No momento em que o príncipe Mikhaíl Golítsin se apaixonou por uma italiana em uma viagem ao Mediterrâneo, não podia imaginar que essa paixão mudaria sua vida para sempre - embora não para melhor.
O relacionamento era problemático por vários motivos. A nova mulher de Mikhaíl, como a maioria dos italianos, era católica. Por isso, ela só concordou em se casar com ele com a condição de que ele renunciasse à fé ortodoxa russa - a fé dos Romanov - e jurasse fidelidade ao Papa de Roma.
O fato de Mikhaíl ter renunciado à fé em nome do amor não agradou sua imperatriz, Anna Ivanovna (também conhecida como “Ana da Rússia”). Aos olhos da tsarina, que controladora e tinha cabeça quente, abandonar a Igreja Ortodoxa Russa era inaceitável para um homem com o status de Golítsin.
Rainha viúva
Rainha viúva
Nascida em 1693, Anna Ivanovna era filha do tsar Ivan 5° e teve uma vida amorosa complicada. Ela ficou muito animada quando a família arranjou seu casamento com Frederick William, o duque da Curlândia. Aos dezessete anos, ela escreveu ao duque: “Nada poderia me encantar mais que ouvir sua declaração de amor por mim.”
Mas o duque morreu voltando para a Letônia. Embora os historiadores continuem a debater a causa exata de sua morte, todos concordam que o duque bebia muito e que ele e o tio de Anna, Pedro, o Grande, podem ter bebido demais durante as celebrações do casamento em Petersburgo. Anna e o duque eram muito jovens para os padrões modernos de casamento: tinham 17 e 18 anos, respectivamente.
Em um país que lhe era estranho, a viúva Anna escreveu centenas de cartas para a família implorando que encontrassem um novo pretendente para ela. Cada pedido foi devidamente descartado por Pedro. Isso ocorreu, provavelmente, porque ele queria impedi-la de ter herdeiros que pudessem competir com os seus próprios herdeiros pelo trono, mas também porque ele queria que ela continuasse a chefiar a Curlândia, que a Rússia teria de deixar para trás caso Anna se casasse novamente.
Depois de vários anos tentando, sem sucesso encontrar um novo marido, Anna decidiu continuar solteira. Mas quando Pedro 2° — neto de Pedro, o Grande — morreu sem deixar filhos, foi Ana quem subiu ao trono da Rússia. O Supremo Conselho Privado, órgão executivo formado por famílias ricas, coroou sua tsarina na esperança de poder controlá-la.
Mas, como mostra a história do príncipe Mikhaíl, que deixou a religião por amor, eles estavam errados.
De príncipe a bobo
Depois que Anna cancelou o casamento de Mikhaíl, a italiana foi deportada. Apesar de Mikhaíl ficar arrasado, a tsarina não teve pena dele. Após sua volta a Petersburgo, ela o despojou de suas terras e títulos e fez dele o novo bobo da corte.
Daí por diante, Mikhaíl seria chamado apenas pelo primeiro nome, até mesmo em documentos oficiais do governo (na Rússia, é uma demonstração de respeito chamar as pessoas pelo nome e patronímico, tradição que se estende aos dias atuais). Ele passava os dias agachado sobre uma cesta ao lado da mesa de Anna servindo suas xícaras de “kvas”. Segundo algumas fontes, a cesta em que ele se sentava estava sempre cheia de ovos, que ele fingia botar, como uma galinha, para entreter os convidados.
E isso foi só o começo. Anna logo decidiu encontrar uma noiva boba da corte para ele. Ela considerou várias criadas a seu serviço e acabou escolhendo a mais feia: uma jovem corcunda chamada Avdótia que, segundo o historiador Henri Troyat, “era tão feia que até os padres tinham medo dela.”
A cerimônia de casamento deles seria uma grande festa. Em 17 de fevereiro de 1740, o infeliz casal, vestido com roupas de palhaço, oficializou a relação em uma igreja. Em seguida, eles foram colocados em cima de um elefante asiático. Seguidos por uma caravana de embaixadores de todas as etnias do Império Russo, Mikhaíl e sua noiva marcharam para seu novo “palácio”.
O palácio de gelo de Anna
O palácio destinado ao casal era todo feito de gelo. Naquele ano, o inverno bateu um recorde de frio na Rússia, e o rio Nievá congelou completamente. Por ordem de Anna, os militares passaram dias a fio transportando blocos de gelo da margem do rio, que foram usados para construir o castelo.
Como resultado, o palácio tinha 18 metros de largura e 9 de altura. Dentro havia uma escada, balaustrada e vestíbulo. As colunatas foram decoradas com estátuas esculpidas. Tudo feito de gelo.
Dentro do quarto principal, dos travesseiros e colchões à estrutura da cama e até mesmo as cortinas penduradas nas janelas, tudo era feito de gelo. Mikhaíl e Avdótia tiveram apenas alguns segundos antes de serem trancados lá dentro. Os guardas fizeram uma barricada na porta e a tsarina, ao sair, incentivou o bobo da corte a consumar o casamento antes de congelar até a morte.
Satisfeita com o banquete que havia organizado, Anna retirou-se para seu próprio palácio, feito de pedra e madeira. Mas você acha que ela sentiu algum remorso enquanto estava deitada em uma cama quente ao lado do fogo, enquanto seu bobo da corte e a noiva estavam congelando do lado de fora? “Se qualquer indício disso passou por sua mente, deve escapado muito rapidamente, sob a ideia de que isso ia de acordo com as liberdades permitidas a qualquer soberano”, escreveu Troyat em seu livro “Tsarinas Terríveis”.
O colar de pérolas
Quando a noite caiu sobre Petersburgo, não demorou muito para que Mikhaíl, preso no palácio de gelo, adoecesse. Suas roupas poderiam ter evitado o congelamento, mas o casal foi forçado a se despir antes de ser trancado no quarto. Assim, Mikhaíl começou a ter febre e a entrar e sair si.
Percebendo que o novo marido estava em perigo, Avdótia realizou um ato incrivelmente nobre. Ela ofereceu a um dos guardas a única coisa que tinha em mãos: um colar de pérolas que ganhou da tsarina como presente de casamento, o objeto mais caro que ela já teve. Ela o trocou por um casaco de pele.
O casaco manteve o casal aquecido durante a noite toda. Como resultado, eles apareceram na manhã seguinte, segundo Troyat, "apenas com o nariz escorrendo e queimaduras de frio". Mikhaíl e Avdótia foram então libertados de sua servidão como bobos da corte por Anna Leopoldovna, a sucessora de Anna. O casal continuou casado e Avdotia morreu em 1742 quando dava à luz o segundo filho.
Já Ana da Rússia morreu em 1740 devido a complicações causadas por cálculos renais. No momento de sua morte, seu palácio de gelo já tinha derretido havia muito tempo.
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