Como a Revolução de 1917 contribuiu para o desarmamento da população russa

História
NIKOLAI CHEVTCHENKO
Portar armamento na Rússia não é tarefa fácil. Para possuir uma espingarda de caça ou arma pneumática, por exemplo, é preciso passar por uma checagem minuciosa de antecedentes. Mas as coisas eram diferentes nos tempos dos tsares, quando todo mundo tinha uma arma no país.

Portar armas na Rússia não é tarefa fácil. Para possuir uma espingarda de caça ou arma pneumática, por exemplo, é preciso passar por uma checagem minuciosa de antecedentes. Mas as coisas eram diferentes nos tempos dos tsares, quando todo mundo tinha uma arma no país.

O aclamado poeta e “pai do russo moderno” Aleksandr Púchkin adorava um passatempo bem esquisito: depois de acordar, ele continuava deitado na cama e de lá atirava com sua pistola contra a parede.

Na Rússia imperial, as pessoas amavam armas. Oficiais, comerciantes, estudantes, damas respeitáveis e moças jovens tinham uma arma de mão favorita – por vezes, até mais de uma.

Mas, no final de Revolução de 1917, as autoridades restringiram o direito de porte de armas de fogo.

Nada de atirar dentro de estabelecimentos

Antes da revolução, as armas eram abundantes em grandes cidades russas, como Moscou ou São Petersburgo.

Os jornais traziam publicidade de Brownings, Nagants, Mausers e outros modelos de armas de mão que eram tão populares quanto baratas.

Uma Mauser custava cerca de 45 rublos, então havia uma porção de armas usadas mais baratas no mercado. Para se ter ideia, um bedel recebia um salário mensal de, em média, 40 rublos em Moscou.  

Mas nem nessa época os russos eram livres da intervenção governamental quando se dizia respeito ao uso de armas. As restrições existentes, porém, não regulamentavam o porte das armas, mas o modo como elas eram utilizadas.

Tiroteios ao acaso em ambientes fechados era frequentes e uma grave preocupação no século 17 em Moscou, onde quase todos os edifícios eram feitos de madeira e uma faísca de tiro podia facilmente iniciar um incêndio.

Aliás, esse tipo de incêndio era tão comum que uma ordem do tsar em 1684 proibia atirar em ambientes fechados.

Naturalmente, a julgar pelo exemplo de Púchkin, todo mundo parecia ignorar a tal regra até muito tempo depois.

Uma nova onda de restrições veio em 1845, quando um conjunto de leis  restringiu ainda mais o uso de armas, proibindo atirar em locais abertos cheios de gente, a não ser que fosse claramente necessário.

Apesar de os russos terem perdido então seu direito de atirar por diversão, ninguém ameaçava retirar suas armas – mas tudo mudou com a revolução.

Desarmamento total

A Revolução Bolchevique colocou um ponto final à livre circulação de armas entre cidadãos comuns. Os líderes da revolta sabiam bem de que as massas eram capazes, especialmente se armadas até os dentes, e fez uma movimentação para monopolizar o porte de armas.

Em 1918, os bolcheviques iniciaram um confisco de ampla escala de armas de fogo civis, proibindo seu porte e ameaçando com 10 anos de prisão o ocultamento de armas.

A única exceção foi feita a caçadores, que tinham permissão de porte de espingardas. As licenças para armas, porém, eram reguladas cuidadosamente e emitidas apenas pelo NKVD, a polícia especial responsável pelos expurgos de Stálin.

Foi uma questão de tempo até que a Rússia se tornasse um país quase livre de armas. Algumas pessoas acreditavam que os russos reaveriam o direito de porte de arma após o colapso da União Soviética, mas, apesar de armas de fogo terem estado disponíveis no mercado negro durante os anos 1990, o novo governo não se arriscou a liberá-las.

Hoje, os russos só podem comprar legalmente  armas de tambor sem resfriamento para caça e esportes, assim como armas de fogo pneumáticas para defesa própria. Fazer o pedido de uma licença também envolve um rigoroso processo de checagem de antecedentes.

Em poucas palavras, os russos podem comprar algumas armas hoje, mas felizmente a maior parte deles abandonou os passatempos favoritos de seus ancestrais de atirar em ambientes fechados.