Um homem negro cercado por três mulheres jovens, todas brancas, está comendo sushi, rolinhos e noodles - um anúncio com essa foto foi postado na rede social russa VKontakte no último dia 14 de agosto pela rede de delivery de comida japonesa YobiDoebi.
O conceito, porém, não agradou Vladislav Pozdniakov, fundador do movimento do Estado dos Homens, que defende ideias de nacionalismo e patriarcado. Membros de sua comunidade on-line costumam promover ciberbullying e ameaças que tem como alvo diversos grupos sociais - como, por exemplo, modelos femininas por aparecerem nuas em um videoclipe do vocalista do Rammstein, Till Lindemann; mulheres russas que se envolvem com homens de outras etnias; ou membros da comunidade LGBTQIA+. As contas da comunidade e de Pozdniakov na rede social VKontakte e no TikTok já foram bloqueadas, e agora ele comanda um canal do Telegram que possui cerca de 95.000 seguidores.
Após a veiculação do recente anúncio, Pozdniakov exortou seus seguidores a fazerem pedidos falsos não pré-pagos à YobiDoebi para endereços inexistentes em 65 cidades na Rússia para que a empresa incorresse em perdas. Além disso, seus seguidores começaram a deixar comentários negativos em diferentes sites de avaliação, mapas on-line e em aplicativos da AppStore e do Google Play, e o site oficial da rede sofreu ataques cibernéticos. O canal também vazou números de telefone e contas nas redes sociais de modelos do anúncio e do fundador da rede, Konstantin Zimen, que começou a receber ameaças. Zimen fez uma denúncia à Polícia e prometeu não remover a foto que gerou a polêmica.
“Muitas marcas usam imagens de modelos diferentes, que podem diferir em termos de cor de pele, gênero e assim por diante. Não há nada de provocativo nisso - é apenas a voz dos nossos tempos. Lamento que alguém pense que postar uma fotografia de um homem negro (especialmente ao lado de garotas supostamente eslavas) seja inaceitável”, disse Zimen.
No entanto, a rede removeu a foto de sua comunidade na VK e emitiu um pedido de desculpas.
“Em nome de toda a empresa, gostaríamos de pedir desculpas à nação russa por ter ofendido os russos com nossas fotografias. Removemos todo o conteúdo que causou esse alvoroço”, lê-se na nota.
Em 29 de agosto, a Estado dos Homens lançou um ataque semelhante contra outra rede de restaurantes japoneses, Tanuki, por causa de fotos de casais gays e modelos negras.
“Por que você está anunciando este 'homem russo'? Estamos na África?”,“Cringe, obrigado”,“Quando seus cafés fecharem, aí vocês aprenderão como promover a sodomia na Santa Rússia!” foram alguns dos comentários deixados por membros do grupo.
Por causa dos ataques, a Tanuki desativou a opção de pagamento em dinheiro para reduzir o número de pedidos fraudulentos, mas o site da rede apresentou problemas intermitentes.
Além disso, as agências de segurança pública de Moscou receberam ligações com falsos relatos de bombas colocadas em restaurantes da Tanuki.
Mesmo assim, a rede continua operando normalmente. A Tanuki decidiu não excluir as fotos com o modelo negro e, em vez disso, publicou outro anúncio semelhante. A empresa também solicitou ao fundador do Telegram, Pável Durov, e ao Ministério de Comunicações e Desenvolvimento Digital da Rússia para bloquear todos os canais de Pozdniakov e da Estado dos Homens no Telegram.
“'O subestado dos sub-homens' escolheu o alvo errado. (...) Nossas postagens nas redes sociais continuarão a apresentar fotos de pessoas maravilhosas - que pertencem a diferentes religiões, nacionalidades, raças e orientações. Estamos convencidos de que ninguém é definido por nenhuma dessas características. Existem pessoas boas e más em todos os lugares, independentemente [desses fatores]”, declarou a Tanuki em um comunicado.
Redes sociais e reação oficial
Nesse ínterim, os clientes da Tanuki lançaram uma campanha nas redes sociais com a hashtag #ямытануки (Eu/Nós Tanuki) e pediram o bloqueio da comunidade on-line e do canal do fundador do Estado dos Homens. Abaixo estão alguns dos comentários que os usuários postaram nas redes:
“Prestem atenção ao conteúdo extremista nos canais do Telegram. Como a retórica da discriminação e do racismo pode ser possível nos dias de hoje?!”;
“Tomem, demônios medievais! No futuro, em longo prazo, a liberdade, a igualdade e a fraternidade sempre vencem”;
“Hoje, meu namorado e eu vamos pedir sushi da Tanuki.”
Alguns blogueiros anônimos acreditam, porém, que a polêmica faz parte de uma estratégia de relações públicas.
“Minha nossa, meninas. Eles estão jogando com vocês. Eles contrataram Pozdniakov para escrever aquela postagem e são eles que estão se retirando dos agregadores. Ninguém se importa com Tanuki ou seus infelizes modelos negros”, diz um canal anônimo do Telegram.
A deputada da Duma de Estado (câmara baixa do Parlamento russo), Oxana Puchkina, apelou ao procurador-geral russo Igor Krasnov para que verifique as atividades da organização nacionalista.
O porta-voz do Kremlin, Dmítri Peskov, também se manifestou sobre a polêmica.
“Se houver alguma ação que leve a violação da lei e houver reclamações sobre isso, então, é claro, as autoridades competentes devem tomar medidas”, disse Peskov.
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