O que é ‘toská’, a angústia russa?

Viktor Vasnetsov/Galeria Tretiakov; Gavriil Grigorov/TASS
Um conceito intraduzível ou uma patologia que pode ser tratada? Pedimos a russos e estrangeiros que definissem a ‘toská’.

Siân, jornalista brasileiro, vive e trabalha na Rússia há 5 anos

“Toská é um conceito enganoso que pode ser traduzido de várias maneiras, dependendo do contexto. Na minha opinião, é uma melancolia apática, uma tristeza sem causa específica ou uma pontada de angústia. Também pode significar saudade ou ‘homesick’, e talvez se assemelhe à ‘saudade’ em português ou ‘nostalgia’ em grego: um ‘dilaceramento’ interno de dor relacionado a um lugar distante ou um tempo passado.”

Lucia, jornalista italiana, viveu e trabalhou na Rússia por 7 anos

“Sempre foi bastante difícil para mim entender o significado da palavra russa ‘Toská’... A primeira associação é com a palavra portuguesa ‘saudade’, mas acho que o contexto histórico do povo russo acrescenta um ‘tom’ diferente a esse sentimento. Pode ser interessante entender se a palavra ‘toská’ tem uma conexão etimológica com o verbo russo ‘taskat’, algo como carregar ou transportar um passado muito pesado, o que faz as pessoas se sentirem tristes, melancólicas e sombrias...”

Nota do editor: etimologicamente, toská é tem raiz proto-eslava em *tъska. Na antiga língua eslava do leste, тъска significava “aperto, pesar, tristeza, preocupação”. Em tcheco, existe a palavra teskný (proveniente da mesma raiz proto-eslava) e que significa “medroso, tímido”.

Davin, norte-americano casado com uma russa

“Toská, essa ‘tristeza russa’ é um elemento de identidade central, a maneira como os russos se veem e parte integrante de quem eles são. Assim, os russos têm esse sentimento de tristeza, que é aparentemente o resultado de tanta tragédia na história da Rússia, que é fundamental para a visão de mundo, a identidade, a forma como eles se veem e lidam com as dificuldades da vida. E a tristeza russa talvez se manifeste através do ‘humor negro’, do qual eles têm um certo orgulho.”

A girl watching the sunset in Sochi, Russia

Ajay, russista indiano

“A palavra toská evoca um sentimento mais próximo do que o Buda descreveu como ‘dukha’, que foi erroneamente traduzido do sânscrito e do pali como sofrimento, mas, na verdade, significa insatisfação. Muitos russos de sucesso alcançam esse estágio após um tempo e então começam a olhar para dentro para encontrar um significado maior. É o desejo de algum tipo de satisfação interior indescritível.”

Elena, guia turística de São Petersburgo

“Toská é algo que está gravado no DNA russo. Você pode ser tão otimista quanto desejar, mas a toská está presa dentro de você. Ela poderia estar ligada ao nosso passado histórico complicado e às perdas que a nação sofreu ou aos séculos de vida em climas difíceis. Nossa toská é muito parecida com a depressão, apesar de não poder ser curada com antidepressivos ou terapia. Está intimamente ligada ao sofrimento e à dúvida de si, que são tão caros ao povo russo. Como disse certa vez Aliona Doletskaia, a primeira editora da Vogue russa, ‘toská é, em grande parte, uma forma de meditação russa’. É por isso que a toská é, paradoxalmente, vital para nós: porque estando, às vezes, no meio da escuridão, a toská nos fornece os recursos ser alegre e feliz como ninguém quando realmente estamos nos divertindo.”

A man sits inside a bus in Novosibirsk. Outside, it's 32.8F below zero

Borís, músico de Samara

“Jimi Hedrix diria: ‘A toská é uma baita chatice’. Mesmo quando você está ciente da causa de sua tristeza ou de seus problemas, isso não resolve ou facilita nada. Em novembro de 2009, eu e minha banda estávamos voltando para casa depois de fazer um show em São Petersburgo e, de repente, ficamos presos em um engarrafamento ferroviário, que ocorreu porque o trem-bala entre Moscou e São Petersburgo havia sido bombardeado por terroristas. Assim, nosso trem percorreu um caminho mais longo, e a rota estava em constante mudança por causa dos outros trens, de modo que ninguém, nem mesmo os funcionários do trem, sabia quando chegaríamos e para onde estávamos indo. Ficamos sem comida, sem dinheiro e sem coisas para fazer ou assuntos para conversar, e apenas nos sentávamos, apáticos. Para mim, toská é isso: é ser pendurado para secar no meio de um clima incerto”

George, jornalista da Grã-Bretanha

“Alguns russos com quem falei dizem que sentem que herdaram uma espécie de tristeza devida ao sofrimento de seus antepassados. Do ponto de vista de um inglês, é difícil, mas acho, definitivamente, que alguns russos podem expressar um tipo único de melancolia. Os russos podem expressar um tipo de seriedade/tristeza/saudade sem que as pessoas (estrangeiras) pensem que eles estão deprimidos. Se um americano, por exemplo, expressasse os mesmos sentimentos, o médico certamente lhe receitaria Xanax.”

Sean Quirk, americano que mora em Tuva, na Rússia, há 17 anos

“Isso para mim vai além da mera depressão, tédio ou tristeza pura e simples. É um tipo de estado em que se sente profundamente o vazio absoluto do cosmos e, ao mesmo tempo, se está profundamente ciente da terrível nitidez e intensidade de um único momento na vida. Sentimos completamente o que é ser humano, ser rasgado pela perda, tristeza, traição e toda a miríade de coisas que podem acontecer ao longo da curta vida humana, mas também sentir isso tendo como pano de fundo um vácuo vazio, niilista e gritante que conteria toda ação e pensamento de qualquer peso como algo sem sentido em um universo infinito e, em última análise, irracional. E, no entanto, essa mesma toská nos liga intrinsecamente à própria centelha que nos dá vida como seres humanos e nos permite manter uma pequena centelha faísca contra o peso daquele vazio sem fim que se abate sobre nós e nos subjuga ao esquecimento.”

Andrêi Rodiônov, poeta moscovita

"Toská é o negócio da juventude."

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