Um aristocrata toma café da manhã ou seda no estômago e nada dentro, 1849-1850, 1965.
Estilo não é nada, moda é tudo
O enredo da pintura nasceu de um artigo do escritor Ivan Gontcharov para a revista ‘Sovermennik’, em 1848. Publicado anonimamente, ‘Cartas de um amigo metropolitano a um noivo provinciano’, ele criticava os fashionistas da época. “Para vestir calças de uma cor famosa com listras, (…) ele concordaria em comer um jantar ruim durante dois meses”, escreve o autor, antes de perguntar ao destinatário das ‘Cartas’ se ele ja havia tentado, sem avisar, “ir à casa de uma dessas pessoas e pegá-la de surpresa?” — o que poderia acontecer como resultado é exatamente o que Fedotov retratou.
O personagem da foto está vestido com um “look oriental” da moda; ele usa um quepe com estampa oriental, um manto de seda com borlas, calças e sapatos turcos pontudos. Parece mais ter saído das páginas de uma revista de moda da época – e vive cercado de bugigangas elegantes. Há fotos de bailarinas nas paredes e um busto do compositor Franz Liszt sobre a sua mesa. Folhetos de teatro estão pendurados no encosto de uma cadeira. Até a lata de lixo embaixo da mesa tem o formato de uma ânfora grega antiga.
Um poodle como o do imperador
O personagem de Fedotov tenta seguir todas as tendências simultaneamente. Até mesmo o seu cachorro é de uma raça então em voga — um poodle, como o do imperador Nicolau 1º.
Brilho quase metropolitano
O homem é retratado saltando de uma poltrona estofada — um móvel da moda na época, cuja moldura é totalmente forrada de tecido. No chão há um rico tapete com ornamentos orientais, mas, aparentemente, a peça já teve dias melhores. E, ao olhar bem de perto, percebe-se que esses são os únicos itens do “mobiliário de luxo”. O resto dos móveis são antiquados, provavelmente a sobra de inquilinos anteriores. A vida todo do socialite cabe em um simples cômodo, que serve de escritório, quarto e sala de jantar. Essas moradias baratas eram muitas vezes escolhidas por filhos de proprietários de terras de pequena riqueza recém-chegados à capital.
Ou, talvez, seja tudo uma questão de cartas debaixo da mesa e o personagem de Fedotov gastasse todo o seu dinheiro em uma vida luxuosa na jogatina? Não há dúvida de que sua carteira está vazia — ela aparece do avesso. Talvez, por esse motivo, o personagem da foto terá ele mesmo que abrir a porta; a campainha para chamar o criado ainda está sobre a mesa.
Um convidado não convidado
O convidado desconhecido chegou em uma hora inesperada, pegando o homem durante o café da manhã, composto por um pedaço de pão. De boca cheia, ele o esconde embaixo de um livro — o cardápio claramente não combinava com a imagem de “aristocrata”; afinal, pode-se ver um anúncio de ostras entre os papéis na cadeira.
Quem poderia ter chegado sem ser convidado? Seria um credor? O artista deixou esta pergunta sem resposta. Só se sabe que a ação transcorre de manhã ou à tarde, uma vez que o ‘intruso’ está usando luvas claras. À noite, ele estaria usando luvas brancas — segundo a moda da época.
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