Como Moscou reluziu para a coroação de Nicolau 2º

História
SÓFIA SABÍTOVA
“Luz sem fogo” e pequeno sol – esses foram os primeiros nomes que os russos deram com espanto aos aparelhos elétricos de iluminação. Não fazia nem um quarto de século desde o aparecimento da primeira lâmpada na Rússia quando a eletricidade despertou interesse no Palácio de Inverno.

“De repente, da escuridão nos mudamos para uma rua com iluminação forte. Em dois postes de luz, lâmpadas de querosene foram trocadas por lâmpadas incandescentes, emanando luz branca brilhante. As pessoas reunidas, com espanto e surpresa, admiravam este fogo do céu, a luz sem fogo, como foi logo apelidado pelos habitantes de São Petersburgo”, disse um contemporâneo sobre o primeiro teste público de lâmpadas na Rússia.

Em 1873, o cientista russo Aleksandr Lodiguin acendeu as luzes da rua Odesskaya, em São Petersburgo, para garantir que sua invenção funcionaria corretamente. 

Naquela época, ninguém poderia imaginar que este evento seria o prenúncio de uma nova etapa no desenvolvimento da iluminação do país.

Tudo começou com uma lâmpada

Após a demonstração, o nome de Lodiguin ficou conhecido em todo o mundo. Aproveitando a onda de seu sucesso, ele fundou a Companhia de Luz Elétrica, A.N. Lodiguin e Co. Sua equipe estabeleceu metas ambiciosas: primeiro iluminar distritos específicos, e depois toda a cidade de São Petersburgo. Mas os empresários locais, engajados nas indústrias de iluminação a gás e a óleo, não queriam desistir de seus negócios lucrativos.

Além disso, Aleksandr Lodiguin era impopular entre as autoridades: era sabido que ele simpatizava com os revolucionários.

Paralelamente, outro cientista russo, chamado Pável Iablotchkov, estava trabalhando em dispositivos de iluminação. Ele projetou uma vela elétrica que oferecia maior iluminação em comparação com a lâmpada de Lodiguin. Para demonstrar seu feito, a empresa de Iablotchkov se sentiu obrigada a fazer um show em uma escala ainda maior do que Lodiguin.

A chance veio em 1879, quando a Ponte Liteini foi inaugurada em São Petersburgo e os “acendedores de gás” locais não receberam permissão para iluminá-la – ela foi para Iablotchkov. Apesar do sucesso dessa iluminação, Iablotchkov não conseguiu ganhar nada com sua invenção na Rússia – sua empresa rapidamente faliu. Mas a iluminação elétrica enfim entrou na vida de São Petersburgo. “À noite, as luzes da rua ganhavam vida sem a ajuda do acendedor de lâmpadas, de uma só vez ao longo de toda a Nevsky Prospekt e da rua Bolshaya Morskaya; primeiro, algo estalou e cintilou ligeiramente dentro delas. Então, esses ovos branco-leitosos ficaram um pouco roxos e pensativos, como se um zumbido sugestivo de abelha caísse sobre os transeuntes junto com essa luz vagamente roxa e trêmula”, foi assim que o autor russo Lev Uspenski descreveu os primeiros postes elétricos.

Como os estrangeiros iluminaram a Rússia

No século 19, a Rússia era cada vez mais visitada por empresários estrangeiros, que viam um novo mercado no país gigante. Ernst Werner von Siemens, um engenheiro alemão, recebeu uma ordem do governo russo para estabelecer linhas telegráficas para conectar a Rússia e a Europa. Depois de fundar uma subsidiária russa chamada  ‘Siemens & Halske’ com seus irmãos, ele começou a botar a mão na massa. Werner decidiu desenvolver seu negócio na Rússia sem o uso de peças importadas, devido às altas taxas alfandegárias.

Em 1882, a ‘Siemens & Halske’ apresentou as amostras de seus produtos na Exposição de Arte e Industrial de Toda a Rússia em Moscou. Um trenzinho em uma ferrovia elétrica em miniatura percorria os pavilhões de exposições; o imperador Aleksandr 3º e sua família fizeram vários passeios a bordo dele.  O imperador ficou tão feliz que todos os produtos expostos haviam sido feitos na Rússia que imediatamente concedeu à Siemens o título de Fornecedor da Corte de Sua Majestade, bem como o direito de usar a águia de duas cabeças como marca registrada.

