Como Fidel Castro conquistou a URSS

Vladímir Savostyanov/TASS
Extrato do livro ‘Fidel Castro. Biografía de um patriota’, de Maksim Makáritchev, oferece uma amostra da viagem do líder cubano pelo vasto território soviético.

Durante a crise dos mísseis em 1962, que durou 13 dias, Fidel Castro sequer pregou os olhos. Saiu devastado, quase à beira de um colapso nervoso. Ele não podia perdoar Khruschov pelo destino de Cuba estar sendo decidido pelas suas costas, em uma troca de correspondência secreta entre o líder soviético e Kennedy.

O que enfureceu Fidel foi que Khruschov não lhe contou pessoalmente a decisão de retirar os mísseis da ilha. Khruschov deveria ter dito: “Esse problema precisa ser discutido também com os cubanos... Foi então que nossas relações com a União Soviética pioraram. Este conflito afetou nosso relacionamento por muitos anos”, escreveu Fidel alguns anos depois.

Os líderes soviéticos decidiram atenuar a situação e convidaram Fidel para uma visita à URSS. Em 26 de abril de 1963, o líder cubano partiu para a URSS em sigilo. O avião que o levava deixou clandestinamente Havana e não pousou na capital soviética, mas em Murmansk, no norte. A primeira coisa que Fidel fez ao chegar ao país eslavo foi seguir rumo à base de submarinos soviéticos em Severodvinsk.

Dentro de um submarino

O líder cubano visitou pessoalmente um submarino. Os militares soviéticos chegaram a colocar um míssil atômico em posição de ataque para mostrar as capacidades do dispositivo. Fidel ficou surpreso com o potencial da tecnologia militar soviética.

A rota de Fidel pelo território da URSS, bem como as datas de sua chegada às cidades, foram mantidas em segredo. Durante os 38 dias da viagem de Fidel pela URSS, do final de abril ao início de junho, ele percorreu de Severodvinsk a Samarcanda, algo que jamais havia sido feito por nenhum líder estrangeiro, nem mesmo soviético.

Em Volgogrado e Murmansk, em Tachkent e Bratsk, em Leningrado e Kiev, em todos os lugares, esse homem barbudo de óculos e vestido com uma túnica cor de azeitona foi recebido com tanto carinho e amor que Fidel Castro continuou a lembrar a surpreendente hospitalidade do povo soviético anos depois.

Passeio improvisado por Moscou

O rosto do líder cubano se iluminava ao visitar cada nova cidade ou fábrica. Nikolai Leonov, seu tradutor pessoal, relembra inúmeras anedotas que ocorreram durante a viagem. “Deram-lhe um quarto no Kremlin. Lembro-me que certa vez à noite, por volta das 11 horas, ele me disse: ‘Vamos passear por Moscou’, diz Nikolai Leonov. “Digo a ele que não temos escolta, mas ele insiste: ‘Quero caminhar por Moscou’”.

Só tenho tempo de avisar o oficial de plantão, ele também fica mudo, mas Fidel já está preparado para o passeio. Nós três saímos pelo Portão Borovitskaya. Era quase meia-noite. Passamos pela primeira parada do trólebus.

As pessoas olham estupefatas, ninguém acredita que está vendo Fidel, transformado em lenda viva. Minutos depois gritos de alegria são ouvidos na rua e mais pessoas nos cercam...

Quando chegamos à Praça Manezhnaya (ao lado do Kremlin), já são centenas de pessoas, e a multidão segue crescendo, todos estão animados e felizes... Quando chegamos ao hotel Moskva, já são milhares de pessoas nos rodeando e cada vez há mais pessoas correndo em nossa direção. O oficial da guarda fica horrorizado.

“Parecia que o público estava disposto a tirar um pedaço de Fidel... de felicidade. O oficial conseguiu entrar no hotel pela janela e pediu reforços por telefone. Finalmente conseguimos romper o cerco e nos esconder da multidão, exaltada e feliz.”

Um urso de presente

No Lago Baikal, Fidel se hospedou na casa de geólogos e passou horas conversando com eles. Ele adorava o grayling, o peixe mais popular do lago. Aprendeu rapidamente a beber no gargalo quando faltavam copos.

De repente, um jovem carregando um filhote de urso apareceu na casa dos geólogos. Ele contou ter vindo de Irkutsk pela taiga para ver Fider e inesperadamente “cruzou com o próprio comandante”. Eles se cumprimentaram, conversaram, e o jovem perguntou a Fidel se aceitava um ursinho de pelúcia de presente.

Depois de hesitar um pouco, Fidel aceitou. Ele já conhecia a generosidade da alma russa. Eles decidiram nomear o urso com o nome do lago. Então colocaram Baikal em uma jaula especial e ele partiu com Fidel.

Baikal voltou a Cuba junto com seu novo dono. A vida de um urso siberiano em uma terra subtropical virou um inferno. Apesar de criarem todas as condições na residência de Fidel, o biorritmo do pobre animal foi completamente interrompido. Devido às altas temperaturas, o urso não conseguia hibernar e ficou inquieto, agressivo e morreu anos depois.

Com ou sem neve

Fidel voltou à URSS pouco tempo depois, depois de meio ano, para aproveitar o inverno russo. Levaram-no em uma troika com sinos para caçar em Zavídovo. Também o convidaram para uma partida de hóquei no gelo.

Em 2005, durante a conferência “Diálogo de Culturas”, realizada em Havana, Fidel respondeu com emoção e sinceridade quando perguntado se queria voltar à Rússia: “Se você me perguntar sobre meus sentimentos e minha vontade, sim, no verão e no inverno . ., com neve e sem neve, não importa quem estiver no comando lá — afirmou Fidel. — E agora mais do que nunca, quando as relações entre Cuba e a Rússia estão se desenvolvendo... essas relações são baseadas em um grande amor...”.

Maksim Makáritchev é escritor, jornalista, autor do livro “Fidel Castro. Biografia de um Patriota”, publicado em 2013.

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