Como Stálin e Trótski se tornaram arquirrivais

História
BORIS EGOROV
O Monte Olimpo da Rússia soviética era muito pequeno para dois egos de proporções colossais. Com o poder bolchevique ainda por um fio, eles já estavam brigando.

Entre todos os líderes bolcheviques, Leon Trótski parecia o mais provável de assumir o controle da União Soviética após a morte de Lênin. No entanto, na luta pelo poder que se seguiu, ele caiu em conflito com seu nêmesis, Ióssif Stálin, que primeiro o levou ao exílio e mais tarde à morte. Mas como é que esse choque de personalidades começou?

Especialistas militares

O primeiro conflito aberto entre os dois líderes da Revolução aconteceu no verão de 1918 durante a defesa de Tsaritsin (mais tarde Stalingrado, atualmente Volgogrado), que foi cercada por exércitos brancos. Por ser centro de fornecimento de pão para a Rússia Central, a cidade era de grande importância estratégica.

Stálin, então comissário do povo (ministro) para as Nacionalidades, chegou a Tsaritsin em junho para resolver o problema de organização do abastecimento de alimentos. Com apoio garantido de Lênin, ele ampliou seus poderes para incluir a defesa da cidade. 

“A linha ao sul de Tsaritsin ainda não foi restabelecida”, escreveu Stálin a Lênin em 18 de julho. “Dou uma bronca em todos que precisam. Espero que possamos restaurá-la em breve. Se nossos ‘especialistas’ militares (sapateiros!) não estivessem dormindo no trabalho, a linha não teria sido rompida. E se for restabelecida, não será graças, mas apesar dos militares.”

Foi essa questão dos “especialistas militares” – ex-oficiais tsaristas – que definiu a relação entre Stálin e Trótski. O futuro “pai das nações” (como Stálin viria a ser conhecido) se opôs resolutamente à nomeação dessas pessoas para altos cargos no Exército Vermelho, considerando-os não confiáveis ​​e capazes de trair a Revolução em um piscar de olhos.

Um ponto de vista contrário era defendido pelo comissário do povo para Assuntos Militares, Leon Trótski. Por meio de seus esforços, militares profissionais bem treinados do Exército Imperial haviam sido transferidos a serviço dos bolcheviques; no fim das contas, o Exército Vermelho contava com mais de 250 generais tsaristas.

Conflito

Stálin garantiu que o ex-general tsarista Andrei Snesarev fosse afastado de seu posto como líder do Distrito Militar do Cáucaso do Norte. Os comandantes menores tiveram menos sorte. Suspeitando de atividades contrarrevolucionárias, Stálin ordenou a prisão de todo o comando de artilharia, incluindo o pessoal administrativo. Esses indivíduos foram colocados na chamada “barcaça da morte” (uma prisão flutuante comum durante a Guerra Civil Russa) no meio do rio Volga, onde muitos morreram logo devido às condições desumanas.

A subsequente nomeação por Trótski de Pável Sitin, também um ex-general tsarista, como comandante da Frente Sul gerou mais insatisfação para Stálin. “O Comitê Central do Partido deve discutir a questão do comportamento de Trótski, que despreza os membros mais proeminentes do Partido em favor dos [traidores e contrarrevolucionários] e em detrimento dos interesses da Frente e da Revolução”, escreveu Stálin em um telegrama para Lênin.

Stálin ignorou descaradamente a ordem de Trótski de conferir a Sitin autoridade total sobre as operações e até mesmo estabeleceu um centro de comando alternativo. Em diversas instruções do comissário do povo para Assuntos Militares, ele rabiscava “Desconsiderar”.

O sucesso de Trótski

Stalin e Trótski nunca concordaram em qualquer questão relativa à defesa de Tsaritsin. Pouco a pouco, o atrito entre os dois se transformou em hostilidade aberta.

“O fato é que Trótski é incapaz de cantar sem falsete ou atuar sem gestos chamativos. Não teria nada contra isso se os interesses da causa comum não fossem afetados. Não sendo este o caso, peço, antes que seja tarde demais, que se reprima Trótski e corte suas asas, pois temo que suas ordens malucas semeiem a discórdia entre o Exército e o Estado-Maior de comando, e arruinem completamente a Frente”, escreveu Stálin a Lênin em 3 de outubro de 1918.

No dia seguinte, Trótski, enfurecido, enviou seu próprio telegrama de Tambov para Lênin com um pedido urgente para retirar Stálin da cidade. Fervendo de raiva, ele até confundiu as palavras no telegrama: “Tsaritsin deve obedecer ou ir embora”.

Lênin apoiou Trótski e convocou Stálin de volta a Moscou em 19 de outubro. Apesar do partidarismo no cerne do comando militar, a cidade foi mantida por mais um ano. O cerco foi rompido apenas no verão de 1919, após contra-ofensiva malsucedida do Exército Vermelho.

“Foi então [em novembro] que Stálin, chamado de volta de Tsaritsin e nutrindo uma profunda malícia e sede de vingança em sua alma, escreveu um pequeno artigo sobre o aniversário da Revolução. O objetivo era desferir um golpe no prestígio de Trótski, para colocar a autoridade do Comitê Central, liderado por Lênin, contra ele. Uma corrente de raiva fluiu por meio desse artigo do jubileu”, escreveu, mais tarde, o próprio Trótski em suas memórias.

O conflito de Tsaritsin foi apenas a primeira fase do longo e violento confronto pós-Lênin entre os dois pesos-pesados ​​do movimento bolchevique.

As desavenças terminaram em 20 de agosto de 1940, quando Trótski, já expulso da URSS, foi assassinado no México por ordem de Stálin.

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