De meados de maio a meados de julho, São Petersburgo não dorme — literalmente. A escuridão cobre o céu por apenas uma hora por dia, e a noite parece um eterno crepúsculo. Esse fenômeno sazonal atrai muitos turistas à cidade, e até mesmo os moradores locais romantizam sobre o período. Mas o que há de tão especial nas Noites Brancas?
Tempo de romance
“Foi uma noite maravilhosa, o tipo de noite que só acontece quando somos jovens, querido leitor”, escreve Fiódor Dostoiévski em seu livro “Noites Brancas”, obra mais sentimental dele (e talvez a única). O escritor, que viveu na cidade à beira do rio Nievá por muitos anos, foi o primeiro a romantizar o fenômeno e a descrever o efeito que ele exerce sobre quem tem uma natureza sonhadora.
Pontes levadiças de São Petersburgo.
Serguêi Smirnov/Global Look PressO protagonista de Dostoiévski flana pela cidade sozinho, espiando rostos e buscando encontrar uma amada. Então ele vê uma moça próxima de um canal e a ouve chorar. Ele se aproxima e eles passam as noites seguintes passeando pelas ruas, abrindo-se um ao outro, mas... Como você provavelmente sabe, não existe final feliz em Dostoiévski. Mesmo assim, até mesmo em Dostoiévski o romantismo das noites brancas se sobressai.
Noites pandêmicas
A editora brasileira Daniela Mountian, que está em São Petersburgo atualmente, durante as noites brancas de 2020, relembra outras noites brancas passadas e comenta as atuais:
“‘As noites brancas virão’, é o consolo nos meses de inverno de São Petersburgo, principalmente para estrangeiros vindos dos trópicos como eu. Elas são tão bonitas que roubam o sono e dão sentido aos dias que parecem noites. Caminhar embriagado pelas pontes e travessas petersburguesas em junho é algo difícil de descrever sem cair na pieguice: só se compara a uma noite nevada, mas completamente nevada (que por algum motivo virou fenômeno raro por aqui). A pandemia me obriga a olhar a noite branca através da janela, em silêncio, sóbria, sem topar com os transeuntes da avenida Niévski, correndo em direção à Ponte do Palácio (ouvi dizer que eles continuam correndo para lá). E, mesmo longe dos prédios e das igrejas centrais, as noites que parecem dias, que teimam em vir, sem se importarem com vírus, bactérias e substâncias afins, lembram que a vida irrompe, inevitavelmente.”
Vistas deslumbrantes e declarações de amor
Todos os anos, na época das noites brancas, a petersburguense Iúlia é uma das que vai até o rio Nievá, no calçadão do palácio, ao lado da ponte sobre o Canal de Inverno. Na opinião dela, o local é ideal para assistir ao pôr do sol no extremo leste da Ilha Vassílievski, e, em seguida, ao majestoso soerguimento da ponte levadiça do palácio.
“Pego um cobertor e uma garrafa térmica com chá, observo o panorama da majestosa Petersburgo e ouço o som do rio e outros sons da cidade. Uma vez, testemunhei, por acaso, uma proposta de casamento. Ainda acredito que seja um sinal de boas coisas na minha vida pessoal”, diz.
Milagres e pontes levadiças
Nina se lembra dos dias em que todas as pontes da cidade eram elevadas e só se podia chegar ao outro lado por milagre.
“Certa vez, eu e uma amiga estávamos tentando, por algum motivo, voltar ao alojamento universitário às 3 da manhã embriagadas. Ela foi até um carro da polícia e gritou: ‘tiozões, quanto custa para baixar as pontes?’ Ela teve a pachorra de abrir a porta, sentar-se no banco de trás e dizer a eles que tinha um exame na manhã seguinte. De repente, o carro estava ligado e o policial respondeu: ‘Se você tem que ir, então vamos!’ Então o carro parou de repente e baixou para uma balsa. Chovia e ventava e tudo parecia um sonho!”, lembra Nina.
Música e passeio até o amanhecer
Aleksandra admite que um dos motivos pelos quais se mudou de Moscou para São Petersburgo foram as noites brancas. “Passo o ano inteiro esperando por esse momento. É só pensando nas noites brancas que sobrevivo à escuridão dos invernos escuros e as fortes chuvas de outono”, diz.
Aleksandra lembra que uma vez, depois do trabalho, ela e uma amiga compraram uma garrafa de vinho e se sentaram para conversar à beira do rio. Elas ficaram tão imersos na conversa que nem perceberam a hora passar. Foi só quando os maridos em pânico ligaram que elas perceberam há quanto tempo estavam sentadas ali: já passava da meia-noite, mas ainda estava claro e por isso nem se deram conta.
A maioria dos moradores locais, porém, acredita que a magia das Noites Brancas é só para turistas e estudantes. Alla, que nasceu e cresceu na cidade, adora o fenômeno, mas diz que raramente sai à noite nesse período, agora que cresceu e que não consegue convencer os amigos a irem para a rua ver as noites brancas.
“Mas antes... A gente se reunia com os amigos, levava violões... Era quente e animado e saíamos juntos e nos divertíamos. Ao amanhecer, os primeiros pedestres se arrastavam sonolentos para o trabalho, e a gente ainda estava pulando... Cansados, mas felizes.”
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