Por que as tsarinas russas eram trancafiadas em mosteiros?

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Este foi o destino lastimável de três esposas de Ivan, o Terrível e três irmãs de Pedro, o Grande, entre outras mulheres.

“Ela chorou e gritou quando o Metropolita cortou seu cabelo no mosteiro. Quando ele lhe deu o koukoulion, ela não permitiu que ele o colocasse nela e, agarrando o koukoulion e jogando-o no chão, pisou nele. Ioann Chigona, um dos conselheiros-chefes, indignado a ação, não apenas a repreendeu severamente, mas também a golpeou com o chicote, acrescentando: 'Como você ousa resistir à vontade do soberano e atrasar a execução de suas ordens?' Quando Solomonia perguntou que direito ele tinha de bater nela, ele respondeu: 'Pela ordem do soberano'. Então, com o coração dilacerado, ela anunciou a todos que estava vestindo o traje de monge não por desejo, mas por ser obrigada, e clamou a Deus para vingá-la dessa injustiça.”

É assim que Sigizmund Herberstein descreveu o modo como Solomonia Saburova, mulher do Grão-Príncipe de Moscou, Vassíli 3° (1479-1533), foi colocada contra sua vontade em um mosteiro.

Fim de casamento

Em 1505, o Grão Príncipe de Moscou Vassíli, aos de 26 anos, devia se casar. Tradicionalmente, um Grão Príncipe solteiro não era considerado apto a governar e, seguindo os costumes de então 500 das mais belas virgens da nobreza foram convocadas em todo o tsariado da Moscóvia.

“Delas, foram selecionados 300, depois 200 e, finalmente, 10, que foram examinadas por parteiras com toda a atenção possível para se certificar de que eram realmente virgens e capazes de ter filhos e se apresentavam algum inconveniente. Finalmente, dentre essas dez, escolheu-se uma esposa”, escreveu Francesco Da Collo (1480-1571), diplomata italiano.

A vida de Vassíli com Solomonia Saburova foi feliz - exceto pelo fato de que ela não podia dar à luz, e o nascimento de um herdeiro era extremamente importante para a continuação da dinastia. Vassíli, no entanto, não podia se divorciar com facilidade de Solomonia: a Igreja Ortodoxa era firmemente contra o divórcio. A Duma Boiar ficou ao lado do tsar.

Varlaam, o Metropolita de Moscou, que se recusou a conceder o divórcio a Vassíli, acabou sendo deposto e substituído por Daniil (1492-1547), que em 1525, divorciou Vasiliy e Solomonia. Ela passou pela tonsura (raspagem do cabelo), rebatizada como Sofia e enviada à força para o Convento da Intercessão (Pokrovski), em Suzdal, onde morreu em 1542.

Vassíli 3° logo se casou com Elena Glinskaia (1508-1538), então aos 18 anos de idade. Seu filho com Vassíli foi Ivan, o Terrível (1530-1584), que, durante sua vida, tornou costumeira prática de trancafiar esposas em mosteiros.

O tsar divorciado

Antes de Vassíli 3°, as esposas dos príncipes de Moscou recebiam ordens monásticas apenas depois de se tornarem viúvas, uma prática costumeiras nos séculos 14 e 15. A historiadora Tatiana Grigórieva diz: “Entrar em um mosteiro e fazer a tonsura significava não apenas pronunciar formalmente os votos monásticos e cortar os cabelos. Um monge ou freira ‘morria’ simbolicamente para a vida mundana e passava a se dedicar ao serviço de Deus. ”

Portanto, quando uma esposa estava "simbolicamente morta" para a vida mundana, o marido, aos olhos da Igreja Ortodoxa do século 16, tinha mais "direitos" de divorciar-se dela. Ivan, o Terrível, também precisou dessa "brecha" em 1572.

