Vorkuta: como a lendária cidade do Círculo Polar Ártico russo vive hoje

Pável Kuzmitchev
Esta cidade setentrional é impressionante em seus contrastes, mas mesmo quem já saiu de lá se lembra da cidade com carinho e diz que não há lugar igual.

Este prédio é considerado "o mais assustador" da cidade. Um prédio de painéis com janelas fechadas com tábuas e um slogan dilapidado no telhado: "Glória aos conquistadores das regiões polares!". 

É assustador, mas entramos. Nos deparamos com lances de escada quase destruídos e longos corredores escuros. O silêncio é quebrado pelos passos tímidos de alguém no andar de cima.

No primeiro andar, um gatinho preto salta em nossa direção. Nosso coração quase sai pela boca e corremos o mais rápido que podemos. Mas, assim que saímos para a rua, não há mais nenhum vestígio de medo.

Vorkuta é completamente diferente ali, animada e alegre.

O calor de uma cidade do norte

Chegamos a Vorkuta, a quarta maior cidade do mundo acima do Círculo Polar Ártico, nos últimos dias de novembro e imediatamente estávamos no Festival do Norte. Foi inesperado ver renas correndo pela rua central em uma nevasca de 20 graus Celsius negativos. Acontece que todos os anos os povos do norte – os komi, nenets, khantí - vêm da tundra para apresentar suas tradições.

Neste ano, as corridas de trenó foram realizadas na véspera da comemoração do 80º aniversário de Vorkuta e reuniram milhares de espectadores. Tivemos a oportunidade de conversar não só com os residentes locais, mas também com aqueles que já deixaram a cidade há muito tempo. Sabem o que eles nos disseram com mais frequência? "Não há pessoas como as de Vorkuta em nenhum outro lugar!"

Mikhail Peimer (dir.).

A cidade da juventude

"Criamos esta cidade para abrigar de 250 a 300 mil habitantes. Previmos com antecedência que uma geração jovem cresceria aqui, se envolveria com os esportes, se prepararia para qualquer desafio. Uma cidade de românticos, uma cidade de sonhadores, por isso há tantos edifícios e estruturas dedicados à juventude", diz Mikhaíl Peimer, homem que vem construindo Vorkuta quase desde sua fundação.

Aldeia de Rudnik no final dos anos 1950s, onde a história de Vorkuta começou.

Em fevereiro de 2023, Mikhaíl comemorou seu 100º aniversário. Ainda quando um jovem oficial formado pela Escola Militar Moscovita de Artilheiros de Foguetes, ele sobreviveu à Grande Guerra Patriótica.

Na mina Komsomolskaia.

Vinte dias antes da vitória, quando estava em Koenigsberg (hoje, Kaliningrado), foi acusado de “agitação antissoviética” e condenado a 10 anos em campos de trabalhos forçados. Foi assim que ele foi parar em Vorkuta. Após a morte de Stálin, ele foi reabilitado e suas condecorações foram restabelecidas.

Oleg Garanin.

Ele trabalhou em Vorkuta até 1984, quando se aposentou. Hoje, ele mora em Iaroslavl, a cidade de sua infância. Ali ele conversa com os jovens, escreve livros e administra redes sociais.

Jardim de inverno.

Ele foi a Vorkuta junto com um amigo que também um engenheiro aposentado de Vorkuta.

Vagões da mina.

A mina de carvão mais profunda da Rússia

O trabalho de muitos moradores da cidade está ligado à Usina Vorkutaugol, a maior do país. Ela tem quatro minas (Vorgachorskaia, Vorkutinskaia, Zapoliarnaia e Komsomolskaia), a mina de carvão Iuniaguinski, uma usina de preparação de carvão e a Usina Mecânica de Vorkuta, onde todos os equipamentos de mineração e escavação de túneis são consertados.

O vice-dieretor recém-saído da mina.

"Desci uma mina pela primeira vez em 2005 e gostei", conta-nos Oleg Garanin, diretor da mina Komsomolskaia. “Passei por todas as profissões, de eletricista subterrâneo a diretor".

A pedreira Iuniaguinski é a primeira do Ártico.

A Komsomolskaia é a mina de carvão mais profunda da Rússia, com mais de 1.100 metros. Leva cerca de 10 minutos para descer só até o primeiro nível.

