Os prisioneiros de Auschwitz foram libertados por quatro divisões de infantaria do Exército Vermelho. A vanguarda era composta por combatentes das divisões 107 e 100. O major Anatôli Chapiro serviu nesta última divisão e suas tropas de choque foram as primeiras a abrir os portões do campo. Ele lembra:
Na segunda metade do dia, entramos no território do campo e atravessamos o portão principal, no qual estava pendurado um escrito com arame: “O trabalho liberta”. Era impossível entrar nas barracas sem gaze. Cadáveres ocupavam os beliches. Debaixo das camas, esqueletos que mal estavam vivos se arrastavam e juravam que não eram judeus. Ninguém conseguia acreditar que eles estavam sendo libertados.
Havia cerca de 7.000 prisioneiros no campo naquela época. Entre eles estava um prisioneiro identificado pelo número 74233 (cujo nome não foi informado):
De repente, vi silhuetas de uniforme branco e cinza andando em uma via perto do campo. Eram cerca de 17h00. Primeiro, pensamos que eram prisioneiros do campo que estavam voltando. Eu corri para ver quem era. Ficamos muito felizes ao saber que eram as unidades de reconhecimento soviéticas. Foram beijos e saudações sem fim. Disseram-nos para ir embora. Eles nos explicaram que não podíamos ficar lá porque ainda não estava clara a localização do inimigo.
O tenente-general Vassíli Petrenko, que em 1945 comandava a 107ª divisão de infantaria, chegou ao território do campo logo após Chapiro. Em suas memórias ‘Antes e Depois de Auschwitz’, ele descreve o que viu:
Em 18 de janeiro, os alemães levaram consigo todos que ainda conseguiam andar. Os doentes e os fracos foram deixados para trás. Os poucos que ainda podiam andar fugiram quando nosso exército chegou ao acampamento. Enviamos imediatamente as unidades sanitárias pertencentes às 108ª, 322ª e 107ª divisões para o campo. Os hospitais de campo abriram seus banheiros. Este foi o decreto. As cozinhas de campo dessas divisões eram responsáveis por alimentar os ex-prisioneiros.
O comandante Vassíli Gromadski foi um dos primeiros a entrar no campo:
Havia uma fechadura no portão. Não sabia se era a entrada principal ou o quê. Ordenei que os homens quebrassem a fechadura. Não havia ninguém lá. Caminhamos mais 200 metros e vimos prisioneiros em camisas listradas correndo em nossa direção, cerca de 300 deles.
Mantínhamos cautela, pois fomos avisados de que os alemães poderiam estar disfarçados. Mas eram prisioneiros de verdade. Eles choravam, nos abraçavam. Eles nos disseram que milhões de pessoas foram mortas lá. Ainda me lembro de eles nos contando como os alemães enviaram 12 vagões com carrinhos de bebê de Auschwitz.
Ivan Martinuchkin tinha 21 anos e era o primeiro tenente-comandante da unidade de metralhadora da 322ª divisão de infantaria. Lembra que só no último momento entendeu que fora enviado para libertar um campo de concentração:
Fui até a cerca com minha unidade, mas já estava escuro e não entramos nas instalações. Nós apenas ocupamos a sala de vigia do lado de fora do acampamento. Lembro que estava muito quente dentro, como se tivesse sido aquecido.
Nós até pensamos que os alemães haviam preparado um lugar aquecido para eles mesmos e então chegamos. No dia seguinte, começamos a fazer uma varredura. Havia um assentamento enorme lá – Bjezinka, com casas impressionantes de tijolos.
E enquanto percorríamos, os alemães começaram a atirar em nós de algum prédio. Nós nos escondemos e nos comunicamos com o comandante, pedindo-lhe para bombardear o prédio. Pensei que se o destruíssemos, poderíamos seguir em frente. Mas o comandante nos diz que nossa artilharia não pode bombardear o prédio, porque há um campo de concentração ali, com pessoas, e que devemos evitar qualquer fogo cruzado. Só então entendemos para que servia a cerca.
Jornalistas do 38º exército Usher Margulis e Guennádi Savin entraram no campo depois dos soldados. E assim se recordam:
Entramos no prédio de tijolos e olhamos dentro dos quartos. As portas não estavam fechadas. No primeiro cômodo, havia uma pilha enorme de roupas de criança: casacos, jaquetas, suéteres, muitos com manchas de sangue. Na sala ao lado havia caixas cheias de dentaduras e dentes de ouro. No terceiro quarto, caixas com cabelos. E então uma mulher [prisioneira – Russia Beyond] nos levou a uma sala cheia de caixas com bolsas femininas, abajures, carteiras, e outros itens de couro. E então ela disse: “Tudo isso é feito de pele humana”.
Depois que Auschwitz foi libertado, um novo comandante foi nomeado para administrar a cidade: Grigôri Ielisavetinski. Em 4 de fevereiro de 1945, escreveu para sua esposa:
Há uma barraca infantil no campo. Crianças judias de todas as idades eram levadas para lá. Os alemães faziam experimentos como se fossem coelhos. Vi um garoto de 14 anos que recebeu injeções de querosene na veias para algum propósito “científico”.
Em seguida, um pedaço de seu corpo foi cortado e enviado para um laboratório em Berlim, e substituído por outro. Agora ele está em um hospital, coberto de úlceras profundas e nada pode ser feito para ajudá-lo. Há uma garota bonita andando pelo campo. Louca. Fico surpreso que nem todas as pessoas aqui tenham ficado loucas.
Enquanto isso, ex-prisioneiros fortes o suficiente para andar deixavam Auschwitz por conta própria. Nas palavras do número 74233:
Em 5 de fevereiro, seguimos para Cracóvia. De um lado da estrada, fábricas gigantescas construídas pelos prisioneiros que haviam morrido há muito tempo devido ao trabalho exaustivo. Do outro lado, outro grande campo. Entramos e encontramos algumas pessoas doentes que, como nós, estavam vivos apenas porque não haviam partido com os alemães em 18 de janeiro.
Então continuamos caminhando. Durante muito tempo fomos seguidos por arames elétricos fixados em pilares de pedra. Estávamos muito familiarizados com eles. Eram símbolos de escravidão e morte. Parecia que nunca sairíamos do campo. Até que, enfim, saímos e chegamos ao vilarejo de Vloseniucha.
Passamos a noite lá e, no dia seguinte, 6 de fevereiro, seguimos em frente. No caminho, um carro parou e nos deu carona para Cracóvia. Somos livres, mas ainda não sabemos como ser felizes. Passamos por muita coisa e perdemos muitas pessoas.
Este material é baseado em documentos da Fundação Russa do Holocausto e nas seguintes memórias: “Antes e Depois de Auschwitz”, de V. Petrenko; “Eu Sobrevivi Auschwitz”, de K. Jivulskaia; e “O Livro Negro”, de V. Grossman e I. Ehrenburg .