O destino da dinastia Qing na China (1644-1912) lembra, estranhamente, o dos Romanov. A primeira semelhança a saltar aos olhos é a proximidade temporal dos monarcas Romanov e Qing.
O primeiro governante da dinastia dos Romanov, Mikhaíl Fiódorovitch, subiu ao trono russo em 1613. Apenas algumas décadas depois, em 1644, após derrotar as forças da dinastia Ming anterior, o jovem imperador Shunzhi, o primeiro governante da Casa dos Qing, assumiu o poder em Pequim.
Além disto, o domínio dos Qing e dos Romanov caiu com uma diferença de apenas cinco anos (1912 e 1917, respectivamente): ambas as dinastias foram varridas pela revolução.
Mas há diferenças. Os monarcas Qing na China eram estrangeiros. Nativos da Manchúria, eles conquistaram efetivamente a China aproveitando a fraqueza e a baixa popularidade da dinastia Ming e conquistando a maior parte da população a ficar a seu lado.
Os Romanov, pelo contrário, lutaram contra invasores estrangeiros da Suécia e da Polônia durante o “Tempo de Dificuldades” (em russo, “Smutnoe vrêmia”), após a morte de Ivan, o Terrível.
Mas ambas as dinastias construíram seus Estados sobre as ruínas do passado: os Romanov, sobre o Tsarado Riúrik, e os Qing, sobre o Império Ming. Ambos tinham muito trabalho para fazer na reconstrução de seus Estados.
Reformadores e conquistadores
Na Rússia, o homem responsável por mudou tudo foi Pedro, o Grande, que reinou entre 1682 e 1725. Foi ele quem proclamou a Rússia como império (a China ostentava orgulhosamente esse rótulo desde 221 antes de Cristo), realizou reformas de longo prazo e, como resultado da Grande Guerra do Norte contra a Suécia (1700-1721), transformou a Rússia em uma potência europeia de plenos direitos.
Na China, os primeiros imperadores da dinastia Qing também procuraram, na medida do possível, modernizar o país. Foi o imperador Kangxi, que reinou de 1661 a 1722, quem introduziu uma reforma tributária que libertou os camponeses do excesso de impostos, o que levou a um crescimento econômico e a uma explosão demográfica.
Os chineses, como os russos, foram forçados a travar uma guerra contra os países europeus. No final do século 17, eles derrotaram os ocupantes holandeses em Taiwan.
Mas as conquistas dos Qing não se limitaram a Taiwan. Os novos governantes da China ampliaram o território do império para conquistar a Mongólia, o muçulmano Sinquião e o Tibete.
Os Romanov, por sua vez, anexaram cada vez mais territórios ao crescente Império Russo. Nos séculos 18 e 19, o Império estendia seu alcance da Polônia, a oeste, até as Ilhas Curilas e mesmo o Alasca.
Assim, ao longo dos séculos 17 e 18, tanto os Romanov como os Qing concentravam enorme poder. O destino de centenas de milhões de pessoas e vastos territórios esteva nas mãos dos imperadores russos e chineses. Não surpreende, portanto, que os interesses desses dois gigantes tenham começado a se sobrepor e gerar conflitos.
Confrontos na Sibéria
O principal motivo de discórdia entre Rússia e China no final do século 17 era a bacia de Amur, ao norte das terras chinesas, onde os imigrantes russos colonizavam o terreno desabitado e construíam as primeiras fortificações. Os imperadores Qing, cautelosos com o expansionismo russo, consideravam as terras deles mesmos, apesar da ínfima população chinesa já existente ali.
Depois de uma breve guerra na década de 1680, a Rússia e a China assinaram o Tratado de Nertchinsk, em 1689, que beneficiava sobretudo a China. Como resultado, a Rússia arquivou, temporariamente, os planos de incrementar a região do Amur e do Extremo Oriente.
Tempo de crescimento
No século 18, a dinastia Qing conseguiu consolidar seu poder e recuperar sua economia. Realmente autossuficiente até então, a China tornou-se grande exportadora de têxteis e porcelana. Os imperadores também não deixaram de lado a cultura, restaurando monumentos literários de épocas passadas e compilando dicionários e enciclopédias.
Apesar disto, a China se manteve um país agrário, fechado ao mundo exterior e, em grande parte, não familiarizado com as invenções e métodos agrícolas modernos.
No século 18, a Rússia viu a era dos golpes palacianos substituída por um “absolutismo esclarecido” de Catarina, a Grande. O país tornou-se mais aberto e europeizado, mas o poder monárquico absoluto e a dependência da economia agrária continuaram.
As contradições entre a beleza com que o país era visto de fora e seus profundos problemas internos persistiram tanto na Rússia, como na China, o que levou a consequências terríveis. Foi a China dos Qing, porém, quem as sofreu antes e em maior escala.
Queda
Em meados do século 19, tanto São Petersburgo quanto Pequim travaram guerras contra potências ocidentais e perderam. A derrota russa ocorreu na Guerra da Crimeia, entre 1853 e 1856, contra Grã-Bretanha, França e Império Otomano, enquanto a China dos Qing não conseguiu resistir à Grã-Bretanha e à França nas Guerras do Ópio (entre as décadas de 1840 e 1850), quando uma série de tratados impostos à China transformaram o país em uma colônia do Ocidente.
Aproveitando o momento, a Rússia persuadiu a China a assinar os acordos de Pequim, com os quais passou a ter direito sobre as regiões de Amur e Primorie.
Apesar do enorme fracasso na Guerra da Crimeia, o Império Russo continuou existindo relativamente livre de problemas por mais seis décadas. Enquanto isso, as tentativas de Qing de reformar e revitalizar a economia chinesa foram totalmente chacoalhadas por levantes populares que duraram décadas. Os últimos imperadores chineses foram mais rostos que governantes realmente, e o poder real estava em mãos estrangeiras.
Na década de 1910, a revolução deu um fim a ambos os impérios. A Revolução Xinhai, entre 1911 e 1912 na China, e a Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia. As casas imperiais dos Romanov e dos Qing caíram e ambas as civilizações mergulharam em um caos completo. Quem as tirou deste estado foram, a Rússia e a China foram expulsas por pessoas de um tipo completamente diferente.
Se você estiver em Moscou, pode conferir, até 30 de maio de 2019, a exposição “Tesouros do Museu do Palácio: o florescimento da China no século 18” nos Museus do Kremlin. Para mais informações (em inglês), clique aqui.
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