Moscou pagará preço alto no Chipre

Manifestantes anti-Troika seguram faixa com os dizeres "Tirem as mãos do Chipre" durante protesto na frente do escritório da UE, em Nicósia Foto: Reuters

Manifestantes anti-Troika seguram faixa com os dizeres "Tirem as mãos do Chipre" durante protesto na frente do escritório da UE, em Nicósia Foto: Reuters

Reestruturação do sistema bancário cipriota pode custar até metade dos depósitos de empresas e cidadãos russos nos principais bancos do país. Analistas sugerem que situação catastrófica no Chipre pode representar um ensaio da falência da moeda única europeia.

Depois de um período de discussões prolongadas com a União Europeia e tentativas desesperadas de conseguir fundos adicionais com seus parceiros russos, o Chipre finalmente concordou com a exigência de Bruxelas e Berlim relativa à reestruturação do sistema bancário, fazendo uso dos recursos oriundos de depósitos bancários.

Essa maneira de solucionar os problemas de endividamento, utilizada pela primeira vez na zona do euro, contradiz a abordagem típica da UE para a solução de crises bancárias e deixou os mercados bastante preocupados. A escalada de problemas financeiros no Chipre se tornou a primeira tentativa de Bruxelas moldar, em parte, as possíveis consequências da desagregação de toda a zona do euro.

No entanto, a maior conta caberá aos russos. De acordo com a avaliação da agência de classificação de risco Moody’s, dos 68 bilhões de euros que se encontram nas contas dos bancos do Chipre, mais de 30 bilhões pertencem a empresas e pessoas físicas russas.

Acredita-se que os depositantes russos podem perder até a metade de seus depósitos, sobretudo as empresas russas que trabalham e investem diretamente no país.

O vice-premiê da Rússia, Ígor Chuvalov, declarou que, no momento atual, nem o empresariado russo nem os funcionários do governo possuem uma compreensão exata da dimensão das perdas que os depositantes russos irão sofrer. As últimas avaliações não oficiais compõem um montante de 4 bilhões de euros, no entanto, tal prognóstico seria “excessivamente otimista”, segundo o analista da Moody’s, Evguêni Tarzimanov.

Consequências internas

A situação que se formou em torno da ajuda oferecida a Chipre, no valor de 10 bilhões de euros, também trouxe as mais terríveis consequências para a ilha. O presidente do Chipre, Nicos Anastasiades, foi obrigado a tirar de Chipre a possibilidade de conservar o status de “paraíso fiscal”, bastante lucrativo do ponto de vista econômico.

Pela primeira vez na história da zona do euro, o peso do resgate das instituições bancárias nacionais não foi transferido para os acionistas ou para os credores, mas para os depositantes. Segundo os acordos entre UE e Chipre, somente os mais ricos (com mais de 100 mil euros depositados nos dois maiores bancos da ilha, o Bank of Cyprus e o Cyprus Popular Bank – Laiki) irão sofrer com a medida.

Enquanto os investidores com contas no primeiro banco estão sendo ameaçados com uma taxa no valor de 30% do depósito em suas contas, os clientes do Laiki, que até setembro de 2012 já tinha perdido 1,8 bilhões de euros, provavelmente serão privados de todos os seus recursos.

Os especialistas supõem que a posição inflexível de Berlim, que há muito tempo insistia numa maior transparência na condução dos negócios no Chipre, permitiu à Alemanha “matar dois coelhos de uma cajadada só”. A UE não só resolveu os problemas financeiros do Chipre, como também conseguiu uma acentuada diminuição da atração exercida pela ilha sobre os investidores estrangeiros, especialmente russos.

“Esperamos que o sistema bancário do Chipre consiga evitar uma fuga de capitais em massa, mas não podemos contar com o fluxo de novos recursos vindos do exterior”, disse Konstantinos Loizides, diretor-geral do Piraeus Bank que, ao contrário do Laiki e do Bank of Cyprus, conseguiu preservar os recursos de seus depositantes.

“Berlim acabou conseguindo o que queria, porém, as reclamações dos alemães em relação à ilha não têm fundamento”, continuou Loizides.

Euro já era?

Diante da situação catastrófica no Chipre, alguns especialistas sugeriram que os últimos desdobramentos podem representar um ensaio da falência, em grande escala, da moeda única europeia.

A mais importante característica do “sistema de moeda única” é o movimento livre dos fluxos financeiros entre bancos de diversos países. Se tal movimento passar a ser limitado, o valor de um euro na conta de um banco no Chipre será menor do que o valor daquele que está depositado em um banco de outro país.

“Isso significa que o euro de Chipre não é mais um euro. Ao limitar o fluxo de capital, o Banco Central Europeu praticamente criou uma nova moeda no país”, diz o vice-diretor do Bruegel, Guntram Wolff.

Como não existe um mecanismo que permita um membro deixar a EU ou a zona do euro, a ideia é que os membros do grupo em crise passem a limitar o fluxo de capitais e confinar os sistemas bancários nacionais dentro de suas fronteiras geográficas.

Nesse contexto, os analistas supõem que o exemplo de comportamento adotado por Bruxelas numa situação de crise pode servir de sinal para os PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), países ainda suscetíveis a uma onda de pânico em massa dos investidores, com uma retirada extra de capital. Se em tal circunstância, os chamados “euroburocratas” tentarem mais uma vez estabelecer um controle sobre o fluxo de capital, é possível prever o fim da moeda única europeia nos seus moldes atuais.

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