Valéri Jacobi, “Palácio de Gelo” (1878).
Museu Estatal Russo; HermitageNo momento em que o príncipe Mikhaíl Golítsin se apaixonou por uma italiana em uma viagem ao Mediterrâneo, não podia imaginar que essa paixão mudaria sua vida para sempre - embora não para melhor.
O relacionamento era problemático por vários motivos. A nova mulher de Mikhaíl, como a maioria dos italianos, era católica. Por isso, ela só concordou em se casar com ele com a condição de que ele renunciasse à fé ortodoxa russa - a fé dos Romanov - e jurasse fidelidade ao Papa de Roma.
O fato de Mikhaíl ter renunciado à fé em nome do amor não agradou sua imperatriz, Anna Ivanovna (também conhecida como “Ana da Rússia”). Aos olhos da tsarina, que controladora e tinha cabeça quente, abandonar a Igreja Ortodoxa Russa era inaceitável para um homem com o status de Golítsin.
Rainha viúva
Valéri Iakobi, "Palácio de gelo" (1878).
Museu Estatal Russo, São PetersburgoRainha viúva
Nascida em 1693, Anna Ivanovna era filha do tsar Ivan 5° e teve uma vida amorosa complicada. Ela ficou muito animada quando a família arranjou seu casamento com Frederick William, o duque da Curlândia. Aos dezessete anos, ela escreveu ao duque: “Nada poderia me encantar mais que ouvir sua declaração de amor por mim.”
Mas o duque morreu voltando para a Letônia. Embora os historiadores continuem a debater a causa exata de sua morte, todos concordam que o duque bebia muito e que ele e o tio de Anna, Pedro, o Grande, podem ter bebido demais durante as celebrações do casamento em Petersburgo. Anna e o duque eram muito jovens para os padrões modernos de casamento: tinham 17 e 18 anos, respectivamente.
Retrato de Anna Ivanovna feito por pintor desconhecido (1670-1917).
Hermitage, São PetersburgoEm um país que lhe era estranho, a viúva Anna escreveu centenas de cartas para a família implorando que encontrassem um novo pretendente para ela. Cada pedido foi devidamente descartado por Pedro. Isso ocorreu, provavelmente, porque ele queria impedi-la de ter herdeiros que pudessem competir com os seus próprios herdeiros pelo trono, mas também porque ele queria que ela continuasse a chefiar a Curlândia, que a Rússia teria de deixar para trás caso Anna se casasse novamente.
Depois de vários anos tentando, sem sucesso encontrar um novo marido, Anna decidiu continuar solteira. Mas quando Pedro 2° — neto de Pedro, o Grande — morreu sem deixar filhos, foi Ana quem subiu ao trono da Rússia. O Supremo Conselho Privado, órgão executivo formado por famílias ricas, coroou sua tsarina na esperança de poder controlá-la.
Mas, como mostra a história do príncipe Mikhaíl, que deixou a religião por amor, eles estavam errados.
De príncipe a bobo
Depois que Anna cancelou o casamento de Mikhaíl, a italiana foi deportada. Apesar de Mikhaíl ficar arrasado, a tsarina não teve pena dele. Após sua volta a Petersburgo, ela o despojou de suas terras e títulos e fez dele o novo bobo da corte.
Daí por diante, Mikhaíl seria chamado apenas pelo primeiro nome, até mesmo em documentos oficiais do governo (na Rússia, é uma demonstração de respeito chamar as pessoas pelo nome e patronímico, tradição que se estende aos dias atuais). Ele passava os dias agachado sobre uma cesta ao lado da mesa de Anna servindo suas xícaras de “kvas”. Segundo algumas fontes, a cesta em que ele se sentava estava sempre cheia de ovos, que ele fingia botar, como uma galinha, para entreter os convidados.
E isso foi só o começo. Anna logo decidiu encontrar uma noiva boba da corte para ele. Ela considerou várias criadas a seu serviço e acabou escolhendo a mais feia: uma jovem corcunda chamada Avdótia que, segundo o historiador Henri Troyat, “era tão feia que até os padres tinham medo dela.”
Valéri Iacobi, "Os bobos da corte de Anna Ivanovna" (1872).
Galeria TretiakovA cerimônia de casamento deles seria uma grande festa. Em 17 de fevereiro de 1740, o infeliz casal, vestido com roupas de palhaço, oficializou a relação em uma igreja. Em seguida, eles foram colocados em cima de um elefante asiático. Seguidos por uma caravana de embaixadores de todas as etnias do Império Russo, Mikhaíl e sua noiva marcharam para seu novo “palácio”.
O palácio de gelo de Anna
O palácio destinado ao casal era todo feito de gelo. Naquele ano, o inverno bateu um recorde de frio na Rússia, e o rio Nievá congelou completamente. Por ordem de Anna, os militares passaram dias a fio transportando blocos de gelo da margem do rio, que foram usados para construir o castelo.
Como resultado, o palácio tinha 18 metros de largura e 9 de altura. Dentro havia uma escada, balaustrada e vestíbulo. As colunatas foram decoradas com estátuas esculpidas. Tudo feito de gelo.
Dentro do quarto principal, dos travesseiros e colchões à estrutura da cama e até mesmo as cortinas penduradas nas janelas, tudo era feito de gelo. Mikhaíl e Avdótia tiveram apenas alguns segundos antes de serem trancados lá dentro. Os guardas fizeram uma barricada na porta e a tsarina, ao sair, incentivou o bobo da corte a consumar o casamento antes de congelar até a morte.
Satisfeita com o banquete que havia organizado, Anna retirou-se para seu próprio palácio, feito de pedra e madeira. Mas você acha que ela sentiu algum remorso enquanto estava deitada em uma cama quente ao lado do fogo, enquanto seu bobo da corte e a noiva estavam congelando do lado de fora? “Se qualquer indício disso passou por sua mente, deve escapado muito rapidamente, sob a ideia de que isso ia de acordo com as liberdades permitidas a qualquer soberano”, escreveu Troyat em seu livro “Tsarinas Terríveis”.
O colar de pérolas
Valéri Iacobi, “Ministros de Gabinete de Anna Ivanovna” (1889).
Omsk District Museum of Visual ArtsQuando a noite caiu sobre Petersburgo, não demorou muito para que Mikhaíl, preso no palácio de gelo, adoecesse. Suas roupas poderiam ter evitado o congelamento, mas o casal foi forçado a se despir antes de ser trancado no quarto. Assim, Mikhaíl começou a ter febre e a entrar e sair si.
Percebendo que o novo marido estava em perigo, Avdótia realizou um ato incrivelmente nobre. Ela ofereceu a um dos guardas a única coisa que tinha em mãos: um colar de pérolas que ganhou da tsarina como presente de casamento, o objeto mais caro que ela já teve. Ela o trocou por um casaco de pele.
O casaco manteve o casal aquecido durante a noite toda. Como resultado, eles apareceram na manhã seguinte, segundo Troyat, "apenas com o nariz escorrendo e queimaduras de frio". Mikhaíl e Avdótia foram então libertados de sua servidão como bobos da corte por Anna Leopoldovna, a sucessora de Anna. O casal continuou casado e Avdotia morreu em 1742 quando dava à luz o segundo filho.
Já Ana da Rússia morreu em 1740 devido a complicações causadas por cálculos renais. No momento de sua morte, seu palácio de gelo já tinha derretido havia muito tempo.
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