Há anos que a Rússia busca melhorar sua imagem nacional, mas os escândalos internacionais, sanções e outras polêmicas recolocam a todo momento seu “gerenciamento de crises” em prática e colocam o país algumas casas atrás no tabuleiro de jogo.
No final das contas, a marca “Rússia” estagnou e virou uma mistura estereotípica e detonante de vodca com ursos, restos da herança comunista, balé e neve. Governo, empresários e organizações sociais, claro, não gostaram nada do resultado incandescente.
“Quer agradar o Ocidente, faça como o Ocidente”, disse de certa monta o tsar Piotr I, que não conseguiu submeter-se ao isolamento da Rússia e à classificação dessa como país bárbaro, segundo Leibtnitz, ou de “colosso das pernas de barro”, segundo Diderot.
Suas reformas educacionais, culturais, militares – como a construção da mais poderosa esquadra de então -, foram decisões feitas, em grande parte, com fins de se trabalhar a imagem do país. Não, sob seu comando, o país não parou de guerrear, mas pela primeira vez ele se inseriu no mapa europeu.
No mundo atual, as guerras são pontos negativos, e não indicadores de sucesso. Além disso, imitar o Ocidente é recebido dentro do país como fraqueza, mas a vontade de ser o “menino malvado da Europa” acabou. A Rússia começou a valer-se de novos modos de melhorar sua imagem.
Marketing norte-americano para russos
Durante uma década, esse trabalho foi realizado pela agência de relações públicas Ketchum, divisão da corporação global Omnicom. A colaboração da empresa norte-americana com governo e estruturas empresariais russas como o gigante do petróleo e do gás Gazprom começou ainda em 2006, antes da cúpula do G8 em São Petersburgo.
Após o “job”, a agência trabalhou na temática da entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio, na campanha eleitoral de Vladímir Putin e nas Olimpíadas de 2014 em Sôtchi.
Foi justamente durante a parceria com a Ketchum que Putin apareceu pela primeira vez em uma capa da Time (como “homem do ano”), encabeçou o ranking de influenciadores do planeta, o The New York Times publicou uma coluna sua sobre a Síria e armas químicas.
Ao mesmo tempo, a Rússia nunca esteve entre os 10 primeiros no ranking de marcas nacionais do mundo. Mas mesmo a 25° colocação em 2014 foi levada em alta conta pelo Kremlin.
E mesmo assim o trabalho com os marqueteiros norte-americanos foi encerrado em 2015. O conflito na Ucrânia e a anexação da Crimeia derrubaram sensivelmente o país de sua posição no ranking.
No Kremlin, constatou-se que “sob a verdadeira ‘guerra das comunicações’ que está ocorrendo”, a atmosfera era “pouco propensa” às relações públicas e esforços comunicativos.
Hoje, a divisão russa da agência não quer relembrar do cliente de porte que perdeu. “Não estamos prontos para falar da Rússia”, respondeu a um pedido de entrevista do Russia Beyond a diretora da Ketchum Maslov, Ássia Soskova.
Boas relações públicas, follow through ruim
Se a marca da Alemanha é a qualidade, do Japão, inovação, dos EUA, cultura de massa, a Rússia é marcada pela ambiguidade. O clipe recente de Robbie Williams “Party like a Russian”, ou a paródia “Putin, Putout” trazem um conjunto de associaçõs vivas com o país.
No inconsciente mundial, as imagens das montanhas do Altai, das botinhas de feltro tradicionais do país e das matrioshkas se misturam com a de Pútin montado a cavalo com o torso nu (os suvenires com esse imagem, aliás, estão em alta demanda por turistas).
Mas Andrew Roth, jornalista do The Washington Post baseado já há alguns anos em Moscou, acredita que a Rússia tem conduzido ótimos projetos de marketing – se não fosse pelo fato de que ela faz promessas públicas e depois não as cumpre, como foi o caso do centro de inovações Skôlkovo.
“Acredito que o projeto tenha sido vendido como um motor da modernização econômica russa, como um Vale do Silício Russo. Não estou exagerando, [o então presidente Dmítri] Medvédev disse que haveria ali 50 mil pesquisadores e tecnólogos até 2020”, escreveu Roth.
