O líder soviético que deu um apartamento a cada família

Kira Lissítskaia (Foto: Iúri Skuratov/Sputnik; Getty Images)
O recente lançamento de um apartamento de 10 m2 em São Paulo custando mais de 200 mil reais gerou burburinho... Mas e se ele fosse de graça e conferisse 12 m2 a cada habitante? Foi isto o que Khruschióv fez com sua construção massiva de “khruschióvkas”, nas décadas de 1950 e 1960, tirando muita gente da calça justa de morar com outras famílias em um mesmo “apê”.

Ao viajar pela Rússia e percorrer cidades a milhares de quilômetros de distância, mesmo um turista desavisado perceberá os prédios habitacionais de cinco andares e arquitetura simples. Todos esses edifícios, feitos com painéis de concreto ou de tijolos, foram construídos durante o mandato do líder soviético Nikita Khruschov e ficaram conhecidos, por isso, como “khruschióvkas”.

Hoje, a maioria dos russos critica esses prédios: os apartamentos são pequenos, os tetos são baixos, não há elevador, eles estão totalmente fora de moda. No entanto, foram esses prédios de apartamentos simples que fizeram, literalmente, uma revolução na mente do povo soviético. Nas “khruschióvkas”, todos finalmente ganharam o direito ao seu próprio espaço e a uma pitada de liberdade.

Stálin e os apartamentos coletivos

Antes do início da construção generalizada de “khruschióvkas”, a URSS enfrentava um problema habitacional grave: a industrialização levou a um fluxo crescente de mão de obra do campo para as cidades.

A tarefa de se livrar dos dormitórios temporários e cabanas de madeira foi resolvida com relativo sucesso. A maioria da população mudou-se para as “stálinkas”, os prédios construídos entre 1933 e 1961. Os edifícios da era Stálin eram construídos não só para a elite soviética, mas também para os cidadãos comuns.

Construção de “stálinkas”.

O problema é que era quase impossível conseguir um apartamento sozinho nos novos prédios. As “stálinkas”, prédios com 5 a 11 andares, geralmente tinham apartamentos coletivos, conhecidos como “apartamentos comunais”. Isso significa que várias famílias viviam em um só apartamento, cada uma ocupando um ou mais quartos.

A cozinha, o banheiro e o corredor eram compartilhados, o que gerava problemas entre os moradores. Os soviéticos daquela época se lembram bem das filas para o banheiro, do tempo limitado para usar o chuveiro, de vizinhos barulhentos ou excessivamente rígidos, do cheiro de comida da cozinha e da falta de espaço pessoal.

Cozinha de

Muitos desses conflitos levavam à violência física ou tentativas de se livrar dos vizinhos através de denúncias, reclamações e intrigas que poderiam acarretar na prisão dos coinquilinos.

Khruschióvkas’ gratuitas

Novo distrito residencial da Moscou de Khruschov.

Após a morte de Stálin, em 1953, o governo prometeu acabar com a escassez de moradias em 20 anos. Para implementar este ambicioso plano, foram desenvolvidos projetos de construção de edifícios de baixo custo, as “khruschióvkas”. A ergonomia vinha em primeiro lugar, uma cozinha de cinco metros quadrados foi desenvolvida com base na análise dos movimentos da pessoa que cozinhava durante a preparação de um conjunto básico de refeições.

A norma de espaço vital para cada pessoa era de 12 metros quadrados. Assim, dependendo do número de membros da família, foram distribuídos apartamentos de um, dois e três quartos, cuja área atingia 58 metros quadrados.

Construção de

“Meu primeiro pensamento foi: quanto espaço! Duas grandes salas e nossa própria cozinha! Agora vejo que é pequena, mas naquele momento nos pareceu grande! E sempre tem água quente”, lembra a moscovita Marina Tsigankova.

Uma “khruschióvka” era construída em apenas 12 dias, o que possibilitava a rápida mudança de milhões de pessoas para moradias individuais. Além disso, a velocidade da construção não era sinônimo de baixa qualidade: as “khruschióvkas” de tijolos e blocos ainda hoje são habitáveis — apesar de algumas “khruschióvkas” de painéis de concreto terem começado a desmoronar após 30 anos de uso.

Transporte de bloco de concreto.

Todos os apartamentos nas “khruschióvkas” eram completamente gratuitos, e o tamanho era calculado de acordo com o número de pessoas da família — era preciso apenas esperar sua vez na fila.

“Eu morava com os meus pais em um ‘apartamento comunal’ para três famílias. Quando ganhamos um apartamento separado de dois quartos em uma ‘khruschióvka’ de tijolos, ficamos absurdamente felizes. Eu ganhei um quarto só meu, mesmo que ele fosse pequeno. E a minha mãe ficou muito feliz em não ter mais que dividir o banheiro e cozinha com outras famílias", conta o moscovita Vladímir Orlov.

Kvartirnik, a “festa lá no meu apê” soviética

Construção de

Os apartamentos nas “khruschióvkas” foram recebidos pelos soviéticos como uma oportunidade de escapar do desconforto da vida nos “apartamentos comunais”, mesmo que o antigo modo de vida impedisse a solidão.

Conjunto de móveis de cozinha na exposição

Khruschov conseguiu mudar completamente aquele cenário: as novas e confortáveis habitações despertaram um ímpeto individualista no homem soviético, que passou a poder organizar tudo como quisesse, fazer o que quisesse e não pedir permissão a ninguém.

Interior típico de uma

Junto com os novos prédios, surgiu um novo fenômeno cultural: o "kvartirnik”, ou seja, os pequenos shows secretos organizado em apartamentos para grupos pequenos — já que muitas bandas e artistas estavam proibidos de se apresentar ao público.

As pequenas cozinhas das

Muitos músicos que mais tarde se tornaram estrelas na URSS se apresentavam inicialmente nesses showzinhos, como, por exemplo, Vladímir Vissótski e Viktor Tsoi. 

Família em apartamento próprio.

Assim, o surgimento da “khruschióvka” também criou uma nova forma de contracultura. Coincidência ou não, a construção das “khruschióvkas” ocorreu no período do “degelo”, quando o governo soviético aliviou a censura e eliminou os campos de trabalho forçados.

As festas no apê foram consideradas uma das novas formas de contracultura.

Hoje, as “khruschióvkas” ainda podem ser encontradas em todos os países do espaço pós-soviético — e também na Alemanha e em Cuba. Muitos desses prédios precisaram ser demolidos, mas muitos são sólidos e amados por seus moradores, que não querem ir para novos prédios, apesar das exigências das autoridades locais e dos riscos envolvidos.

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