“Tenho certeza de que há uma terra lá, e até vimos uma parte”, escreveu o capitão britânico James Cook após navegar pelo Oceano Austral durante sua viagem ao redor do mundo. No entanto, Cook acreditou que seria difícil chegar ao local devido às condições climáticas severas. Os russos também sabiam disso, mas não desistiram.
Rivais nos mares
Os impérios russo e britânico eram há muito tempo rivais nos mares.
Quando o comandante e explorador britânico James Cook relatou sua suposta descoberta de novas terras no extremo sul do planeta, ficou claro para a liderança russa que sua conquista era apenas uma questão de tempo.
Na época, caçadores de focas britânicos navegavam com frequência pelo Oceano Austral, e os russos pensavam que os rivais descobririam as novas terras. Mas, como navegavam pelo gelo desde a época medieval, os russos tinham certa vantagem: não só sabiam fazer embarcações adequadas, como viajar em condições extremas.
No início do século 19, na época das guerras napoleônicas, a rivalidade entre as frotas russa e britânica era intensa. Quem seria o primeiro a descobrir o continente mais austral? Após a Primeira Circum-navegação Russa (entre 1803 e 1806), liderada por Ivan Kruzenchtern, os russos estavam convencidos de que podiam realizar a missão.
Dois navios, 190 marinheiros
Em julho de 1819, dois navios de guerra russos – Mirny e Vostok – partiram de Kronstadt, na região de São Petersburgo, chegando ao Rio de Janeiro em meados de novembro. O segundo capitão Faddey Bellinsgauzen, de 41 anos, que participara da Primeira Circum-navegação sob Kruzenchtern, foi nomeado chefe da nova e primeira expedição da Rússia à porção mais distante do Oceano Austral, ou Antártico.
Os marinheiros estavam bem abastecidos com limões e repolho fermentado (a vitamina C ajudava a evitar o escorbuto). Para conservar as fontes de vitaminas, eles aproveitavam todos os portos no caminho e trocavam dinheiro e mercadorias por frutas frescas. Para se aquecer, contavam com um estoque considerável de rum.
A tripulação tomava todas as precauções necessárias para manter uma boa higiene – desde a limpeza das roupas às camas e cabides – e possuía uma bânia (sauna russa) a bordo. Apenas um marinheiro morreu durante a viagem, em decorrência do que foi descrito como “febre nervosa”, depois de atravessar o Círculo Antártico.
O Vostok possuía uma equipe de 117 tripulantes sob o comando de Bellinsgauzen; a bordo do Mirny, havia 73 marinheiros, liderados pelo tenente Mikhail Lazarev, de 31 anos. Esses dois navios eram, no entanto, bem diferentes. O Mirny foi construído por engenheiros navais russos e tinha características especiais para protegê-lo contra a pressão do gelo. Já o Vostok, foi montado conforme padrões britânicos e apresentou inúmeros problemas; teve que ser consertado várias vezes durante a expedição, e sua fraqueza desempenhou, mais tarde, um papel na descoberta da Antártica.
Além dos marinheiros, havia a bordo um médico, um pintor, um professor de astronomia e um sacerdote ortodoxo – os religiosos atendiam os exploradores, mas também esperavam encontrar nativos na nova terra e convertê-los ao cristianismo. A tripulação portava armas e canhões caso os nativos fossem hostis. Mas não havia ninguém para converter ou lutar, o que não facilitou a expedição.
A descoberta
Do Rio, os navios navegavam diretamente rumo às águas antárticas. No caminho, a tripulação viu novas terras – a Ilha Sandwich do Sul, que havia sido descoberta e nomeada por James Cook; e que, na verdade, era o conjunto de Ilhas Sandwich do Sul – e descobriu várias outras ilhas, que receberam nomes dos membros da expedição.
Em 28 de janeiro de 1820, os dois navios se aproximaram da costa da Antártica. Nas palavras do tenente Lazarev, o novo território surgiu diante deles como “uma enorme calota de gelo de grande altura que se estende até onde o olho pode ver”. A essa altura, porém, o inverno antártico já havia se instalado. Para descansar e recuperar a energia, os marinheiros seguiram para a Baía de Sydney, na Austrália.
“Nossos navios estavam constantemente no meio do gelo. Nós estávamos sofrendo grandes dificuldades com a dureza dos ventos que dominam esses mares, e ainda mais com a escuridão espessa e nevascas úmidas e pesadas que são frequentes e abundantes ali. Fomos acompanhados por geada durante toda a viagem. As montanhas de gelo, algumas com mais de 400 pés acima do mar [pés russos, cerca de 120 metros], eram nossos adversários constantes. Tivemos que nos proteger com as maiores precauções e a mais rigorosa vigilância. O erro mais ínfimo poderia ter levado nosso avanços por água abaixo”, descreveu o capitão Bellinsgauzen em seu relatório enviado de Sydney ao Ministério da Naval em São Petersburgo.
Quase um ano depois, em dezembro de 1820, os navios russos cruzaram novamente o Círculo Antártico, na tentativa de descrever mais terras. Depois de um mês, no entanto, a estrutura do Vostok piorou ao ponto de ser perigoso navegar. Em janeiro de 1821, os navios voltaram. Os tripulantes foram recebidos em Kronstadt, em 5 de agosto de 1821, pelo imperador Alexandre 1º. Após a viagem, que durou no total 751 dias no total, a equipe foi condecorada com medalhas, títulos e novas patentes.
A próxima vez que os russos chegaram à costa antártica foi 136 anos depois, em 1956, durante uma expedição soviética que fundou e construiu a primeira estação de pesquisa científica russa no continente austral. A estação recebeu o nome Mirny em homenagem a um dos barcos russos que descobriram o sexto continente.
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