A estepe selvagem e vida dos nômades na arte russa

Cultura
ALEKSANDRA GÚZEVA
Durante séculos, o território do antigo Império Russo foi habitado por povos nômades asiáticos. E os seus descendentes, como os calmucos (os únicos budistas na Europa), por exemplo, ainda vivem na Rússia moderna.

Os povos nômades habitaram as vastas extensões de estepes do norte da Eurásia (e do Império Russo) por séculos. E, obviamente, o seu estilo de vida e cultura se refletiram na cultura e na arte russas. Foram os nômades que introduziram a lã e o feltro, eles foram os primeiros a domesticar os cavalos e a utilizar produtos lácteos fermentados – e habituaram os russos a tudo isso.

A Rússia adotou várias práticas dos mongóis, e vestígios de diferentes povos nômades foram encontrados no sul da Rússia, na foz do rio Don. A vida dos nômades em todas as suas formas atrai artistas e expedicionários há séculos.

Dmítri Zatsépin. Estação Alti-Kuduk na região de Syr Darya (Império Russo), 1880

O coronel Dmítri Zatsépin passou mais de 20 anos no Turquistão, uma grande região da Ásia Central que se tornou parte do Império Russo no século 19. Zatsépin pesquisou a vida e a cultura local e compilou um álbum etnográfico com centenas de esboços da vida local. A região de Syr Darya compreende atualmente ao território do Uzbequistão.

Dmítri Zatsépin. Ordenhando uma égua para kumis, 1875

Os nômades da Ásia Central estiveram entre os primeiros povos a domesticar cavalos. E foram eles que tiveram a ideia de fazer uma bebida láctea fermentada com baixo teor alcoólico chamada ‘kumis’ a partir do leite de égua.

Vladímir Favôrski. Cantor Mingyan, 1939

Em 1940, o artista Vladímir Favôrski fez ilustrações para a tradução russa do livro “Djangar”, um épico folclórico calmuco. O desenho retrata Mingyan, um dos heróis do livro — além de ser, para usar uma linguagem moderna, um verdadeiro símbolo sexual. Vejam só como as garotas ao fundo estão dançando e como todos os olhos estão fixados apenas nele. “As mulheres não conseguem vê-lo com indiferença”, escreveu o artista sobre o herói.

Natália Gontcharova. Pilares de sal. Por volta de 1910

A artista de vanguarda Gontcharova recorreu repetidamente aos ídolos de pedra citas (babas). Usando imagens de esculturas antigas e primitivas, ela narrava histórias bíblicas. A base da sua obra ‘Pilares de Sal’ foi a lenda de Ló, o único sobrevivente quando Deus destruiu Sodoma e Gomorra. Na história, a esposa de Ló se transformou em uma estátua de sal ao olhar as cidades em chamas. Mas Gontcharova transforma todos os heróis em ídolos, congelados com as ruínas em chamas de Sodoma e Gomorra como cenário.

“Compreendi tudo o que o Ocidente foi capaz de me dar até hoje… e, agora, meu caminho vai para a fonte de toda arte – para o Oriente”, diz a artista.

Pável Kuznetsov. Miragem na estepe, 1912

O simbolista Kuznetsov é apelidado de “pássaro canoro do Oriente”. As suas obras mais famosas, criadas na década de 1910, são dedicadas à Ásia Central, à magia das estepes e às ilusões de ótica que por vezes são observadas ali.

Mikhail Bukar. Iurt e família de um administrador paroquial, 1872

Em 1872, o fotógrafo de Orenburgo, Mikhail Bukar, presenteou o futuro imperador Alexandre 3º com um álbum intitulado “Imagens fotográficas de tipos da região de Orenburgo”. O álbum continha fotos de diferentes povos (basquires, quirguizes, calmucos, tártaros) e seus respectivos modos de vida. A foto foi colorida com aquarela para obter uma aparência mais realista.

Vassíli Verescháguin. Interior da iurt de um quirguiz rico, 1869-1870

Verescháguin é conhecido por suas pinturas de cenas de batalha e por seu “ciclo do Turquistão”, onde refletiu com precisão documental a vida típica dos povos da Ásia Central. No entanto, especialistas modernos afirmam que o artista cometeu um erro nesta pintura. Na iurt, a metade direita da porta pertencia tradicionalmente ao homem; no entanto, Verescháguin retratou uma mulher com uma criança neste local.

Vassíli Verescháguin. Tenda quirguiz no rio Chu, 1869-1870

Os nômades com rebanhos de camelos, ovelhas e cavalos viajavam para o norte na primavera e no verão e voltavam para o sul no outono. Durante essas viagens, eles faziam longas paradas em corpos d’água, onde montavam suas iurts. A montagem dos lares temporários era uma tarefa feminina (que, com toda a sua complexidade, demorava apenas cerca de 4 horas). Primeiramente, erguia-se uma porta e uma moldura de treliça de madeira era instalada em torno dela; depois, a estrutura era forrada com feltro e tecidos de lã por cima.

Vassíli Verescháguin. Garota quirguiz, 1873

Aqui, uma mulher estaria segurando um berço com uma criança. Verescháguin retratou com precisão o padrão complexo de seu manto. A propósito, as vacas dos nômades serviam sobretudo de transporte e eram usadas como gado de tração. Por alguma razão, eles preferiam consumir leite de ovelha.

Christian Gottfried Heinrich Geisler. Calmucos nômades, década de 1800

Este gravurista de origem alemã participou de diversas expedições ao sul da Rússia que resultaram em vários álbuns etnográficos. Esta ilustração mostra uma aldeia calmuca com iurts, cabanas, camelos e carroças. Geisler esboçou detalhadamente o processo de construção da iurt. Acredita-se que os calmucos, budistas que vivem no sul da parte europeia da Rússia, sejam descendentes de tribos que migraram da China e da Mongólia para a foz do rio Volga.

Todas essas obras de arte e artefatos reais da vida dos nômades podem ser vistos na exposição ‘Campo Selvagem. Em Movimento Perpétuo’, no Museu Histórico do Estado, até 9 de setembro de 2024.

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