Os caminhos da Rússia na economia globalizada

Estados Unidos e a Europa planejem uma série de medidas destinadas a isolar a Rússia Foto: Rossiyskaya Gazeta

Estados Unidos e a Europa planejem uma série de medidas destinadas a isolar a Rússia Foto: Rossiyskaya Gazeta

Atualmente, a Rússia está muito mais integrada à economia mundial do que nos tempos soviéticos, tornando as sanções uma tarefa mais desafiadora do que quando a União Soviética as enfrentava na década de 1980.

O impasse com a Ucrânia elevou as tensões entre a Rússia e o Ocidente a níveis nunca antes vistos desde a Guerra Fria.

Ainda que os Estados Unidos e a Europa planejem uma série de medidas destinadas a isolar a Rússia –ecoando a estratégia da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de contenção da União Soviética na Guerra Fria– uma diferença crucial atrapalhou essa estratégia: hoje, a Rússia está muito mais integrada à economia mundial do que no período socialista.

A Rússia, terceiro maior parceiro comercial da União Europeia, fornece cerca de 30% do gás natural do bloco. Empresas russas detêm bilhões de dólares em ações negociadas nas bolsas de valores de Londres e Nova York, com inúmeros investidores minoritários dos Estados Unidos e da Europa. A ExxonMobil, gigante petrolífera americana, apostou alto na Rússia, trocando ativos e criando uma parceria estratégica com a líder petrolífera russa Rosneft.

Tudo isso leva autoridades russas e políticos ocidentais a uma pergunta multibilionária: aonde podem realmente chegar as sanções contra a Rússia?

“Eu não acredito em um cenário de completo isolamento político ou econômico,” afirmou o ex-ministro da economia, Aleksêi Kudrin, em uma entrevista ao canal russo de televisão REN-TV. “Eu não acho que isso chegará muito longe.”

Apesar das advertências de autoridades ocidentais de que a Rússia poderá enfrentar sanções de amplo alcance em áreas como energia, finanças, armas e indústria, os líderes russos têm procurado minimizar as ameaças.

Em maio, o ministro da economia, Aleksêi Uliukaiev, disse ao canal de televisão Bloomberg que sanções mais amplas contra setores inteiros da economia são “como uma arma nuclear –ninguém usa”.

De fato, alguns políticos ocidentais afirmaram que qualquer medida contra a Rússia deve ser cuidadosamente elaborada. A secretária assistente de Estado dos EUA, Victoria Nuland, disse na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados do país que as novas sanções seriam direcionadas de forma a minimizar os danos aos interesses ocidentais. “A ideia é usar um bisturi ao invés de um martelo”, disse Nuland.

Petróleo e Gás

O papel de maior destaque desempenhado pela Rússia na economia global está na produção colossal de petróleo e gás. A Rússia é o maior exportador de gás natural e o segundo maior exportador de petróleo do mundo e as empresas estrangeiras trabalharam arduamente para ter acesso a essas reservas.

A parceria da Exxon com a Rosneft inclui 30% de propriedade do desenvolvimento de petróleo e gás da jazida Sakhalin-1 do Extremo Oriente e também prevê a exploração e o desenvolvimento conjunto de campos de petróleo no Ártico.

A Royal Dutch Shell detém uma parcela de 27,5% do campo de petróleo e gás Sakhalin-2, onde tem parceria com a exportadora russa de gás natural Gazprom.

A BP, companhia energética britânica, detém quase 20% da Rosneft e assinou um acordo com a empresa russa no dia 24 de maio para explorar óleo de xisto na Rússia.

Enquanto a escalada de tensões se intensificava na primavera, o presidente russo, Vladímir Pútin, disse que as sanções poderiam obrigar o seu governo a adotar uma postura mais dura com relação ao papel das empresas ocidentais na Rússia.

“Se isso prosseguir, então é claro que iremos reavaliar quem e como está trabalhando na Federação Russa, nos setores-chave da economia russa, incluindo o setor energético,” disse Pútin em 29 de abril.

Êxito no crescimento econômico

Embora a integração da Rússia no mundo empresarial ocidental tenha complicado os esforços para impor sanções, isso também tornou o país mais vulnerável. O resultado é que ambos os lados têm muito a perder.

Kudrin estimou que as sanções devem reduzir o crescimento do PIB entre 1% e 1,5% nesse ano. “Isso não é uma perda catastrófica, uma vez que a Rússia passou por momentos de dificuldades ainda maiores em seu passado recente”, disse Kudrin.

Ainda assim, a Rússia não tem interesse em um maior isolamento, acrescentou Kudrin.

“Nós como país –e nossos líderes, eu espero– sentimos onde está a linha, onde haverá um dano significativo à economia,” declarou Kudrin, acrescentando que ele espera que esta linha não seja ultrapassada.

Embargo dos grãos revisitado?

Empresas soviéticas eram, por definição, não comerciais e a economia soviética era voltada para a autossuficiência.

Em 1985, apenas 4% do produto nacional bruto soviético eram gerados por importações e exportações. Muito do comércio exterior da União Soviética era feito com países que faziam parte da esfera socialista.

Quando a União Soviética invadiu o Afeganistão em 1979, o então presidente americano, Jimmy Carter, declarou que os Estados Unidos iriam boicotar os Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 e ordenou um pacote de sanções econômicas.

O resultado foi o embargo americano dos grãos contra a União Soviética, ocorrido em 1980, que teve um impacto insignificante sobre a economia soviética e que tampouco afetou a política soviética. A América Latina e a Europa entraram em cena para preencher a lacuna no fornecimento e a guerra no Afeganistão se arrastou por uma década. O excesso de grãos no mercado americano causou a queda dos preços, prejudicando os produtores americanos. O sucessor do presidente Carter, o anticomunista ferrenho Ronald Reagan, suspendeu o embargo em 1981.

Em artigo publicado em uma edição de 1980 da revista“Foreign Affairs”, o cientista político Robert Paarlberg concluiu: ”A ânsia de dar uma lição em alguém raramente estimula a boa política.”

Hoje, o comércio russo-americano ainda é pequeno, por outro lado a União Europeia é o maior parceiro comercial da Rússia.

Em maio, a Rússia finalmente concluiu uma década de negociações e concordou em abastecer a China com 400 bilhões de dólares de gás natural ao longo de 30 anos.

O acordo deu à Rússia um “espaço para respirar”, disse Keun-Wook Paik, um pesquisador sênior do Instituto Oxford, à Associated Press.

“A Rússia –e Pútin– pode demonstrar que não está completamente isolada por causa da crise ucraniana. A Rússia demonstrou [que possui] uma parceria estratégica muito sólida com a China.”

 

Confira outros destaques da Gazeta Russa na nossa página no Facebook

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies