À primeira vista, Norilsk, no norte do território de Krasnoiarsk, na Sibéria, parece uma típica cidade industrial construída seguindo os cânones arquitetônicos soviéticos. Há ali edifícios oficiais no estilo do Império Stalinista, bairros residenciais de prédios “panelki” multicoloridos (blocos de apartamentos construídos de painéis de concreto pré-fabricados) e intermináveis chaminés de indústrias que se estendem para além do horizonte.
Mas imagine só: neste paralelo 69 (300 quilômetros acima da linha do Círculo Polar Ártico), há neve por quase nove meses ao ano. No inverno, as temperaturas podem cair para algo entre 45 e 50 graus Celsius negativos, mas o pior são as nevascas, que chegam até a derrubar as pessoas.
A cidade fica perto da Península de Taimir, também conhecida como o “cemitério dos ciclones” - todos os ciclones do Atlântico terminam o seu ciclo de vida ali, e por isso o vento é uma constante no local.
Apesar de tudo isso, mais de 175 mil pessoas vivem em Norilsk, a segunda maior cidade ártica do mundo (a primeira é Múrmansk, também na Rússia, com uma população de quase 270.000 habitantes, mas que fica um pouco mais ao sul).
Níquel, cobre, cobalto e paládio são extraídos e processados em Noriksk.
As fábricas funcionam 24 horas por dia e seus funcionários precisam conseguir chegar ao trabalho e em casa o ano todo, independentemente do clima.
Mas como fazer isso quando há uma nevasca terrível lá fora? Isso sem falar na noite polar, a noite que dura mais de 24 horas!
Escudos de Potapov
O problema do acúmulo de neve sempre foi grave em Norilsk: ela pode atingir 30 metros de altura e enormes recursos eram usados para eliminá-la. O mais importante era garantir o funcionamento ininterrupto da ferrovia até Dudinka, que se estende por 100 quilômetros de tundra deserta e permafrost.
A ferrovia transportava os minérios até o porto do rio Ienissei, de onde eram enviados por via marítima. E, na mão contrária, alimentos, utensílios domésticos e encomendas do “continente” chegavam a Norilsk vindos de Dudinka.
Hoje, há barreiras de madeira contra a neve ao longo das estradas. Elas foram projetadas pelo engenheiro ferroviário soviético Mikhail Potapov. Norilsk foi inicialmente construída usando o trabalho forçado dos internos da Gulag (campo de trabalhos forçados) de Norillag, que foi fechada em 1956.
Potapov ficou preso ali entre o final da década de 1930 e o início da de 1940, condenado a 10 anos por “associação” com o marechal Tukhatchêvski, que havia caído em desgraça — e tinha adotado para a indústria de defesa uma máquina que queimava ervas daninhas e tinha sido inventada por Potapov.
Em Norilsk, o engenheiro foi encarregado de organizar um sistema contra a neve. Potapov fez todo o percurso da ferrovia a pé e formulou a seguinte solução: barreiras que deveriam ser instaladas em um determinado ângulo, garantindo que o vento passasse por baixo delas com tanta força que varresse a neve das estradas ou ferrovias.
Para cada trecho da ferrovia, o engenheiro calculou o posicionamento correto das estruturas em relação à direção e velocidade do vento. Em 1944, Potapov foi libertado antes de terminar de cumprir sua pena, mas continuou a trabalhar em Norilsk até 1950 e, no final das contas, conseguiu registrar como invenção sua os projetos de escudos de neve.
Seu departamento foi dissolvido em 1950 e ele foi para trabalhar em Kansk, outra cidade no território de Krasnoiarsk. Porém, Potapov foi preso novamente logo depois, pelas mesmas acusações anteriores, e voltou para Norilsk, onde morreu em 1954. Seus escudos de neve, permanecem ali até hoje.
Paredão de prédios infinito
Norilsk recebeu o status de cidade em 1953. Os planos para a cidade foram elaborados pelo arquiteto de Leningrado Vitold Nepokoitchitski, que foi ao Círculo Polar a convite do chefe da fábrica de níquel de Norilsk.
Nepokoitchitski era um expoente da escola de arquitetura de Leningrado, por isso os primeiros edifícios no centro da cidade foram erigidos nos estilos neoclássico e Império Stalinista.
É por isso que a via central da cidade, a Leninski Prospekt, se assemelha à Nevski Prospekt, de São Petersburgo. Ela tem os mesmos monumentais edifícios, opulentamente decorados com gesso — mas instalados sobre estacas para evitar que o calor dos prédios aqueça o permafrost.
Olhando de longe as ruas de Norilsk, os prédios parecem formar um paredão. Isto também foi premeditado: serve como proteção contra o vento.
O planejamento dos pátios, as áreas comuns dos prédios, foi inspirado em São Petersburgo.
Passagens entre prédios
O plano diretor para a construção de Norilsk era grandioso, mas nunca foi totalmente implementado. Em meados da década de 1950, após a morte de Stálin, iniciou-se uma campanha contra os excessos arquitetônicos e Norilsk acabou repleta de prédios tipo “panelki” (feitos de painéis de concreto pré-fabricados) padronizados. Mas, com características distintivas.
Os pátios nos bairros residenciais de Norilsk são construídos seguindo as linhas de “circuito fechado” e as entradas ficam do lado de dentro. Além disso, há aberturas com escadinhas entre os prédios. Algumas das aberturas são muito estreitas, e não deixam passar sequer duas pessoas ao mesmo tempo.
Isto foi feito de propósito, para permitir que os moradores se aproximem da entrada do prédio, mas também se protejam do vento e, além disso, para evitar que vente no pátio.
Os moradores locais dizem que, às vezes, ocorre uma “nevasca negra”, acompanhada por um vento muito forte, que varre tudo em seu caminho.
A “nevasca negra” mais devastadora já registada ocorreu no início de 1957. A tempestade de neve durou vários dias e foram esticadas cordas entre os prédios para permitir que as pessoas se deslocassem de alguma forma.
Atualmente, há uma grande remodelação da cidade: dezenas de prédios serão renovados e outros, novos, construídos, enquanto os pátios serão melhorados e as redes de serviços públicos modernizadas como parte de um programa previsto para ser concluído até 2035.
Números gigantes nos prédios
Uma das características mais marcantes de Norilsk são os enormes e coloridos números dos prédios. Eles são visíveis de longe e sob todas as condições climáticas.
Isto ajuda muito a encontrar o endereço certo no meio de uma nevasca, especialmente para os recém-chegados. Esses números começaram a ser instalados em blocos de apartamentos dos “panelki” na década de 1980.
Os números dos edifícios antigos, por sua vez, têm um design padrão.
Outra característica de Norilsk é que os prédios são pintados com cores vivas, na tentativa de elevar o ânimo dos moradores locais.
Várias fachadas também exibem mosaicos com temática do Extremo Norte.
Iluminações de rua
Outro detalhe interessante são os cordões de luzes festivas em muitos edifícios. No verão, há luz 24 horas por dia, devido ao dia polar (sim, ele é o oposto exato da noite polar), essa iluminação é desligada. Mas, quando chega o outono, todas as ruas são iluminadas, como se já fosse final de ano.
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