Vários meses depois, Aleksandr 3º ofereceu à empresa dos irmãos Siemens para organizar uma iluminação elétrica no dia de sua coroação, marcada para 15 de maio de 1883. Um gerador móvel construído especialmente para a ocasião deveria fornecer energia para o  Kremlin de Moscou e o Campanário Ivan, o Grande – e a coroação foi um grande sucesso. No relatório oficial lia-se: “As pessoas ficaram em silêncio ao longo da margem do rio; muitos sentaram-se nos degraus que desciam para o rio Moscou e, como que encantados, assistiram em silêncio a esta exibição celestial... Como rubis, esmeraldas e diamantes, as luzes brilhavam nas torres altas; todo a lateral da margem, oposta ao Kremlin, transformou-se em uma longa cadeia de guirlandas douradas; doze fontes altas, saindo do próprio pavimento, brilhavam com luzes do arco-íris. Placas ao redor brilhavam com luxuosos monogramas, escudos e inscrições. O Kremlin – este poderoso e nobre bogatir [herói ou poderoso cavaleiro], aguardava a sua vez. Milhões de luzes apareceram em suas cúpulas douradas e atestaram solenemente a grandeza e a santidade do dia que se passava…”

Em 1886, os irmãos Siemens fundaram a “Sociedade de Iluminação Elétrica” – uma empresa que logo se tornou a principal empresa de iluminação elétrica na Rússia. No entanto, por muito tempo, a sociedade conservadora russa não podia admitir que uma nova era de iluminação estava emergindo. Muitos lutaram contra a eletrificação em massa, apelando para o seu alto custo. Mas os comerciantes de Moscou viram uma mina de ouro na iluminação elétrica, ao exibir lâmpadas nas vitrines de suas lojas e em cartazes publicitários. Isso despertou entusiasmo entre as massas, e muitos passaram a visitar essas casas comerciais. Alguns estabelecimentos culturais também apostaram na eletricidade. Ao introduzir luzes elétricas em suas apresentações, o Teatro de Drama Russo Korsh alcançou o impensável – os visitantes fiéis do famoso Bolshoi começaram a visitar as performances do Korsh com mais frequência, justamente para admirar suas novidades elétricas.

Dois anos após a fundação da Sociedade de Iluminação Elétrica foi inaugurada a primeira usina em Moscou – a usina Georgievskaia. Pelos padrões modernos, sua capacidade era bem modesta: apenas 10 kW (a capacidade da usina mais antiga de Moscou, Primeira Usina Elétrica Estatal em homenagem a P.G. Smidovitch, é, atualmente, de 86 MW). Mas, para o Império Russo no final do século 19, foi um verdadeiro avanço.

Um buquê elétrico

A família imperial, por sua vez, acompanhava de perto o trabalho da empresa dos irmãos Siemens. O futuro imperador Nicolau 2º entendeu claramente quem seria responsável pela iluminação durante sua coroação e não duvidou de sua escolha nem por um segundo. 

O evento significativo para o Império Russo aconteceu em 1896. A sociedade russa jamais tinha visto uma coroação tão brilhante antes. Em segundos, o Kremlin se iluminou inteiro com milhares de lâmpadas; parecia que todo o país podia enxergar essa luz.

Como lembrou o general Vladimir Djunkovski mais tarde, “… a iluminação do Kremlin acendeu em um instante – o exato instante em que Sua Majestade aceitou um buquê de flores elétricas. O buquê se acendeu e, ao mesmo tempo, todo o kremlin se vestiu com luzes elétricas coloridas, como se desenhadas por um pincel de fogo contra o céu escuro…”

O início bastante rápido da eletrificação no país já anunciava o uso generalizado de eletricidade em um futuro próximo. Mas o Império Russo não estava pronto para tantas inovações. O país não tinha grandes usinas elétricas que pudessem criar um sistema energético centralizado. Os membros da Sociedade de Iluminação Elétrica começaram os trabalhos planejando construir usinas termelétricas e hidrelétricas por toda a Rússia.

Contando apenas as usinas hidrelétricas, em 1914, a Rússia contava com cerca de 80 em operação. No entanto, a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Bolchevique no início do século 20 forçaram a Siemens a deixar a Rússia. A eletrificação continuou sendo um problema premente – mas que agora deveria ser enfrentado pelas autoridades bolcheviques.

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