“Eu ficaria muito feliz se você pudesse escrever um artigo sobre [o] Déduchka!!!” Este é um pedido que recebemos de um leitor depois que ele viu nosso artigo sobre o fenômeno da “bábuchka” russa. Bem, a palavra de nossos leitores é uma ordem!
Quem é o “déduchka”?
A palavra russa “déduchka” é traduzida literalmente como vovô. “Déduchka” tem origem na palavra “ded”, que, em língua russa, é uma definição oficial para avô. Um significado mais amplo da palavra “ded” é um homem idoso, sinônimo da palavra “starik”.
O diminutivo “déduchka” tornou-se uma maneira mais comum para os netos se dirigirem ao avô, especialmente se ainda forem crianças pequenas. Ao falar de um avô, um adulto diz “ded”.
Também existe o Ded Moroz, literalmente “Avô do Gelo”, que é o Papai Noel russo.
O “ded” russo é, na verdade um herói muito frequente dos contos de fadas folclóricos. Ele geralmente é um velho gentil que cria a neta sozinho, um mago velho e gentil, ou um pobre velhinho que está sendo abusado por sua esposa mal-humorada.
Durão por fora, mas bonzinho por dentro
A maioria dos déduchkas modernos cresceu na União Soviética, onde as crianças eram criadas em tradições típicas de papéis de gênero. As mulheres deviam cuidar da lareira, cozinhar e cuidar dos filhos, enquanto os homens eram os chefes de família que trabalhavam muito (falando francamente, as mulheres também trabalhavam, mas seu papel principal era considerado o papel de dona de casa ao mesmo tempo). Por isso, não é surpresa que as “bábuchkas” gostem de cuidar de crianças, enquanto os déduchkas… nem tanto.
“Lembro que meu déduchka não falava muito comigo. Eu acho que indo para a dátcha [casa de campo] deles no verão, eu só o incomodava, mudando a rotina habitual dele à força e tirando todo o tempo e atenção da ‘bábuchka’”, lembra Serguêi, de 63 anos.
Um “ded” russo também é um herói de anedotas e contos. Normalmente, ele se incomoda com “aqueles garotos barulhentos” (e com o tanto de atenção que sua mulher dá a eles). Um “déduchka” geralmente odeia toda a conversa de bebê, mimos e sussurros. Um “ded” só pode se dar ao luxo de mostrar alguma ternura quando a criança ainda é bebê recém-nascido ou uma criança muito pequena. Mas, depois disso, deve haver ORDEM na casa e o “ded” está sempre atento para não mimar muito um neto.
A maioria dos russos se lembraria de seu “déduchka” fumando um cigarro em silêncio, pescando ou colhendo cogumelos sozinho. “Meu avô lia o jornal todas as manhãs e, enquanto lia, não prestava atenção em mim, mesmo que eu ficasse de cabeça para baixo”, lembra Kátia, de 32 anos.
Muitos “déduchkas” também passaram pela Segunda Guerra Mundial ou outras mudanças sociais difíceis durante a era soviética, e não gostaram de lembrar disso ou contar histórias a respeito. Eles preferem beber em silêncio uma dose de vodca no Dia da Vitória, relembrando os mortos.
No entanto, apesar de parecer incrivelmente forte, o “déduchka” geralmente tem um coração bondoso. “Isso é estranho, o ‘déduchka’ nunca me puxou o saco, mas quando se tratava da ‘bábuchka’ me punindo por algo, ele sempre ficava do meu lado e me protegia”, conta Olga, de 50 anos. “E, quando eu já era adolescente, eu saía e ficava fora até tarde e a ‘bábuchka’ se preocupava e me pedia para voltar para casa mais cedo, mas o ‘déduchka’ sempre dizia para ela me deixar me divertir!”
Também é surpreendente que, parecendo tão durão, o “déduchka” sempre tenha um enorme amor pela “bábuchka” (que ele, com certeza, nunca demonstra em público). E é por isso que, muitas vezes, ouvimos que quando a “bábuchka” morre antes do “déduchka”, ele literalmente morre de tristeza pouco tempo depois dela.
A visão de amor do “déduchka”
A bábuchka geralmente espalha o amor absoluto e incondicional aos netos, alimentando-os constantemente, sendo carinhosa, verificando se estão bem vestidos para não pegar um resfriado.
Um “déduchka” é diferente. O fato é que, ao longo da história, os homens na Rússia não conheceram nenhuma relação calorosa, nenhuma ternura. Uma das descrições mais coloridas e autênticas de morte na literatura russa está no romance autobiográfico de Maksim Górki “Minha Infância”. Há ali um “ded” russo comum, o chefe da uma grande família que se encarrega da ordem na casa. Ele é um homem sábio e de princípios e, para ensinar seus netos a se comportarem melhor, ele os espanca... por todo e qualquer motivo.
Claro, os tempos mudaram. Mas muitos “déduchkas” modernos ainda não vêem nada de errado em um pequeno tapa na cabeça. Nada de abraços, mas pequenos tapinhas, sim.
O “déduchka” ultramoderno, lembrando seu papel de arrimo de família, costuma mostrar seu amor com o dinheiro. Se a “bábuchka” está preocupada se a criança come bem e usa o chapéu no inverno (não importa a idade da criança), o “déduchka” está ali mais para apoiar, seja moral ou financeiramente. Ele pergunta se está tudo bem, dá conselhos se necessário e muitas vezes oferece uma mesada extra, para que a criança se sinta mais confortável (“mas não conte à bábuchka!”, ele diz normalmente).
Por que falamos menos do “déduchka” que da “bábuchka”?
As mulheres na Rússia, em média, vivem mais do que os homens e, segundo as estatísticas, há simplesmente mais “bábuchkas” que “déduchkas”. Em 2021, a expectativa média de vida masculina na Rússia era de cerca de 65 anos, enquanto, para as mulheres, era mais próxima de 74. E esses números são mais ou menos os mesmos desde a década de 1990.
Ao mesmo tempo, durante o brutal século 20, muitos russos morreram durante várias guerras e expurgos. E milhões de mulheres ficaram sozinhas, tendo que ganhar a vida, manter a casa e criar filhos (e netos).
Muitas famílias no espaço pós-soviético nunca viram seus “déduchkas”, pois muitos deles morreram na Segunda Guerra Mundial. É por isso que a memória dessa guerra ainda é tão forte na Rússia. Também era frequente que os “déduchkas” morressem muito jovens, depois de desenvolver problemas de saúde após anos de trabalho duro (assim como períodos passados no Gulag).
“Quem não tinha mais um ‘déduchka’ sempre sentia inveja daqueles que tinham. Achávamos que isso significava que tinha um homem de verdade na casa”, acrescenta Serguêi. “Tive a sorte de ter o ‘ded’ do meu vizinho, que me ensinou a cortar lenha e me levou para pescar — mas sempre pedia para eu não falar demais!”
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