Nenhum perfume era mais popular na época soviética que “Moscou Vermelha” (Krásnaia Moskvá). Como tudo na URSS, as pessoas enfeitavam suas casas da mesma maneira, comiam as mesmas refeições, se vestiam igual... e também tinham o mesmo cheiro!
"Ele enchia o ar em todas as ocasiões festivas na União Soviética: no Conservatório de Moscou, no Teatro Bolshoi, em cerimônias de formatura e casamentos", escreve o historiador alemão Karl Schlögel em seu livro “O aroma do império: Chanel N° 5 e Moscou Vermelha” (ainda sem versão em português, foi publicado em inglês como “The Scent of Empire: Chanel No. 5 and Red Moscow”).
Mais tarde, Schlögel encontrou esse cheiro na Alemanha Oriental também. E, finalmente, ele soube que se tratava de um perfume chamado “Moscou Vermelha”. Outro emblema soviético de igualdade entre as pessoas, este perfume foi a mais difundida essência da época, e várias gerações de mulheres soviéticas só usavam ele.
O nariz russo de Coco Chanel
Em 1920, Coco Chanel teve um caso com um príncipe russo da família Romanov, Dmítri Pávlovitch, que conseguiu sobreviver à Revolução e fugir do país. Ele era um esteta e hedonista (que, ao mesmo tempo, participou do assassinato de Raspútin). Foi Dmítri quem apresentou Coco a um perfumista francês nascido na Rússia, Ernest Beaux.
Beaux fez carreira na Rússia e criou para a corte real aromas famosos, como o Bouquet de Napoleon, em 1912, que comemorava o 100º aniversário da vitória da Rússia sobre a França. Outro, o Bouquet de Catherine, criado em 1913, marcou o 300º aniversário da dinastia Romanov.
Mais tarde, Beaux serviu no exército russo e lutou na linha de frente do norte da Primeira Guerra Mundial. Mas, após a Revolução, ele deixou o país. No exílio, na França, seu encontro com Coco Chanel provaria ser fatídico, porque foi ele quem criou o Chanel nº 5.
Dois franceses na Rússia
Na Rússia, Beaux trabalhou para a Alphonse Rallet & Co, empresa real de perfumes russa. Ali trabalha também outro perfumista talentoso, Auguste Michel. Mas, em 1913, ele deixou o cargo para trabalhar para o concorrente de Rallet e outro fornecedor de perfumes real, a empresa de Brocard.
Michel criou um perfume para a imperatriz Maria Fiódorovna chamado Bouquet de l'impératrice. Após a Revolução, a família de Brocard deixou a Rússia, mas ele decidiu ficar.
Quando as autoridades soviéticas nacionalizaram todas as empresas privadas e estrangeiras, a Brocards & Co transformou-se na Fábrica de Perfumes e Sabonetes nº 5 e, em 1922, ganhou um novo nome, fábrica Nôvaia Zaria (ao pé da letra, Nova Alvorada). Michel se tornou seu perfumista-chefe e, em 1924, criou o famoso perfume Moscou Vermelha.
Os dois perfumes são gêmeos?
A história do perfume Moscou Vermelha não é totalmente clara, mas alguns historiadores consideram que o perfume é baseado no Bouquet de l'impératrice, de Michel. O Chanel nº 5, no entanto, poderia ter sido originado do Bouquet de Catherine de Beaux.
Fãs dos perfumes na Rússia tentaram ligar os dois franceses, já que eles trabalharam juntos na companhia de Rallet. Eles podem ter aprendido perfumaria juntos e ter usado os mesmos princípios e componentes. Existe até uma lenda urbana de que o Chanel No. 5 e o Moscou Vermelha são semelhantes.
Quer seus criadores estivessem ou não ligados no passado ou usassem métodos semelhantes, ambos trabalharam na empresa de Rallet. No entanto, os perfumes são diferentes. Ao examinar a composição de ambos os perfumes, a pesquisadora olfativa Daria Donina encontrou vários componentes correspondentes: bergamota, ylang-ylang, jasmim, rosa e baunilha.
“Mas isso não significa que eles sejam cópias um do outro: o Moscou Vermelha tem cerca de 60 ingredientes, enquanto o Chanel No. 5 chega a 80, e a concentração de cada um desses ingredientes é desconhecida”, diz. Isso sem mencionar que a palavra “rosa” pode significar qualquer coisa: "da cara de rosa grasse pura a uma mistura de álcool feniletílico barato, citronelol e geraniol".
O Chanel n° 5 é uma fragrância de floral aldeído, enquanto o Moscou Vermelha é uma fragrância floral de chipre picante.
Perfumes diferentes, destinos diferentes
“O Chanel n° 5 e o Moscou Vermelha pertencem a mundos diferentes, mas ambos representam um afastamento da belle époque e uma revolução no mundo da fragrância, embora ambos devam sua criação ao aniversário de uma dinastia destinada a cair”, escreve Schlögel.
“O frasco Chanel nº 5 tem um lugar de honra no Museu de Arte Moderna de Nova York, enquanto o de Moscou Vermelha só se tornou um objeto de desejo para colecionadores vintage em mercados de pulgas e antiquários no final do período soviético”, acrescenta.
O perfume de Coco Chanel se tornou um fenômeno mundialmente reconhecido, mas o Moscou Vermelha não espalhou seu odor para além da União Soviética e dos países do Bloco Oriental. O Chanel nº 5 ainda é considerado um perfume clássico, enquanto o Moscou Vermelha perdeu sua popularidade no final da era soviética, e, na Rússia moderna, foi totalmente substituído por outros aromas, apesar de ainda ser produzido.
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