos naturais. As pessoas não aceitavam a simples explicação da Igreja de que tudo acontece por vontade de Deus, eram necessários exemplos mais ilustrativos de como as coisas funcionavam na Terra.

Além disso, até o século 17 a Rússia se ocupou em conquistar novos territórios dos Urais e da Sibéria, onde a população indígena ainda era pagã e transmitia sua ideia de mundo, homem e deuses. Muitas superstições, crenças populares sobre demônios e o poder dos fenômenos naturais existem na Rússia até hoje. Muitos feriados ortodoxos foram "adaptados” às tradições pagãs, como, por exemplo, a Maslenitsa, uma celebração eslava antiga que chegou da cultura pagã e foi preservada após a adoção do cristianismo.

A Igreja Ortodoxa Russa incluiu a Maslenitsa em suas celebrações, chamando-a de Semana do Queijo ou Semana sem Carne, uma vez que ela antecede o início da Grande Quaresma.

Também começaram a aparecer contos orais, que misturavam novos conceitos cristãos com os antigos motivos mitológicos e folclóricos. Uma resposta escrita às perguntas do povo é o Livro Profundo, chamado mais frequentemente de Livro dos Pombos — já que a pomba era símbolo do Espírito Santo e da paz.

Livro proibido responde perguntas do universo

O Livro dos Pombos é apócrifo, e por ler tais textos uma pessoa era declarada herege e podia ser punida. Foi exatamente o que aconteceu com São Abraão de Smolensk, que viveu entre o final do século 12 e o início do século 13. Ele foi expulso do mosteiro e julgado publicamente pelos hierarcas da igreja por ler os livros apócrifos e por realizar sermões "astutos", que atraíam muitas pessoas.

Não se sabe exatamente quando o "Livro dos Pombos" apareceu. As primeiras versões escritas encontradas datam do século 17, mas os cientistas acreditam que o texto tenha sido escrito antes, no final do século 15. É um verso muito parecido com os contos épicos do folclore.

O livro tem três partes. A primeira descreve a aparência do livro. Supostamente, um livro enorme teria caído do céu, muita gente foi vê-lo, mas todos tinham medo de se aproximar. O livro se abriu sozinho assim que o sábio rei David Evseevich se aproximou dele (provavelmente, o rei bíblico Davi esteja criptografado aqui). Ele diz ao povo que foi Cristo quem escreveu o livro e o profeta Isaías quem o leu.

Na segunda parte, as pessoas pedem a David que encontre no livro as respostas para suas perguntas "sobre a vida" e o que deu origem a certos fenômenos: o sol, a chuva, as nuvens, as estrelas, as noites e assim por diante. Além disso, também existem questões espirituais: como surgiu a mente e os pensamentos.

David explica que o Sol é a face de Deus, o vento vem do Espírito Santo, a chuva vem das lágrimas de Cristo, os pensamentos vêm das nuvens do céu. Além disso, de acordo com o livro, o tsar russo é o mais importante de todos os reis porque representa a fé cristã e a Rus é a mãe de todas as terras.

Ele também fala sobre Jerusalém, sobre como Cristo foi crucificado, mas ao mesmo tempo menciona coisas bastante folclóricas: um peixe-baleia, um pássaro stratim e uma besta indrik, rei de todos os animais.

A terceira parte do livro conta o sonho de David, no qual ocorreu a luta entre a Pravda (verdade) e a Krivda (mentira). A verdade venceu e foi para o céu, para Cristo, enquanto a mentira se espalhou pela terra e deu luz a todos os problemas e as pessoas "erradas".

David também reconta as duas histórias bíblicas sobre a criação do mundo e sobre como Eva foi enganada pela serpente.

De fato, o “Livro dos Pombos” criou a base para a autoconsciência ortodoxa nacional e o pensamento filosófico.

O conteúdo do "Livro dos Pombos" foi transmitido oralmente de geração para geração. O poeta Nikolai Zabolôtski no poema "Livro dos Pombos", de 1937, escreveu que essa "história meio esquecida dos bisavôs" lhe era familiar desde a infância.

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