"No futuro, todos terão seus 15 minutos de fama", disse Andy Warhol em 1968. Em 1936, Engelsina Markízova, uma garota soviética de origem buriate, então com sete anos, não tinha como saber sobre essa frase. Mas teve seus 15 minutos de fama após aparecer em um retrato com o líder soviético Ióssif Stálin. As consequências, porém, não foram positivas.
Uma garota encontra um líder
Ardan Markizov, pai de Engelsina, era um comunista convicto, tanto que batizou sua filha em homenagem a Firederich Engels e seu filho, Vladlen, em homenagem a Vladimir Lênin. Markizov era um oficial soviético bem sucedido. Em 1936, trabalhava no Comissariado da Agricultura na remota República Autônoma da Buriátia-Mongólia, na Sibéria.
Foi uma grande honra para Markizov ir a Moscou com uma comitiva oficial da sua região para encontrar Stálin, mas foi sua filha que acabou roubando a cena.
"Eu também queria conhecer Stálin e praticamente implorei para que meu pai me levasse com ele. Ele me disse que eu não era um membro da comitiva, que não iriam me deixar entrar", Engelsina contou décadas depois. Já sua mãe lhe deu apoio.
Ao chegar em Moscou, Markizov descobriu que não era necessária nenhuma autorização especial para que crianças visitassem o Kremlin, então levou Gelia consigo. Em um determinado momento, já muito entediada com os intermináveis discursos dos oficiais sobre o progresso da agricultura popular, a menina resolveu dar um abraço no líder soviético.
"Peguei dois buquês de flores e fui até a mesa do presidium pensando 'vou dar estas flores para ele'", lembra Markízova. Embora surpreso, Stálin pareceu contente, segurou Gelia no colo e a colocou em cima da mesa do presidium com suas botas de feltro. Ela lhe deu as flores e, quando o abraçou, os jornalistas clicaram o momento.
A transformação em ícone
Gelia se lembra de Stálin perguntar se ela gostava de relógios, ao que ela respondeu que sim, embora nunca tivesse tido um. O líder então a presenteou com um relógio de ouro e deu também um gramofone para sua família. Os outros participantes do encontro também ganharam presentes.
Anatoly Alay, diretor de um filme inacabado chamado "Stálin e Gelia", lembra de uma frase atribuída ao editor do jornal Pravda, Lev Mekhils: "Deus mandou essa pequena menina buriate. Faremos dela um símbolo da felicidade da infância".
E assim foi. Depois que a foto de Stálin e Gelia (que recebeu o nome de "amigo das crianças") foi publicada em todos os jornais ela se tornou viral, como se diz hoje em dia.
"Quando fui até o lobby do hotel no dia seguinte, estava cheio de brinquedos e presentes...e quando meus pais e eu voltamos para Ulan-Ude, as pessoas me saudavam como fariam depois com os astronautas", lembra Markizova. Geôrgui Lavrov, um escultor famoso, criou um monumento para Stálin e Gelia que ficou muito popular. Gelia estava em todos os lugares, mas isso logo acabaria.
A queda
Um ano depois, em 1937, tudo acabou: Ardan Markizov, o devoto comunista que adorava Stálin, foi preso. "Meu pai tinha certeza que era um engano e que ele logo voltaria", lembra Gelia.
Ele não voltou. Foi falsamente acusado de ser um espião dos japoneses e morto com um tiro em junho de 1938. As cartas de sua filha para Stálin, implorando por clemência, não tiveram efeito.
O líder distante ficou calado enquanto a vida de Gelia desmoronava. As autoridades prenderam também sua mãe, Dominika, e a exilaram no Cazaquistão, onde foi encontrada morta em circunstâncias misteriosas em 1938.
Markízova acredita que sua mãe também foi assassinada: o chefe do serviço secreto local mandou uma carta para Lavrénti Beria, o chefe da polícia secreta de Stálin, dizendo estar apreensivo com a possibilidade de Dominika tentar se livrar da pena por conta da "ligação" de sua filha com o líder. "Por conta disso, Beria escreveu com um lápis azul EXECUTE", disse Gelia.
Gelia foi retirada da narrativa oficial. Era uma enorme batata quente: Stálin não podia ser visto posando em um retrato com a "filha de inimigos do povo". Ao mesmo tempo, era impossível destruir todos os jornais e esculturas da cena.
Com astúcia orwelliana, os funcionários mudaram o nome da garota no retrato. A partir de então, quem aparecia citada era a tadjique Mamlakat Nakhangova, uma Jovem Pioneira. E Gelia Markizova, assim, desapareceu.
Outra vida
Orfã com nove anos, Gelia chegou a Moscou onde passou a viver com uma tia e adotou seu sobrenome: Dorbeyeva. Afortunadamente as autoridades decidiram por não matá-la também. "Eu vivi uma vida comum como a de outros cidadãos soviéticos", diz.
Ela se casou duas vezes e trabalhou como orientalista, especializada no Camboja. Em 2004, algumas semanas depois de Anatoly Alay começar um filme sobre ela, Engelsina morreu, aos 75 anos.
"Só depois que as pessoas começaram a voltar dos campos de trabalho e da verdade começar a ser revelada sobre os anos de comando de Stálin é que eu entendi quem eu era", disse.
Ela também se lembra que, como muitos outros soviéticos, também chorou quando Stálin morreu. Afinal, o "amigo das crianças" era muito carismático.
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