Depois que sua terceira esposa, Marfa Sobakina, morreu, no final de 1571 (provavelmente envenenada, assim como as duas primeiras esposas de Ivan), ele se casou pela quarta vez - embora a Igreja Ortodoxa fosse contra. Assim, em maio de 1572, ele se casou com Anna Koltovskaia (1556-1626). Mas ela também não foi tsarina por muito tempo: Ivan logo perdeu o interesse por ela e fez com que fosse tonsurada, rebatizada de Daria e enviada para o mesmo convento Pokrovski, em Suzdal. E ela não foi a última de suas vítimas.

“O tsar, sem a menor decência, não mais buscando a bênção dos bispos, sem qualquer permissão da Igreja, casou-se com Anna Vasiltchikova por volta de 1575, em seu quinto casamento”, escreveu o historiador russo Nikolai Karamzin. Anna foi tonsurada cerca de um ano depois.

Apenas a última esposa de Ivan, Maria Nagaia (1553-1608), continuou casada com o tsar até sua morte - mas nem ela escapou do convento. Ela era a mãe do Tsarevich Dmítri (1582-1591), que morreu em circunstâncias misteriosas na cidade de Uglitch, em 1591 (provavelmente assassinado). Maria foi então tonsurada à força "por negligenciar o filho".

Pedro contra a esposa e as irmãs

No século 17, a prática da tonsura forçada continuou. No ano 1600, Ksênia e Fiódor Romanov, os pais daquele que se tornaria o pioneiro da dinastia Romanov, Mikhaíl Fiódorovitch, foram forçados a aceitar a ordem monástica: Fiódor Romanov era um dos candidatos ao trono e, dessa maneira, tornava-se carta fora do baralho (um homem tonsurado nunca poderia se tornar tsar). Por volta de 1606, Ksênia Godunova, filha do tsar Boris Godunov, também foi tonsurada à força para ser privada dos direitos ao trono.

O último tsar a usar ativamente o método de tonsura forçada foi Pedro, o Grande. Nos primeiros anos de seu governo, ele teve que lutar pelo poder com sua meia-irmã mais velha, Sofia Aleksêievna, da Rússia (1657-1704), que era regente do trono russo desde 1682. Quando Pedro se casou com Evdokia Lopukhina, em 1689, tornou-se totalmente adulto, de acordo com a tradição russa, e não precisava mais da regência de Sofia - nem de seu irmão que governava em conjunto com ele, Ivan (1666-1696), que também era casado, naquela época.

Em 1689, a tensão entre Pedro e Sofia explodiu em um conflito armado, mas os apoiadores de Sofia logo a deixaram e ela foi privada do poder. Seguindo as ordens de Pedro, ela foi presa no Convento Novodevitch, em Moscou, mas ainda não tonsurada.

Sofia acabou tonsurada quase uma década depois, em 1698, junto com suas irmãs Marta (1652-1707) e Feodosia (1662-1713), após uma grande revolta do “streltsi” (a guarda do tsar). Os “streltsi”, insatisfeitos com o governo de Pedro e suas reformas militares, tentaram levar Sofia de volta ao trono e foram severamente punidos (a maioria, executada). Já Sofia e suas irmãs, que a apoiavam, foram tonsuradas como meio de limá-las de uma vez por todas da vida mundana (e política).

Pedro também foi o último tsar russo a tonsurar à força uma esposa. Isto aconteceu com Evdokia Lopukhina (1669-1731), sua primeira esposa, que era uma mulher russa muito tradicional e por quem Pedro logo perdeu o interesse. Um paradoxo é que Evdokia era muito saudável, fiel e deu a Pedro um filho, Aleksêi (1690-1718), mas, em 1698, foi tonsurada sob o pretexto criado por Pedro de “repugnâncias e suspeitas”. Evdokia, sob o nome monástico de Elena, foi enviada ao mesmo Convento da Intercessão, em Suzdal.

O caso de Evdokia foi aparentemente a última de tonsura forçada na história da Rússia. A grã-duquesa Aleksandra Petrovna (1838-1900) e a grã-duquesa Elizabeth Fiódorovna (1864-1918) também fizeram votos monásticos, mas apenas após a morte de seus maridos - exatamente como nos tempos antigos dos príncipes russos.

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