Todos consideravam Iúri (também grafado como Yuri) Knórozov uma pessoa silenciosa e excêntrica. Ele falava pouco sobre si e era conhecido como um gênio místico. Inúmeros boatos e histórias mais incríveis circulavam sobre ele.
Ele amava os gatos e, em todos os artigos científicos, tentava publicar um retrato com sua querida gata Aspid, incluindo o bichano até mesmo como coautora das obras — mas os editores sempre deletavam a informação.
Iúri também adorava misticismo, escreveu uma monografia sobre xamanismo, estudou a relação do povo indígeno russo Ainu com os índios, trabalhou na decifração da escrita da Ilha de Páscoa e da língua proto-indiana.
Assim, no início dos anos 1990, quando visitou o México, o já idoso Iúri Knórozov foi recebido como uma estrela: qualquer criança o conhecia — embora poucos na própria pátria tivessem ouvido falar dele.
Isso aconteceu porque Knórozov conseguiu resolver o principal enigma da América: ele decifrou o código maia, algo que todos os cientistas do mundo de língua espanhola tentaram fazer, sem êxito, por vários séculos.
‘Criança da época de Stálin’
Knórozov nasceu em 1922 e era proveniente de uma família de intelectuais russa de Kharkov. Ele sobreviveu à severa fome do Golodomor na Ucrânia soviética, na década de 1930, e posteriormente foi declarado inapto para o serviço militar.
Iúri era um estudante do segundo ano na faculdade de história da Universidade de Kharkov quando a cidade foi ocupada pelos nazistas. Pouco se sabe sobre a vida de Knorozov durante a ocupação, já que nos tempos soviéticos não era costume falar sobre essa página dolorosa da história, sendo melhor esquecer disso completamente.
Após a ocupação, toda a família de Iúri se mudou para Moscou, e ele, com muita dificuldade, foi transferido para a Universidade de Moscou, onde passou a estudar etnografia.
O governo soviético sempre suspeitava que os habitantes dos territórios ocupados fossem cúmplices dos nazistas, por isso Knórozov foi proibido de entrar na pós-graduação ou viajar ao exterior. "[Eu era] uma criança típica da época de Stálin", disse Knórozov sobre si certa vez em entrevista, em tom de brincadeira.
De Moscou, ele se mudou para Leningrado (atual São Petersburgo) onde, com um empurrãozinho de seus professores, foi contratado pelo Museu de Etnografia dos Povos da URSS. Ele vivia como um asceta, e sempre na pobreza.
Ali, ele recebeu um pequeno quarto no prédio ao lado do museu e usava as mesmas modestas roupas todos os dias. Knórozov dividia escritório com outros cientistas e, cercado por pilhas empoeiradas de livros na mesa, quando tinha tempo livre buscava resolver os principais mistérios da humanidade.
O segredo para o enigma dos maias
Ainda em Moscou, Knórozov encontrou um artigo do cientista alemão Paul Schelhas, que argumentava que decifrar a escrita maia era uma missão impossível. O jovem cientista tomou isso como um desafio.
“O que é inventado por uma mente humana pode ser decifrado por outra mente humana”, disse Knorozov mais tarde em uma entrevista. Assim, Knórozov se tornou o primeiro e único cientista russo-soviético a trabalhar na decifração do código maia.
Ainda na Universidade de Moscou, Knórozov trabalhava com o arquivo de despojos de guerra da Alemanha e, entre os documentos da Biblioteca de Berlim, descobriu uma edição de três “códigos maias” manuscritos publicados em 1930 e um outro documento muito importante: o “Relatório de Assuntos no Yucatan”, do século 16.
Ele fora escrito pelo bispo católico Diego de Landa após a conquista espanhola do México e dos maias. O bispo relatava ali sobre a cultura e a escrita dessa civilização, esboçava cerca de 30 hieróglifos e até propunha sua própria versão do alfabeto maia usando o alfabeto latino.
"Meu primeiro passo foi usar as chamadas estatísticas posicionais. O método consiste em contar os caracteres que ocupam determinada posição. O objetivo da técnica é descobrir quais caracteres e com que frequência aparecem em determinados lugares, digamos, no final ou no início de uma palavra, e não seu número em geral", disse Knorozov em entrevista ao jornal soviético “Vetcherni Leningrad” sobre o seu método matemático.
Depois de estudar os documentos, ele percebeu que cada signo maia era lido como uma sílaba e propôs um sistema de leitura de toda a língua.
Em 1952, o cientista publicou o artigo "Escrita antiga da América Central" em uma revista etnográfica, onde explicava seu método. O trabalho despertou grande interesse nos círculos científicos, e Knórozov recebeu uma proposta para escrever uma dissertação sobre o tema.
Durante a defesa de sua dissertação, o professor orientador de Knórozov requereu que seu aluno recebesse o título de “doutor em ciências” (“doktor nauk”, que na Rússia não é equivalente ao doutorado no Brasil, e sim mais avançado), pulando assim a necessidade de conseguir antes o título de “candidato em ciências” (kandidat nauk) — algo extremamente raro para a ciência soviética.
A decifração da escrita maia permitiu o acesso a muitas informações totalmente novas sobre a antiga e misteriosa civilização e um estudo aprofundado de sua cultura e modo de vida, que eram de incrível interesse para todo o mundo, especialmente para os espanhóis.
Estrela na América Latina
Depois que o artigo de Knorozov "O Mistério dos Maias" foi publicado na revista "União Soviética", em 1956, a comunidade internacional soube de sua conquista e o cientista publicou uma monografia sobre a escrita maia, participando também do Congresso de Americanistas em Copenhague, onde fez uma apresentação sobre sua descoberta.
Estudantes mexicanos, cientistas e até políticos, entre eles, o presidente da Guatemala, começaram a visitar Leningrado para conhecer Knórozov, que, para além de Copenhague, não tinha tido mais permissão para deixar a URSS.
Na década de 1970, Knórozov publicou uma tradução dos textos maias disponíveis. Por seus méritos científicos, recebeu o Prêmio de Estado da URSS.
O sonho de Knórozov de ver os escritos maias ao vivo se tornou realidade apenas após a queda da URSS, na década de 1990, ou seja, 40 anos após sua descoberta. O cientista viajou para a Guatemala a convite pessoal do presidente e, depois, visitou o México três vezes.
Assim, ele finalmente visitou pela primeira vez os principais monumentos arquitetônicos dos maias. Por seu trabalho na pesquisa da cultura maia, o cientista recebeu a Ordem de Quetzal (1990), a mais alta condecoração da Guatemala, e Ordem da Águia Asteca (1994), no México. O acadêmico morreu em 1999, em decorrência de um acidente vascular cerebral.
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