Em 15 de julho de 2018, a polícia de Washington D.C. prendeu uma estudante russa de 29 anos acusada de se infiltrar em organizações norte-americanas para promover os interesses russos. Seu nome ficaria famoso mundo afora logo em seguida: a moça era Maria Bútina.
Na última sexta-feira (26), ela foi condenada a 18 meses de prisão pelo crime de conspiração contra os EUA. Será descontado da pena o período de nove meses que ela já passou detida.
A história da ascensão e queda de Bútina começou em um lugar muito distante de Washington, em uma universidade no interior da Rússia, a quase 3.000 quilômetros de Moscou.
Defesa do porte de armas na Rússia
Apenas cinco anos depois de os estudantes da Universidade Estatal de Altai, na cidade de Barnaul, iniciarem um círculo de debates e discursos públicos, cinco participantes conseguiram elevar a um nível nacional a defesa do direito de porte de armas russo.
“A gente se uniu por um interesse comum e fazia debates. Alguns dos nossos professores fizeram intercâmbios nos EUA, e eles caras aprenderam muito com os americanos. O Grupo Barnaul vivia e respirava valores libertários clássicos: economia de mercado, propriedade privada e direito de porte de armas”, diz um de seus membros, Ivan Zórkin.
Outros assuntos foram rapidamente deixados de lado, já que o direito de portar armas ganhou rapidamente a cabeça dos membros do informal clube de estudantes. Bútina era a força motriz por trás do clube.
Já ali ela mostrava ambições políticas, segundo seus conhecidos. Em 2010, Bútina participou de eleições primárias organizadas pela Jovem Guarda do Rússia Unida (a associação juvenil do partido no poder). Ela montou sua campanha com base no direito dos russos de portar armas.
Em 2011, a cidade de Barnaul recebeu uma delegação do Rússia Unida de Moscou e Bútina caiu nas graças de membros da liderança do partido.
“Eles gostaram do nosso manifesto e Maria foi convidada para Moscou”, lembra Zórkin, que a ajudava a organizar sua campanha.
Logo depois disso, Bútina, então com 23 anos de idade, vendeu sua lojinha de móveis em Barnaul, mudou-se para Moscou e registrou oficialmente uma organização chamada “Direito de Portar Armas”.
A Rússia e as armas
Inicialmente, a vida de Bútina em Moscou foi difícil. Com o dinheiro da empresa que vendeu em Barnaul, ela alugou um escritório perto da estação ferroviária Saviôlovski, no extremo norte da capital, e começou a fazer lobby pelo direito do porte de armas na Rússia.
Diante dos desafios, Bútina fazia de tudo para garantir o apoio de figuras influentes.
“Ela juntou figurões e os forçou a agir. Ela resolvia muitos problemas com facilidade por ser uma mulher. Homens adultos e sérios ficaram intrigados abordados sobre o assunto por uma jovem que também estava muito bem preparado”, diz Viatchesláv Vaneiev, o líder informal do movimento com a queda de Bútina.
Membros do “Direito de Portar Armas”, entre eles, Vaneiev, atribuem o sucesso inicial do movimento a Bútina e sua paixão pelas armas de fogo. Mas a moça logo percebeu que, entre as influentes figuras russas, muito poucas compartilhavam da ideologia dela.
Mesmo assim, o movimento conquistou seguidores fiéis, como lembra Ivan Zórkin: o líder do Partido Liberal Democrata da Rússia (LDPR, na sigla em russo), o polêmico Vladímir Jirinóvski, assim como o apresentador Ivan Okhlobistin, o figurão da TV Vladímir Solovióv, o funcionário do governo Aleksander Torchin e outras pessoas influentes.
“Ela conseguiu o apoio de muitos membros do parlamento. Todas as alas tinham opositores e apoiadores de Bútina”, diz Zórkin.
Quando o movimento começou a ganhar apoio em Moscou, seus objetivos se tornaram mais ambiciosos. O “Direito de Portar Armas” buscava influenciar determinados aspectos da vida política do país.
