O que são os “cantos vermelhos” nas casas russas? 

História
EKATERINA SINELSCHIKOVA
Tradição do local mais sagrado da casa remonta ao século 10.

Em nenhuma izbá (tradicional casebre russo) poderia faltar um “canto vermelho”, o lugar mais sagrado da casa, onde eram colocados os convidados mais importantes. Era ali onde também ocorria a “compra” da noiva e era o primeiro lugar aonde iam todos aqueles que cruzavam a soleira da casa. Mas, afinal, o que é esse canto vermelho?

Por que o canto é vermelho?

Originalmente, a palavra “vermelho” na Rússia significava “bonito” (motivo pelo qual a praça principal de Moscou também foi chamada de Vermelha). Igualmente, o canto mais limpo e arrumado da casa, pois ali ficava a iconóstase do lar, era também chamado de “vermelho”.

Os primeiros “cantos vermelhos” apareceram nas casas de campo russas após o “batismo” da Rússia (acredita-se que o país eslavo foi batizado no verão de 988, mas esta data é formal – um processo tão complexo teria levado muitos anos). Se até este momento, durante o paganismo, o local sagrado da casa era o forno, após a mudança de religião, este local tornou-se também um recanto para colocar os ícones, que eram posicionados de acordo com a hierarquia eclesiástica, como na iconóstase da igreja.

A escolha do canto era determinada por dois fatores: o ponto cardeal e a localização do forno, que continuava desempenhando um importante papel espiritual. O canto vermelho sempre era situado no sul, leste ou sudeste da sala, e nunca no oeste ou norte, que estavam associados à morte e a impurezas. Além disso, o canto deveria estar na diagonal da cozinha, de modo que a primeira coisa que todos vissem ao entrar fossem os ícones.

Significado

A atitude especial para com os ícones refletia-se nos rituais mais importantes: maternidade, casamento e funeral. Por exemplo, quando era realizada uma cerimônia de despedida em casa, a cabeça do falecido era posicionada na área de iconóstase. Na Rússia, acreditava-se que as almas dos ancestrais também ficavam ali nos dias de lembrança.

Era também nesse canto que se realizava a busca por um namorado ou seu “resgate”. E quando a noiva saía de casa para se mudar com o noivo, ela era levada para o canto.

Um homem que cruzava a soleira da casa virava-se primeiro para os ícones e benzia-se, depois cumprimentava os donos. É como diz o provérbio russo: “Sem Deus, não há porta”; isto é, primeiro você deve respeitar a Deus e depois o dono da casa.

Nos feriados, não havia lugar na casa mais enfeitado do que o “canto vermelho”. Era decorado com flores frescas, velas e mantos. Este último tinha um significado especial.

Por que os ícones eram cobertos com mantos?

A antiga tradição de decorar imagens sagradas com mantos remonta a uma lenda bíblica sobre um dos milagres de Jesus. Segundo relatos, o rei Abgar de Edessa, que sofria de lepra, enviou seus servos a Cristo com o pedido de que fosse curado. Mas Jesus pediu apenas um jarro de água e um lenço. Ele lavou e enxugou o rosto, que ficou impresso no pano. Os servos do rei trouxeram o lenço a Abgar, e o rei foi imediatamente curado ao tocá-lo. O sudário foi preservado como relíquia, mas acabou sendo perdido na Idade Média.

O manto com o qual os ortodoxos cobrem os ícones é chamado de manto divino ou bojnitsa. É uma toalha longa e estreita com bordados vermelhos e pretos apenas nas pontas. Nos dias de semana, os ícones são cobertos com um manto comum, e nas festas, com ornamentados.

Existem “cantos vermelhos” nas casas de hoje?

Sim, em algumas famílias ortodoxas, esta antiga tradição ainda é seguida. Obviamente, tornou-se mais difícil escolher um local para o “canto vermelho” de acordo com todas essas regras – nas casas modernas não há fornos (mas ainda podem ser encontrados, por exemplo, nas aldeias), e o layout nem sempre permite escolher um canto do lado da luz.

No entanto, muitos ainda tentam colocar uma pequena iconóstase no local mais digno da casa, onde se reúnem familiares e convidados – geralmente, o canto direito da sala de estar.

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