O afro-americano que foi perseguido por defender a liberdade e igualdade nos EUA após visitar a URSS

História
DANIEL CHALYAN
Falar sobre injustiça, preconceito e exploração era considerado uma atitude antiamericana, e a caça às bruxas do governo McCarth levou o cantor Paul Robeson, no auge de sua carreira, a ser diagnosticado como 'psicopata'. No maior clima de ‘vai pra Cuba’, ele respondeu a um congressista por que não ia à URSS: ‘Porque meu pai era escravo e meu povo morreu para construir este país, e ficarei aqui e terei parte no país, assim como você’.

Em 1934, o cantor, ativista, ator e atleta Paul Robeson  foi convidado a visitar a União Soviética. A viagem o colocou em contato com um mundo que não o julgava pela cor de pele. Mas este caso de amor entre Robenson e a URSS não terminaria bem para o "Artista do Povo".

Quando a situação racial nos Estados Unidos se deteriorou, logo após a Grande Depressão, a população negra buscou apoio com a União Soviética, que tinha um feroz discurso antirracista.

Em 1932, metade da população afro-americana estava desempregada. Em algumas cidades do norte dos EUA havia até apelos pela demissão de pessoas que não fossem brancas para não deixar os brancos desempregados. No sul, a violência racial aumentou muito em 1933, e os casos de linchamentos saltaram de 8, no ano anterior, para 28.

Enquanto isso, na URSS, o artigo 123 da Constituição contra a discriminação compunha o internacionalismo promovido por Vladímir Lênin - que, por determinado tempo, deu voz aos oprimidos.

Isto se referia a gente como Paul Robeson, que estava tão encantado pelo país, que gravou uma versão do hino soviético em 1949. Toda a URSS se encantou com a voz dele, que também interpretou canções folclóricas russas.

LEIA TAMBÉM Antropólogo russo refutou o racismo científico no século 19

A maior parte dos afro-americanos que foram para a Rússia na onda de imigração da Grande Depressão buscava uma vida melhor. A URSS precisava de educadores, engenheiros, especialistas em agricultura e outros trabalhadores qualificados.

Assim, a experiência de levar afro-americanos à URSS foi um sucesso: eles não apenas relataram ter sido tratados com dignidade pela primeira vez na vida, como também encontraram bons empregos, com benefícios e férias.

Cerca de 18.000 norte-americanos responderam ao chamado soviético na década de 1930, de acordo com o que disse o professor de história da Universidade de Boston, Allison Blakely, em entrevista à Universidade de Boston.

Os anos McCarthy e o trágico destino de Paul Robeson

Robeson chegou a ser, por certo período, o mais famoso afro-americano dos EUA – e, possivelmente, do mundo todo. Suas músicas foram traduzidas para 25 idiomas em quatro continentes.

Isto lhe rendeu o título de cidadão do mundo, e ele fez amizades com gente como o líder africano Jomo Kenyatta e o indiano Jawaharlal Nehru, além de intelectuais judeus na Rússia daquela época.

Robeson diz em seu livro “O Povo Negro e a União Soviética”: “Sinto que vou além de meus sentimentos pessoais e coloco meu dedo no verdadeiro cerne do que a União Soviética significa para mim, ou seja, para um negro que é norte-americano. A resposta é muito simples e muito clara: a própria existência da União Soviética, seu exemplo perante o mundo de abolir toda a discriminação de cor ou nacionalidade, sua luta em todas os cenários de conflitos mundiais por uma democracia verdadeira e pela paz, tudo isto deu a nós, negros, a chance de alcançar nossa completa libertação dentro de nosso próprio tempo, dentro desta geração”.

A família deste barítono passou por muitas dificuldades. Seu pai era um escravo que havia fugido e a mãe vinha de uma família quaker abolicionista. Robeson, portanto, tinha um discurso muito claro sobre políticas discriminatórias e as políticas de divisão norte-americanas daquela época.

Com um aumento da fama de Robeson, sua posição sobre a escalada da Guerra Fria com a URSS também ganhou os holofotes. Assim, seu ativismo logo levou a interrogatórios do Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara e a acusações de ele ser comunista.

Logo após isto, Robenson teve 80 apresentações canceladas e dois shows em Nova York atacados por grupos racistas sem qualquer intervenção da polícia.

"Vou cantar onde as pessoas quiserem me ouvir cantar e não vou me intimidar com as cruzes queimando em Peekskill ou em qualquer outro lugar", foi sua resposta então.

Os anos 1950 foram diferentes. A dissidência se tornou uma “doença”, a “ameaça vermelha” se espalhou como fogo. Durante a guerra, a opinião de Robeson sobre a União Soviética não causava furor, já que os EUA eram aliados dos soviéticos.

Nem mesmo o criticado Pacto Molotov-Ribbentrop – que era visto por Robeson como uma forma positiva para deter o massacre nazista na ausência de qualquer cooperação da Grã-Bretanha e da França – tinha sido usado contra ele antes.

Mas o governo McCarthy mudaria tudo isso, revogando seu passaporte e proibindo que ele viajasse além de adicioná-lo à lista negra de Hollywood, pondo um ponto final a sua carreira como ator.

Mas Robeson não parou. Ao invés disso, ele se encontrou com Albert Einstein para discutir a paz mundial, publicou uma autobiografia e começou a falar também mandarim.

Psicopata?

A gota d’água foi o discurso de Robeson na Conferência de Paz de Paris, em 1949, quando ele teria clamado que os negros americanos se recusassem a pegar em armas contra a União Soviética.

Isto resultou em sua rotulação como traidor. Apesar de seu discurso exato ser tema de muito debate, Robeson nunca negou veementemente ser comunista, o que dava ao governo os motivos de que ele precisava para sua perseguição.

De acordo com ensaio do pesquisador Tony Perucci, o governo dos EUA contava então com a colaboração de psicanalistas como arma de perseguição, e juntos eles buscavam “eliminar a dissidência contra a ordem política norte-americana”.

Para eles, os comunistas eram mestres do disfarce, e tão bons nesta arte que apenas a psicanálise podia fazer cair sua máscara. Assim, não demorou muito para eles encontrarem uma solução: quem defendia ideias comunistas era declarado louco.

Falar sobre a Guerra Civil Espanhola, trabalho internacional, segregação e colonialismo, tudo isto era considerado uma atitude antiamericana – e levou Robeson a um diagnóstico de “psicopata”.

De acordo com artigo do pesquisador Matthew Wills, um congressista do Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara perguntou a Robeson, em 1956, por que ele não se mudava para a URSS se amava tanto o lugar, ao que ele respondeu: “Porque meu pai era um escravo e meu povo morreu para construir este país, e ficarei aqui e terei parte no país, assim como você”.

Só em 1958 o passaporte de Robeson foi restabelecido, graças à Suprema Corte dos EUA. Ele viveu o resto de seus dias na obscuridade, e sofreu física e mentalmente até a morte, em 1976.

Quer receber as principais notícias sobre a Rússia em seu e-mail? 
Então assine nossa newsletter semanal ou diária.