Em seu auge, o movimento tinha três áreas principais de ação: a realização de manifestações em favor da liberação da posse de armas de fogo; fazer a Suprema Corte atualizar a noção do direito à autodefesa; e tornar as armas legalizadas para os cidadãos russos.
“Simplificando, o movimento fazia de tudo facilitar a vida das pessoas armadas em solo russo", diz Zórkin.
Apesar do apoio de pessoas influentes, o Direito de Portar Armas” teve a oposição dos cidadãos comuns.
Você quer que a Rússia vire os EUA?
O símbolo original do movimento tinha uma pistola Beretta.
“Este símbolo nos guiava, e alguns moradores locais nos acusavam de ser americanos ou de apoiar os americanos, ou querer que as coisas fossem como nos Estados Unidos [devido aos tiroteios massivos nos EUA] . Qual era o ponto de explicar alguma coisa para essa gente?”, diz Zórkin indignado.
Apesar de Bútina conseguir alguns partidários de seu movimento em Moscou, não conseguiu torná-lo algo verdadeiramente popular. Isto porque os russos médios não se importavam muito com a questão do controle de armas.
No seu auge, o movimento tinha entre 5.000 e 9.000 membros. A maioria deles não estava interessada em direitos humanos ou trabalho legislativo: muitos adoravam ir a locais para treinar tiro e passar o tempo com pessoas que pensavam como eles.
“Não tínhamos nenhuma obrigação estrita de participar ativamente em atividades [de direitos humanos ou políticas]. Era uma reunião de pessoas parecidas, não colegas de trabalho”, diz Aleksandr Simontsev, ex-membro do movimento em Khabárovsk.
A falta de obrigações atraía os amantes de armas para o movimento, mas muitos outros se assustavam com seu objetivo final. “Os proprietários de armas que se opunham a ampliar o direito do porte de armas, não estavam interessados em nós”, diz Zórkin.
Bútina chega à América
Empreendedora, Bútina e sua equipe decidiram que precisavam aprender com a experiência da Associação Nacional de Rifles dos EUA (na sigla em inglês, NRA), o lobby de armas mais influente da história, para evitar seu próprio fim.
O senador e banqueiro Aleksandr Torchin virou, então, o elo que faltava para unir Bútina à NRA.
“Torchin virou o intermediário. Ele já era membro vitalício da NRA e participava de suas reuniões”, conta Vaneiev.
Assim, Bútina conseguiu um emprego como assistente de Torchin e viajou com ele para os EUA para se encontrar com os membros da NRA.
Em 2016, ela se mudou para os EUA com um visto de estudante. Mas, dois anos depois, Bútina já estava sob investigação.
Em dezembro de 2018, ela chegou a um acordo judicial com os promotores federais e admitiu ter atuado como agente russa em território norte-americano sem se registrar no Departamento de Justiça. Seus partidários na Rússia, no entanto, dizem que seu contato com a NRA tinha outros objetivos.
“O objetivo da nossa organização era ser financeiramente viável. A NRA era de interesse para nós, porque já tinha conseguido isso. Como eles fizeram isso? Como poderíamos aprender com eles?”, diz Vaneiev.
Mas os investigadores federais norte-americanos não acreditam nessa explicação. Em julho de 2018, a polícia prendeu Bútina, que tinha se matriculado em uma universidade local e desenrolado laços significativos com a NRA e o Partido Republicano – inclusive tendo um caso com o médico conservador Paul Erickson.
Na última sexta-feira (26), Bútina foi condenada a 18 meses de prisão, nove dos quais ela já cumpriu.
Ela será deportada para a Rússia no início de 2020.
Após a detenção de Bútina, o movimento “Direito de Portar Armas” foi desmontado como uma entidade legal, mas manteve “células” em Khabárovsk, Kazan, Perm e São Petersburgo. Apesar de não realizar nenhum trabalho político, as “células” permanecem fiéis aos ideais norte-americanos, principalmente quanto ao direito de porte de armas.
Os partidários mais leais de Bútina não se incomodam com a atual calmaria. "Ela não caiu. Aconselharia que ela entrasse na política quando voltasse para a Rússia. Com suas conexões e a publicidade gratuita, ela tem futuro", diz Vaneiev.
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