Dolgopolov vai participar do revezamento da tocha olímpica em algures na região siberiana de Krasnoiarsk Foto: Víktor Vessénin/RG
Rossiyskaya Gazeta: Com que sentimento você espera os jogos de Sôtchi ?
Nikolai Dolgopolov: Com alegria. Em 2004 se formou um grupo de pessoas que acreditavam firmemente ser possível realizar os Jogos Olímpicos em Sôtchi. A pessoa que serviu de maior inspiração para isso é o atual chefe do Comitê Organizador Sôtchi-2014, Dmítri Tchernichenko. Enquanto eu acreditava 99% no projeto, ele tinha 120% de segurança.
Em 2007, estávamos na última rodada das votações em Guatemala. Aconteceu, por coincidência, de eu ter um terno igual ao da delegação oficial russa e me deixaram passar para todos os lugares. Encontrei um velho conhecido, um dos líderes do COI, que me perguntou por que eu estava triste. Eu lhe expliquei que não dava ainda para entender quem tinha vencido a final –nós ou a Coreia. Então o meu colega estrangeiro me disse: “Vocês ganharam por dois ou três votos. Só não conte para ninguém”. Depois disso, ao meu redor havia muita agitação e emoção, mas eu estava absolutamente calmo.
RG: Você já cobriu diversos Jogos Olímpicos. Como começou essa “carreira olímpica”?
ND: Para os padrões da época, eu era muito novo. Fui para Montreal por milagre. Quando ainda era estudante, fazia tradução para a Comissão Esportiva da URSS, onde trabalhava com seleções estrangeiras e ia para o exterior com as equipes soviéticas. Aí me propuseram ir para o Canadá como tradutor para os esportes aquáticos. Escrevi muito sobre eles, já na qualidade de jornalista. E aconteceu de sair do país mesmo sem visto no passaporte, apenas com credencial olímpica, como membro da delegação. Mas eu não tinha credencial de jornalista e fui para diretamente ao Comitê Organizador. Eles se admiraram bastante: “O que você está fazendo, como é possível?” Mas no final eu os convenci e me deram uma credencial verdadeira de jornalista. Acho que o que me ajudou foi o meu conhecimento de francês, já que em Montreal eles não suportam escutar inglês. E eu acabei sendo “dois em um”: quando ia cobrir o handebol ou o atletismo mostrava a minha credencial de jornalista, mas na piscina eu ficava literalmente sentado na beiradinha como tradutor. Eu vi as Olimpíadas de dentro. Foi uma sorte inacreditável.
RG: Depois disso você esteve mais 11 vezes em Olimpíadas. Consegue nomear as impressões mais memoráveis?
ND: Não sei por que, mas a primeira recordação que me vem é a mais amarga: estávamos em Salt Lake City em 2002. Eu tinha tanta certeza que a nossa seleção feminina de revezamento de esqui ganharia que tinha previamente escrito algum material sobre a reportagem da vitória. Estava de pé na colina, esperando. E, de repente, um alemão amigo meu me passa os binóculos, dizendo: “Nikolai, as russas não estão ali”. A possibilidade de que poderiam ser desqualificadas por suspeita de doping era impensável.
Quanto a experiências positivas, elas costumam ser peculiares. Estávamos em Nagano, em 1998, e perguntei à treinadora de patinação artística, Tamara Moskvina, qual das duplas iria vencer. Ela me deu uma dica de que daquela vez ganharia a dupla Kazakova-Dmitriev, mas na próxima Olimpíada seria a vez da dupla Berejnaya-Sikharulidze. Eu fiquei impressionado: não se tratava de saber se os nossos atletas ganhariam ou não, mas qual deles e quando. Sinto orgulho dos meus patinadores favoritos. Se estiver bem, o meu atleta favorito, Evguêni Pluchenko, estará presente em Sôtchi e ainda irá brilhar em sua quarta Olimpíada.
RG: E tem alguma Olimpíada favorita?
ND: A de Moscou, é claro. Aconteceu de o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos abrir a sede em frente da casa onde eu morava e ainda moro. Naturalmente, me deslocaram do jornal para ficar lá. Mas estávamos ainda no começo. Foi uma longa tarefa de seis anos e, modéstia à parte, eu sabia tudo sobre esses jogos. Podia trabalhar como jornalista e como guia. O que significa ter os Jogos Olímpicos em sua casa? Que você é o anfitrião. É uma sensação indescritível.
RG: Como foi participar do revezamento da tocha olímpica para as Olimpíadas de Pequim?
ND: Já tinha sido convidado outras vezes, mas acabou por nunca acontecer. Na China funcionou, embora eu tivesse que voar de Pequim para o extremo do país com duas escalas. Era uma região montanhosa, onde se encontram o Laos, o Vietnã e a China. Ficamos instalados no topo, no acampamento dos portadores da tocha. Eu era o único russo lá. Acabou por se formar um grupo interessante: cientistas norte-americanos, um general, que era o presidente da Federação de Taekwondo, o presidente de uma das maiores empresas sul-coreanas e umas garotas filipinas. Éramos todos pessoas muito diferentes, mas rapidamente ficamos amigos. Também nos ensinaram a lidar com a tocha: você tem que mantê-la na sua frente, com o braço ligeiramente curvado. Quando você recebe o fogo, tem que apoiar a tocha e contar até cinco. Ao final da contagem, a chama aparece.
RG: No que você pensou quando estava carregando a tocha?
ND: A minha etapa foi na subida da montanha do Dragão de Neve. Eu nem sei como fiz o meu percurso. Apenas escutava a multidão me aplaudindo ao longo da estrada e gritando: "Professor, Professor!". Isso não era nem mesmo alegria, era uma euforia selvagem. Todo mundo, não apenas eu, tinha a sensação de que conseguia fazer qualquer coisa.
RG: E em Sôtchi-214, você vai fazer alguma coisa?
ND: Se Deus quiser, vou participar do revezamento da tocha olímpica em algures na região de Krasnoiarsk.
Publicado originalmente
pela Rossiyskaya Gazeta
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