Segundo ele, porém, a construção está mais lenta do que se esperava: as startups classificadas como parte do projeto de Skôlkovo não ficam localizadas em Skôlkovo. Ainda foi preciso retirar financiamento prometido ao projeto, que está lançando fundos de risco para arrecadar capital.
“Pode-se falar sem medo que não haverá nada perto de 50 mil [pesquisadores] até 2020. Mas o projeto produziu montes de matérias favoráveis a Medvédev nos idos de 2009, quando ele pretendia modernizar a economia russa. Boas relações públicas, má continuidade”, escreveu Roth.
“Não estou tentando dizer que isso não gerou nada de bom. Mas esses projetos grandiosos custam demais para o que eles produzem e sempre falham em corresponder às expectativas”, conclui.
Em Skôlkovo, considera-se que 50 mil especialistas é um número ambicioso, mas que “o discurso sempre foi sobre a criação do ‘ecossistema Skôlkovo’, de startups, parceiros-chaves, centros de pesquisa e desenvolvimento, universidades”. O sistema poderia trazer consigo 30 mil pessoas, entre pesquisadores e empresários, disse ao Russia Beyond o relações públicas de Skôlkovo, Aleksandr Tchernóv. Somando-se a eles as famílias (15 a 20 mil pessoas), seria possível chegar ao número proposto inicialmente.
Segundo Tchernóv, em meados de 2017 5 mil pessoas trabalhavam em Skôlkovo.
“E se incluirmos aí o Parque Tecnológico do Sberbank, são mais 5 mil especialistas, o Skoltech, 2.500, ao segundo Parque Tecnológico de Skôlkovo, mais 500, então pode-se dizer, sem medo, que não nos afastamos demais daqueles números”, diz.
Disneylândia de doideiras russas
Se os projetos governamentais florescentes são desajeitados, lentos e arriscam empacar no meio, algumas marcas comerciais tem na origem russa uma vantagem. Não são muitas, mas hoje são justamente elas que melhor e mais rapidamente trabalham no desenvolvimento da marca nacional.
“São a vodca (Beluga e Russian Standard), o complexo industrial militar (Kalashnikov), os diamantes (Еpldiamond) e o espaço”, diz o ex-diretor de marketing da rede social mais famosa da Rússia, o “VKontakte”, Mikhail Tchernichev.
“Acredito que em categorias extremas, como roupas para invernos intensos e tecnologia para condições climáticas extremas, a origem russa também agregue valor”, diz.
Partir para o mercado externo enquanto a Rússia se desentendia com todos os lados também foi uma estratégia eficiente para algumas empresas.
A imagem de uma Rússia “malvada” não teve vergonha de entrar na moda e também ultrapassou as fronteiras. Exemplo disso foram as camisetas do fashionista Vsevolod Tcherepanov com a inscrição “Russian Mafia: New World Order” (em português, Máfia Russa: Nova Ordem Mundial), que borbulharam em Paris e se tornaram um produto de exportação exclusivo a um preço equivalente a quase 700 reais.
Em 2016, a fonte renomada de Aleksandr Rodtchenko “Cyrillic”, que estampava os uniformes russos, foi a bola da vez. “Quem é verdadeiro campeão olímpico? Os uniformes da Rússia”, lia-se na revista Dazed daquele ano, colocando o abrigo da Bosco Sport como “obrigatório” nas listas de presentes de Natal.
Seguindo essa onda, o estilista Gocha Rubtchinski, que liderou a moda de renascimento da fonte “Cyrillic”, fez nome – junto a uma mistura de clichês e kitsch russo. Assim, o urso e a águia de duas cabeças com uma metralhadora (da coleção “Império do mal”), a Ortodoxia (com a inscrição “Salve e proteja”) e moda jovem seguindo a imagem “gopnik” (da subcultura da malandragem que se popularizou nos anos 1980 e 1990), também viraram produtos de exportação demandados. Tanto que a produção de Rubtchinski pode ser encontrada nos armários de Justin Bieber e Kanye West.
Para Tchernichev, isso tudo é uma “loucura inteligente” essencial para os negócios, fácil de envolver públicos jovens e que dispensa grandes orçamentos de marketing. “E nós, na Rússia, viramos um tipo de Disneylândia da loucura inteligente”, diz.