Construção da estrada de ferro Kotlas-Vorkuta.

Cerca de 1.000 pessoas trabalham ali, e quase todas são residentes de Vorkuta, e não trabalhadores em turnos. Uma comissão médica é obrigatória. A entrada e saída só ocorre após um teste no bafômetro. Todos obedecem à "lei seca" ali — inclusive o diretor, pois ele e seus assistentes também descem à mina.

Pérola da Região Polar

Rudnik na atualidade.

Na década de 1930, os geólogos descobriram carvão de alta qualidade com baixo teor de enxofre no norte dos Urais. Esse é o tipo de carvão de coque necessário para a metalurgia. Ele é usado para aquecer os altos-fornos onde o ferro-gusa é fundido. E, ainda hoje, estas são as maiores reservas de carvão da Europa (com mais de 4 bilhões de toneladas!).

Existem boatos de que esta estátua retrate Stálin em roupa de mineiro.

A construção de Vorkuta foi iniciada por prisioneiros. O número de prisioneiros do campo de trabalhos forçados Vorkutlag chegou a 70 mil pessoas. Entre eles, havia representantes de muitas nações, por isso Vorkuta é frequentemente chamada de "a capital do mundo".

O Palácio da Cultura dos Mineiros.

Em 1943, o assentamento recebeu o status de cidade e uma grande construção foi iniciada. Após a morte de Stálin, quando os campos foram desmantelados, jovens membros do Komsomol de todo o país começaram a partir para lá. Um "anel" de minas de carvão e assentamentos de trabalho foi construído em torno de Vorkuta.

Vorkuta à noite. Vista da Escola Técnica de Mineiros.

O plano geral de construção foi aprovado em 1956. Assim como Norilsk, Vorkuta foi construída seguindo os projetos de arquitetos da escola de Leningrado.

O centro de Vorkuta.

Vale a pena caminhar pela rua Lênin para ver as magníficas colunas do Palácio da Cultura dos Mineiros e da Escola Técnica de Mineração, o monumental Palácio dos Pioneiros e muitos prédios de tijolos com lojas e restaurantes nos andares térreos. Há também placas soviéticas nos prédios, o que lhes rende uma atmosfera especial.

"Compressão controlada"

Monumento aos ônibus que levavam trabalhadores.

Na época da queda da União Soviética, cerca de 250.000 pessoas viviam em Vorkuta e seus arredores (atualmente, são cerca de 60.000). A mão de obra no extremo norte era muito valorizada.

Mas, em 1989, tanto os salários quanto os benefícios foram cortados. Houve uma onda de greves entre os mineiros. Após a queda da URSS, as pessoas ficaram meses sem receber nada. Em busca de uma vida melhor, elas começaram a partir pouco a pouco para outras cidades.

Prédios residenciais.

Nos últimos anos, a situação melhorou: os especialistas que trabalham no subsolo recebem de 80 a 150 mil rublos (entre 900 e 1.600 dólares), assim como o direito a uma aposentadoria antecipada e uma licença maior.

Em Vorkuta, um programa de "compressão gerenciada" está em vigor há anos. Pessoas de aldeias próximos são realocadas para a cidade a fim de reduzir os custos de manutenção da infraestrutura.

Paralelo 67.

A Rússia também tem um programa estatal para ajudar os residentes do Extremo Norte: eles podem obter subsídios para comprar moradias em outras regiões — mas a fila de espera dura anos.

"As pessoas apelidaram Vorkuta de a ‘pérola do Círculo Polar Ártico’", conta Mikhaíl Nikolaevitch. “Embora agora pareça que Vorkuta tenha caído em um certo esquecimento, não é bem assim. Ninguém se esqueceu. Vorkuta ganhará uma segunda vida.”

Em 2023, o governo russo incluiu Vorkuta na lista de pontos de apoio do Ártico e planos de desenvolvimento econômico de longo prazo serão desenvolvidos para elas — o que deve melhorar significativamente a vida dos habitantes do norte.

Uma enorme quantidade de patrimônio industrial e arquitetônico soviético permanece em Vorkuta e muitos turistas vão até lá para ver os assentamentos fantasmas abandonados no chamado "Anel de Vorkuta". Veremos isso nas próximas reportagens.

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